quinta-feira, 29 de julho de 2010

Pargo no forno

O Comilão comprou ontem no supermercado (Modelo) um pargo de 830 gr. (12 euros e qualquer coisa, a 15 euros o quilo) para fazer no forno para duas pessoas. A receita é simples: salga-se o pargo, coloca-se num tabuleiro de pirex de levar ao forno, cobre-se com cebola às rodelas, tomate fresco aos gomos, pimento encarnado e ramos de coentros, e rega-se tudo com polpa de tomate, azeite e vinho branco. Vai uma hora ao lume.

O resultado foi um peixe assado no forno com bom aspecto. Já o sabor não correspondeu às expectativas. O peixe estava branquinho, mas pareceu-me que por fora a pele era mais escura, quase tipo dourada, e não avermelhada como é costume no pargo. Pelo menos os magníficos pargos que se comiam em casa de meus pais. Seria este o famigerado pargo mulato, ou uma qualquer raça intermédia? Também é verdade que o azeite já não estava no seu melhor (um Azal aberto há bem mais de um ano...) e que faltou um toque de colorau, por culpa do cozinheiro Comilão. A polpa também já estava aberta há algum tempo. Mas o travo parecia ter origem no peixe. É pena.

p.s. o mesmo 'pargo grande', absolutamente idêntico ao que comprei no modelo por 15 ou 16€/kg, custava no Pingo Doce 7 ou 8€/kg.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Manuel Teixeira Gomes (1860-1941)


No ano em que se cumprem 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes (não é um número redondo, mas para isso teríamos de esperar outros 50...), aqui fica uma biografia breve feita com base no artigo da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. A fotografia é de 1923, ano da eleição como Presidente, e foi tirada na legação portuguesa em Londres.

Nasceu em Vila Nova de Portimão em 1860, filho de um proprietário rural que era também cônsul da Bélgica no Algarve e importante exportador de frutos secos. Com apenas 10 anos o pai mandou-o para Coimbra, para estudar no seminário. Deixou o curso superior a meio, o que originou uma querela com a família. Estabeleceu-se em Lisboa, onde conheceu escritores como Fialho de Almeida e João de Deus, cumpriu o serviço militar e depois esteve no Porto, onde voltou a contactar com o meio literário. Reconciliado com a família, regressou a Portimão, onde teve vagar para se dedicar à escrita.


Com 23 anos partiu de viagem. Demorou-se em Itália, mas passou também pelo Norte de África e Médio Oriente. De regresso, esteve a aprender o negócio da família, onde acabaria por suceder ao pai. Foi o primeiro embaixador (na altura chamava-se ministro plenipotenciário) em Londres da República, sucedendo no cargo, que viu interrompido pela chegada de Sidónio Pais ao poder (1917), ao marquês de Soveral. Contribuiu para a não concretização da aliança anglo-germânica e defendeu os interesses coloniais portugueses, uma tarefa nada fácil. Também teve um papel importante na participação portuguesa na Grande Guerra. Em Londres, como conta José Quitério (baseado em Urbano Rodrigues), frequenta o Carlton, cujo cozinheiro é nada menos do que o célebre Auguste Escoffier, com quem trava conhecimento. No ano de 1923 é eleito Presidente pelo Partido Republicano. Antes, o Rei Jorge V convida-o a ficar hospedado em Balmoral, a residência de férias da coroa britânica, na Escócia, e afecta um navio de guerra para o seu regresso à pátria.


Como Presidente, Teixeira Gomes não teve a vida facilitada. Chama Afonso Costa de Paris para formar um governo consensual, mas falha na tentativa de conseguir um acordo entre os partidos. O seu grande triunfo é conseguir a elevação da sua Portimão natal a cidade. Entretanto, a instabilidade política não lhe dá tréguas. Em 1925 ocorre uma tentativa falhada de golpe militar (no ano seguinte, a revolução do 28 de Maio poria fim à Primeira República). Em Dezembro de 1925 renuncia ao cargo e apanha o primeiro barco que parte para o estrangeiro. Antes disso passa uns dias na sua casa da Gibalta, perto de Caxias. Viaja durante seis anos e estabelece-se em Bougie, Argélia. Morre cego e só no quarto n.º 13 do Hotel de L'Étoile, de onde nos últimos tempos já não saía. Os seus restos mortais foram transladados para Portimão num navio da Marinha Portuguesa, com honras de Estado.

