quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dim Sum, Amoreiras

Andava pelo corredor lateral do Amoreiras, ali onde antigamente ficava a Triudus (a primeira loja de computadores de que me lembro), à procura de onde comer quando me deparei com este restaurante que não conhecia. Agradou-me a ideia de almoçar comida internacional, como se estivesse no estrangeiro e, olhando para as mesas alheias, achei que não tinha mau aspecto.

E assim iniciei a minha refeição asiática. "Dim significa 'pequeno' e Sum 'amor e cuidado'; na expressão popular chinesa significa também 'tocar no coração'", lê-se na toalha de papel individual. "Eram, na sua origem, um luxo preparado para a família imperial, por serem tão delicados, aromáticos e saudáveis. Passaram posteriormente a ser vendidos nas casas de chá ao longo da Rota da Seda. No século XIV Marco Polo terá trazido os Dim Sum para a Europa, isnpirando os ravioli italianos. Estenderam-se depois a toda a China e ao Ocidente e considera-se que os mais apreciados são os de Cantão, região que integra também Hong Kong e Macau.  [...] São constituídos por ingredientes naturais, cozinhados a vapor, baixo teor colesterol"

Depois da conversa, vamos ao que interessa: a comida. Pedi um menu Hong Kong, que consiste do seguinte: pãozinho levíssimo recheado com carne, daquele mal cozido que se pega aos dedos (muito bom); três ravioli de porco; três Har Kao (gambas e bambu enrolados em massa translúcida) e uma pequena salada. O conjunto importa em €10,50 euros.

Quanto aos dim sum de porco, a primeira impressão foi muito positiva, mas dois ou três pedaços de gordura inmastigável (não sei se a expressão existe) estragaram um bocadinho (bastante) essa boa impressão. Enfim, pareceu-me que a expressão 'delicado' não seria a mais adequada. O acepipe de gambas e bambu tem um aspecto e consistência algo repugnante, mas no final não é desagradável de todo. A salada... é diferente. Nem má nem boa. E bebi um chá de hibisco, com mais cor do que sabor, mas que ligava bem com esta refeição fora do vulgar.





segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Mercantina, Alvalade



Resultou muito bem a reconversão do Centro Comercial de Alvalade, com restaurantes modernos e um simpaticíssimo espaço no exterior. A malta nova da zona perece ter aderido.
No Mercantina, um dos novos restaurantes, comeu-se bem: pizza Margherita D.O.P. e pizza dalla terra (com rúcula e trufa), acompanhadas por uma salada mista, que custa o mesmo que um prato principal (€9,30). Estava tudo bom, a salada no género contemporâneo, com muitas cores e diferentes tipos de folhas. Só considero o preço um bocadinho puxado: 50 euros a refeição para três pessoas. De resto, gostámos: do ambiente, da comida e do serviço.
p.s. Deduzimos que deve ser um bocadinho restaurante da moda porque estava lá o Rúven Alves, realizador de A Gaiola Dourada.

restaurante São Rosas, Estremoz

Decepcionante. É assim que o Comilão descreve a experiência, muito aguardada, de comer túberas. Descreveria esta iguaria como uma mistura pouco convincente entre cogumelo e batata.

Mas recuemos um pouco. O São Rosas é um pequeno restaurante em Estremoz, sito na lindíssima praça Rainha Santa Isabel, perto da pousada. Trata-se de um espaço muito agradável e cuidado, com um belo ambiente, e que mantém o requinte que eu recordava. Pareceu-me, no entanto, exagerado o número de empregados para a clientela.

Falemos agora de comida. O couvert é composto por pão alentejano bem fatiado, patê de fígado (bom) e manteiga. Pedimos duas entradas e um prato: as ditas túberas, que não convenceram (havia-as com ovos mexidos e salteadas com azeite e alho, as que pedimos), ovos mexidos com espargos bravos (algo empapados e com o sabor do espargo pouco pronunciado) e, para conduto, sela de borrego assada no forno, recomendada pelo empregado. Sobre as entradas já me pronuncei - a sela estava belíssima, com a pele tostada e óptima carne, acompanhando com batatinhas assadas, couve e umas ervilhas estufadas de que gostei muito. Para beber, um copo de vinho tinto Caiado - sugestão do empregado.

Para a sobremesa, gelado de nata com chocolate quente. Muito bom.

