sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Henri Troyat, Rasputine



O Comilão já conhecia Henri Troyat de outras andanças, mais concretamente pela monumental biografia de Tolstoi (Fayard, 1965, 842 págs.). Troyat nasceu em Moscovo em 1911 e a sua família teve de fugir da Rússia aquando da revolução de outubro de 1917. Eleito para a Academia francesa em 1959, acabaria por falecer em 2007. O Comilão imaginava-o um homem ascético e de longas barbas, como estes dois biografados, mas a fotografia da contracapa do Rasputine desmente por completo essa imagem, mostrando um homem vigoroso com ar de Onassis, modernos óculos pretos de massa e uma camisa de manga curta.

Gregório Rasputine é uma figura de lenda. Nasceu a 10 de Janeiro de 1869 numa pequena aldeia da Sibéria. Em criança esteve às portas da morte, sobrevivendo a uma pneumonia contraída nas mesmas circunstâncias que o irmão, o qual vez não resistiu. Tinha o ímpeto de peregrinar, andar por essa vasta Rússia fora como um mendigo (staretz), visitando mosteiros e homens santos, e nem o casamento o prendeu à aldeia.

Introduz-se no palácio da família imperial através do bispo Teófano, confessor dos Romanov. E adquire um bestial prestígio junto da imperatriz Alexandra Fedorovna quando cura o seu frágil filho Alexis em 1907 (virá a fazê-lo novamente em 1912). O facto de ter os modos e os hábitos de um camponês jogam a seu favor. Todos os que com ele privam reconhecem-lhe um estranho poder hipnótico. A czarina chama-lhe «meu inolvidável amigo e mestre, salvador e conselheiro» (pág. 47), e os pequenos têm por ele uma adoração sem limites.

Conquista uma justa reputação de mulherengo, alcóolatra e devasso. É um beberrão insaciável e grande apreciador de vinho da Madeira. Quando a guerra rebenta em 1914, ele opõe-se firmemente. Mas a Rússia sofre derrota atrás de derrota e, como conselheiro dos czares, todas as desgraças lhe são inculcadas. O país vive momentos difíceis. E, numa premonição de embriagado, diz ao seu secretário para transmitir estas palavras aos czares: «Czar da terra russa, se ouvires um sino a dizer que Gregório foi morto, fica a saber que, se for um dos teus que provocou a minha morte, nenhum dos teus, nenhum dos teus filhos viverá mais de dois anos. Eles serão mortos pelo povo russo». Estranha e negra profecia.

As páginas mais interessantes, contudo, são as que descrevem o assassino de Rasputine e a cilada que lhe prepara:

«O príncipe Félix Felixovitch Youssoupov, de vinte e nove anos de idade, pertence a uma das famílias mais nobres e mais ricas do país. Uma infância demadiado mimada fez dele um ser ambíguo, caprichoso, refinado, preguiçoso e impulsivo. Desde a sua juventude que se sentiu atraído pelas imagens do vício e da morte. Se uma obra de arte é insólita ele logo declara que lhe agrada. Quer ser dandy nos seus pensamentos como na forma das suas unhas ou nos caracóois do seu penteado. Alto, o rosto fino, o olhar lânguido, gostava, na sua adolescência, de se mascarar de mulher.» (pág. 147)

É este príncipe dissimulado que se faz amigo do staretz e o convida para a sua casa, para lhe dar a morte. Tenta-o com veneno, mas não resulta e acaba por o matar com tiros de pistola, profanando o cadáver com golpes de matraca. Acabam por atirá-lo ao rio.

«O escafandrista mergulha de novo e, desta vez, encontra um cadáver imerso sob a espessa placa branca que cobre o rio. É preciso quebrar o gelo para o retirar. [...] Chamadas para o identificar, Maria e Varvara contemplam com horror o cfadáver gelado do seu pai: 'Tinha o crânio amachucado, a cara pisada, escreverá Maria; os cabelos estavam colados com o sangue. Tinham-lhe arrancado o olho direito. Estava pendurado na face, preso por um pedaço de carne.'» (pág. 170) Uma antiga devota de Rasputine testemunha às filhas deste que «o corpo que esteve a tratar tinha sido mutilado com uma selvajaria incrível; não apenas a cara, mas os testículos estavam desfeitos por pancadas.» (pág. 171)

O resto é o triunfo da revolução bolchevique a história não menos dramática da família imperial. Estranhamente a profecia de Rasputine cumpriu-se e a dinastia dos Romanov só lhe sobreviveu um ano e meio.

Henri Troyat
Rasputine
Difel
195 págs., cerca de €12
3,5 estrelas

Sem comentários:

Enviar um comentário