Homem de gosto refinado, reuniu uma colecção notável que distribuiu pelos museus nacionais (no do Oriente pode ver-se a colecção de caixas de rapé, a segunda maior do mundo, proveniente do Museu Machado de Castro). As fotografias mostram-no rodeado de bronzes. Foi amigo de Columbano, a quem escreveu numerosas cartas, e Teixeira Lopes. A revista Ficções publicou no seu número fora de série 'de comer' (Julho de 2002) o seu conto Gente Singular, que relata uma estranha visita a um cónego de Faro.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Le Carré


O Comilão leu O espião que saiu do frio, do John Le Carré. Prefácio brilhante, em tom confessional, e grande história de espionagem. Alec Leamas, o protagonista, é uma figura intrigante, misto de bruto e de cerebral, que não perde tempo com rodeios. Mais ou menos caído em desgraça, é-lhe atribuída uma última missão na Alemanha de Leste que pode pôr a sua vida em risco.

Óptimos diálogos e observações inteligentes. Escrita seca, por vezes cortante. Um pormenor com especial sabor nos dias que correm: o condutor passa a pequena chave da bagageira a um polícia que está a inspeccionar o carro. Quanto ao resto, não convém revelar demasiado. O segredo é a alma do suspense.

O espião que saiu do frio
John Le Carré
Dom Quixote
264 págs., €14
4,5 estrelas

Rushdie



O Comilão terminou ontem Shalimar o Palhaço, o primeiro livro do Salman Rushdie que leu. O exemplar foi adquirido na livraria Quinito, em Tavira. Trata-se de uma boa história, bem escrita (por vezes muito bem), sobre o conflito de Caxemira, com ramificações para o terrorismo internacional. Curiosamente, os capítulos sobre Caxemira são talvez os mais chatos, porventura devido à proliferação de palavras locais cujo significado o leitor não domina (o Comilão é demasiado preguiçoso para ir pesquisar). As melhores páginas são as que descrevem Estrasburgo antes da II Guerra. Têm uma leveza e um encanto que nunca mais são atingidos.

A escrita de Rushdie faz por vezes lembrar um pouco o Bomarzo de Mujica Láinez, pela densidade e, sobretudo, pelas suas simetrias (ou contrapontos): a cada coisa bela corresponde uma horrível, cada acontecimento feliz tem o seu reverso...

Aqui fica um exemplo da qualidade literária alcançada pelo autor, uma verdadeira pérola:

«Lembras-te, maej - disse ele -, quando eu era o palhaço mais triste de Pachigam e as pessoas ficavam todas contentes quando eu saía do palco?
Ela fez um barulhinho com os lábios como que a não dar importância.
- Tu eras o filho mais profundo - disse ela, orgulhosa. - Costumava afligir-me a pensar que podias afundar-te tanto dentro de ti que desaparecias.
[págs. 364-365]

Shalimar o Palhaço
Salman Rushdie
Dom Quixote
479 págs., €9,90 (promoção)
3,5 - 4 estrelas

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Michelangelo Merisi (1571-1610)



Este cesto com frutas (Biblioteca Ambrosiana, Milão) é a primeira-natureza moderna, um género que o Comilão aprecia particularmente (por que será?). Foi pintado cerca de 1596 por Caravaggio, um artista com uma especial predilecção por fortes contrastes de luz e temas violentos (David com a cabeça de Golias, Judite a degolar Holofernes, A crucifixão de S. Pedro...).

O cesto de frutas é mais sereno. Faz lembrar o Baco doente de 1593, uma vez que as folhas começam a murchar e a maçã apresenta sinais de decomposição, e é provável que tenha servido de estudo para outra pintura desse mesmo ano, o Baco com cesto de frutos.

Em Roma, no ano de 1600, Michelangelo Merisi conheceu o estrelato, com a comissão de O Martírio e A Vocação de S. Mateus, para uma capela da Igreja de S. Luís dos Franceses. Em 1605 atingiu o pico da fama, como mostra o retrato do Papa Paulo V.

Disse que Caravaggio tinha uma predilecção por temas violentos. Ele próprio, como homem, não era nada meigo. Apesar de privar com altas figuras da Igreja, tinha uma especial predilecção pela convivência com os vagabundos e os criminosos dos bairros pobres de Roma. O seu Pedro de O Martírio de São Pedro (crucificado de pernas para o ar para não se confundir com a crucifixão de Cristo) era um desses homens, e houve quem dissesse que o modelo de A Morte da Virgem fora uma prostituta encontrada morta.

