Estava uma noite abrasadora. Um «calor sevilhano», pensou. Depois de um jantar tardio, chegou-se à janela e abriu a camisa para sentir a brisa, como quem oferece o corpo às balas. Acendeu um cigarro e começou a seguir com o olhar um morcego que ia até ao fim da rua e voltava. Tinha horror àqueles «pequenos demónios voadores com dentes afiados», como lhes chamava. Fazia-lhe confusão o seu voo errático e imprevisível, mal sustentado por membranas demasiado finas. Em circunstâncias normais ter-se-ia retirado para as traseiras com medo que o morcego, desorientado, lhe entrasse em casa. Mas não naquela noite - estava demasiado relaxado para se preocupar com isso.
À volta do candeeiro alto da rua borboleteavam traças e outros insectos minúsculos, como pequenas fagulhas. Um belo repasto...
Estava a sacudir a cinza do cigarro, distraído, quando o morcego se aproximou. Não deu por nada. Só o viu demasiado tarde e demasiado perto da cara, com um pavor instintivo. Fez um movimento desconchavado, atirou os braços para a frente e desequilibrou-se. Não se conseguiu agarrar ao parapeito baixo. Precipitou-se no vazio, desamparado. No dia seguinte muitos pensariam que era suicídio - quanto ao morcego, continuou o seu voo errático, sem fazer caso.
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