quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Oliver Sacks


O Comilão terminou há pouco O Tio Tugsténio - Memórias de uma infância química, de Oliver Sacks. Trata-se de um apaixonante livro de memórias com alguns capítulos (talvez cerca de metade) dedicados à história da ciência. Apesar da escrita brilhante de Sacks, esta componente histórico-científica torna-se por vezes algo cansativa (pelo menos para um leigo como o Comilão). Mas devemos sobretudo enaltecer as qualidades da obra e agradecer ao autor por nos ter deixado uma mão cheia de episódios deliciosos e personagens memoráveis.

Destacaria aqui alguns pontos altos:

as dez páginas (98-108) dedicadas às biografias, descobertas e inventos de Robert Boyle, do seu não menos dotado ajudante, Robert Hooke, e de Antoine Lavoisier;

o capítulo 9 ('Consultas ao domicílio'), descrevendo a actividade do pai e da mãe, ambos médicos, que tinham consultório na grande casa da família;

o capítulo 12 ('Imagens'), onde Sacks fala sobre um dos seus passatempos favoritos, a fotografia, pondo-nos a par dos vários desenvolvimentos desta técnica e das experiências que efectuava em casa;

o capítulo 15 ('Vida doméstica'), sobre os ritos e cerimónias judaicos, sobretudo, e a paixão dos Sacks pela música («Em criança, parecia-me que a casa estava sempre cheia de música. Havia dois Bechsteins, um vertical e outro de cauda, e, por vezes, ambos estavam a ser tocados em simultâneo»);

o capítulo 19 ('A mamã'), o meu favorito. Não posso elogiá-lo o suficiente. Começa com este parágrafo formidável que reproduzo:

«Certo Verão, em Bournemouth, depois da guerra, consegui que um pescador me desse um polvo muito grande, ainda vivo, e mantive-o na banheira do nosso quarto de hotel, que enchi com água do mar. Alimentava-o com caranguejos vivos, que ele desmembrava com o bico córneo, e penso que o bicho se afeiçoou bastante a mim. Não tenho dúvidas de que me reconhecia quando eu entrava na casa de banho, e a sua pele tingia-se de diferentes cores, indicando a emoção que sentia. Embora já tivéssemos tido cães e gatos em casa, eu nunca tivera um animal só meu. Agora, concretizara esse desejo, e achava o meu polvo tão inteligente e afectuoso como qualquer cão. Queria levá-lo comigo no regresso a Londres, dar-lhe uma casa, um enorme tanque adornado com actínias e algas marinhas, tê-lo como meu bicho de estimação, meu e só meu.»

É também aí que Sacks fala da mesa de Morrison, «uma enorme mesa de ferro colocada na sala de pequenos-almoços que, pretensamente, era sólida que chegue para suportar o peso de toda a casa se esta fosse bombardeada», e de outras coisas tão insólitas quanto deslumbrantes;

os capítulos 18 ('O fogo frio') e 21 ('O elemento de madame Curie'), dedicados à fosforescência e à radioactividade, também são fascinantes.

Apesar de ter dedicado a infância a alimentar o seu interesse insaciável pelas ciências exactas (sobretudo a Química), Oliver Sacks acabou por se tornar um psiquiatra de renome. Talvez a vocação lhe tenha sido despertada pela esquizofrenia do seu irmão Michael (cuja degeneração aparece descrita nas págs. 170-172).

Oliver Sacks
O Tio Tungsténio
Relógio de Água
292 págs., preço variável (€16,15 na livraria online Wook, neste momento encontra-se a €10 na Fnac e eu comprei-o na Feira do Livro por €7,5. Seja qual for o preço, cada cêntimo é justificado)
4,5 estrelas (não tem 5 estrelas devido às páginas instrutivas mas relativamente esotéricas sobre elementos químicos e descobertas científicas)

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