Caravaggio envolvia-se com frequência em rixas perigosas. Matou um homem em 1507, na sequência de uma disputa originada por um jogo de ténis. Fugiu para a ilha de Malta, onde fez o retrato de Fra Antonio Martelli e foi ele próprio ordenado cavaleiro (mais tarde essa honra ser-lhe-ia retirada). Aí deixou mais duas obras: A decapitação de S. João Baptista (mais um tema sangrento) e outra representação do mesmo santo, mas enquanto jovem.

Ainda em Malta, na sequência de outra rixa, Caravaggio acabou por ser preso. Porém conseguiu evadir-se para a Sicília, onde hoje há numerosas pinturas suas. Daí, tentou rumar novamente a Roma, talvez na esperança de obter um perdão do Papa pelo seu crime. Foi parar à praia deserta e pantanosa de Porto Ercole. Morreu de febre tifóide no hospital daquela localidade a 18 de Julho de 1610. Fez nesta segunda-feira 400 anos.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Murakami: Kafka à beira-mar



Devo começar por dizer que as expectativas eram altas. Talvez por isso o Kafka à beira-mar me tenha desiludido um pouco. Não que seja um mau livro, mas pôr um homem a falar com gatos? Francamente! Pontos fortes: lê-se bem e tem uma história engraçada. De uma forma geral está bem escrito. Algumas das coincidências e facilidades que ali encontramos só podem acontecer num livro, ou seja, tem situações pouco realistas. Que contrastam com certas notas realistas, como as descrições algo gratuitas de actos violentos com muito sangue, por exemplo.

Tenho de reconhecer que aquela música que nunca ouvimos, mas tentamos imaginar sem nunca sabermos como será pois não existe - ou existirá? - dá um toque mágico ao romance. Agora, parece-me que quer demasiado ser um romance contemporâneo. Possui meia dúzia de apontamentos, para não dizer tiques, de livro que se quer afirmar do seu tempo. A saber: fast food, ginásio, filosofia (quanto a mim metida a martelo, sem profundidade e posta na boca dos personagens de forma pouco credível), referências à II Guerra, sexo/masturbação, violência com sangue (não um sangue abstracto, mas concreto, espesso, com densidade), roupa de marca, muitas referências musicais, como se fosse a playlist de um iPod. Se fosse um filme teria banda sonora, o que não é necessariamente mau, mas também não é uma qualidade enorme, até porque nem sempre a música surge a propósito. Nada tenho contra estas características, mas parece-me demasiado fácil, se não preguiçoso, cumprir-se estes critérios e já está: obtém-se um 'romance contemporâneo'.

Mas também há que dar mérito ao autor. Com Kafka à beira-mar o Comilão estabeleceu um novo recorde de leitura: 150 páginas num dia. Já houve seguramente dias em que leu mais, mas, talvez por as páginas serem mais densas, nunca ascenderam a tantas. E além disso nunca ficou registado.

Kafka à beira-mar
Haruki Murakami
Casa das Letras
589 págs., €21,20
3,5 estrelas

O incomparável Chana

Quem vem de Estremoz chega lá por meio de uma estrada estreita e com curvas apertadas. Ao final das tardes de Verão, com o calor ainda no ar, a Serra de Ossa atinge todo o seu esplendor. Transposto o cume, deixa-se à esquerda o Convento de São Paulo e chega-se à Aldeia da Serra. Ainda conheci as antigas instalações do Chana, tipo taberna, a poucos metros da moderna casa. Tenho ideia de na altura não haver ementa, sendo o cardápio desfiado pelo Sr. Bernardino no seu jeito particular, detalhado e sorridente. Além da simpatia do proprietário, há aqui pratos que não se comem em mais lado nenhum.

Um desses pratos é a sopa de tomate, mas já lá vamos. Comecemos pelo pãozinho bom e azeitonas maravilhosas. Para entrada, os pimentos assados só com sal, alho picadinho e azeite. Os pimentos do Chana são imbatíveis na sua simplicidade.

A sopa de tomate. Primeiro chega à mesa o prato com pão às fatias, depois a travessa com o ovo escalfado (neste caso, como era para dividir, tiveram a atenção de sugerir e trazer dois ovos), os enchidos partidos aos pedaços, o bocadinho de carne de porco frita, o bocadinho de entrecosto, a postazinha de bacalhau. Por fim vem o caldo, de um vermelho vivo, um tom quase indiano, com muita cebola e pimentos. As carnes e os enchidos fritos, o ovo e a liliputiana posta de bacalhau emprestam magia à sopa, mas o caldo é de facto a sua alma. Um verdadeiro prato 5 estrelas (são raros).

Depois desta iguaria mandámos vir umas migas com carne de porco. Saborosas, mas nada comparável à sopa de tomate. Para sobremesa, pedimos umas farófias. Apesar de estarmos cheios não nos arrependemos. Eram umas farófias caseiras como mandam as regras, parecidas com umas que uma vez fizemos em casa (e que deram um trabalhão dos diabos!). A rematar tudo isto, o Sr. Bernardino trouxe a sua garrafa de licor de poejo, de um amarelo, diria, radioactivo. Muito bom para fechar a refeição. Em seguida fizemo-nos à estrada, com umas curvas pelo meio para desmoer o jantar.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Comidinhas

O Comilão andou pelo Sul do país a empanturrar-se. Alimentou-se à base de grelhados no carvão, mas também comeu fora de casa. A saber: na Churrasqueira Martins (Santa Luzia), no Casarão (Tavira), na Casa Guerrero (Ayamonte), no Baixa-Mar (Santa Luzia) e no Alcatruz (Santa Luzia).

Na Churrasqueira Martins já não havia o franguinho assado da praxe. Por isso tivemos de nos contentar com umas óptimas tiras de entremeada e febras. A acompanhar, batata frita caseira e farta salada. Uma simples mas magnífica refeição para duas pessoas, pela módica, quase ridícula, quantia de €12,5.

No Casarão pontifica o Sr. Chico, sentado numa mesa próxima da cozinha, com a sua boina e o seu bigode mexicano. Faz lembrar um pouco a figura do Sancho Pança. Na esplanada do Chico, o Comilão e a sua amantíssima esposa jantaram uns camarões fritos com alho (com casca) e depois a magnífica vitela assada. Agora o Sr. Chico já não vai à mesa fazer a conta como quem atira um palpite para o ar, mas os preços continuam moderados.

Em Ayamonte, na esplanada da velha Casa Guerrero, os Comilões pediram cinco pratos (para dois). O empregado de mesa, parecido com um antigo jogador espanhol do Benfica (o Chano), advertiu: 'É demasiado'. 'Pois bem, venham só quatro'. Sacrificámos a tortilla. Assim: tábua de presunto Pata Negra, maionese de ovas (só ovas, cobertas individualmente por uma espessa camada do tempero, daqueles que saem em fio da bisnaga), calamares, pois claro, e gamba branca. Quatro cervejas e dois cestos de pão. Não sobrou nada. Total: €42.

No Baixa-Mar impõe-se a bicha de polvo e gambas (uma espetadinha com segmentos de tentáculos do cefalópode, gambas, chouricinho, cebola e pimento). Acompanha com batata cozida (pouca) e traz azeite quente com alho, que fica a matar. Antes disso vieram umas amêijoas à Bulhão Pato. Não eram das melhores nem das piores: estavam bem temperadas, mas a amêijoa em si era algo miúda e o molho pouco abundante.

No Alcatruz comemos, para começar, maionese de raia (bastante boa) e salada de ovas de pescada (algumas, rosadinhas, eram uma maravilha). Também há de ovas de polvo, acinzentadas, igualmente boas. Depois veio uma carne de porco com amêijoas. Os bivalves eram de grande qualidade, a carne regular. O molho, com pouco sabor, melhorava substancialmente com os bons coentros. O Comilão ainda se sentiu tentado pelas enguias fritas, mas ficaram para uma próxima oportunidade.

Em casa: torricado de carapaus, entrecosto na brasa com batata doce (uma delícia), óptimas salsichas frescas no carvão com arroz branco e baked beans, robalinho de aquacultura grelhado (muito bom), hambúrgueres com bacon na grelha, conquilhas (muito boas, com azeite, alho e coentros), seguidas de costeletas do lombo de porco na brasa (assim-assim, demasiado secas) com batata doce, alguma massa (esparguete com natas e cogumelos frescos) e alguma piza (preferencialmente a piza bolonhesa com molho barbecue do Pingo Doce). Os meninos trataram-se bem.