Em geral come-se bem no São Rosas, só as entradas foram algo infelizes. Mas o preço é manifestamente excessivo: 78 euros por uma refeição de duas pessoas com prato partilhado, em Portugal, nos dias que correm... enfim, é muito dinheiro.







ambiente: amesendação e bar

ambiente: o restaurante tem muitos recantos simpáticos

entradas decepcionantes: túberas salteadas (à direita) e ovos mexidos com espargos

a sela de borrego assada no forno. Excelente

o gelado de nata com chocolate quente. Simplesmente bom

Post scriptum (7 de maio de 2018): ouvi dizer há dias que o São Rosas fechou. É pena

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Lapsus linguae #3 (mais uns disparatezinhos)

Aquele arqueólogo obcecado pelo trabalho nunca ia para a cama sem antes escavar os dentes.

No aeroporto:
- Para onde é que o senhor deseja ir?
- Para Koala Lumpur.
- Não o aconselho a voar pela Air Malaria.

Consultor para o conselho de administração:
- O nosso objectivo é simples: dinamitar a empresa.

- Qual é para ti a melhor equipa de basket de todos os tempos?
- Sem dúvida os LA Quakers.

- Boa tarde, eu sou...
- Bem vindo, senhor João Carlos.
- Como sabia o meu nome?!
- A sua fama persegue-o.

Naquela ditadura opulenta, eram muitos os que temiam a censura do lapis lazuli.

- Não podes perder a exposição que está no CCB.
- Que exposição é essa?
- Uma retroactiva do Cabrita Reis.

As escavações no antigo campo de tiro revelaram uma enorme quantidade de balas comuns.

Uma beata para a outra:
- E o que fostes fazer à igreja?
- Fui pedir ao senhor prior para me absorver os meus pecados.

- A Coca-Cola acaba de lançar uma nova bebida branca.
- A sério?!
- A sério.
- E como é que se chama?
- Coca-Cola leite.

Aquele algarvio dos sete costados afirmava sem hesitações: "Sim, porque se Champollion conseguiu decifrar os hieróglifos, bem que podem agradecer à Pedra da Fuzeta".

E, ao abrirmos o baú, deparámo-nos com um autêntico besouro.

- Tu nem sequer sabes o que é caviar!
- Não sei o que é caviar?! Claro que sei. Sei até muito bem.
- Então o que é? Diz lá.
- Ovas de intrujão, obviamente.

Ele é uma pessoa culta e viajada. Já viu as piranhas do Egipto, o Canal de Soez, a Pedra da Roleta, os Campos Ilícitos e os frescos da Capela Sinistra!

Aquele contabilista era tão agarrado ao dinheiro que raramente ia jantar fora e, se ia, pedia sempre uma pizza 'a quatro prestações'

"Elevador avariado. A administração do condomínio está a endividar esforços para a resolução do problema"

Discoteca Malária
"Apanhe a febre da dança"

L'Hamborghini
Really fast food

A abelha é uma grande trabelhadora.
O zangão é um grande mandrião.

Mais uma tradução infame:
Domenico Scarlatti - Domingos Escarlates

"Enviado do meu iPet, o meu novo gadget de estimação"

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Petiscos - jantar de sábado

Este sábado de manhã fui com a criançada ao Mercado de Algés comprar vitualhas para o jantar, que constou do seguinte:

- Broa
- Grelos salteados
- Cogumelo gigante (tipo portobello) no forno
- Ovos estrelados
- Queijo amanteigado
- Farinheira
- Batatinhas novas às rodelas fritas com casca

Estava tudo simplesmente delicioso. A combinação ovo estrelado / batatas fritas é sempre um sucesso, assim como os grelos (de couve) e farinheira. O cogumelo gigante no forno também fica divinal e é ridiculamente simples de cozinhar. Coloca-se o cogumelo virado ao contrário num tabuleiro de pirex, salpicado de sal e azeite. E nada mais.

Experimentem.

(lamentavelmente estava tudo tão apetitoso que nem deu tempo para tirar fotografias)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A Grande Guerra de Afonso Costa

Aqui ficam alguns excertos, em jeito de resumo, do mais recente livro de Filipe Ribeiro de Meneses, autor de uma biografia de Salazar e professor na Maynooth University, na Irlanda.
Esta época da I República e participação portuguesa na I Guerra Mundial é muito confusa, mas tem aspectos, momentos e figuras interessantes.


"Afonso Costa emergiu para a política durante a crise do ultimato, enquanto estudante de direito de Coimbra. A sua carreira académica foi brilhante. Raramente beneficiou de uma situação suficientemente estável para conduzir o país na direcção por ele desejada. Os seus três governos foram todos curtos". A República, para ele, era uma primeira fase necessária para a implementação de um socialismo integral, o “socialismo do futuro”, que juntava às teorias de Marx a força do Direito; assentando nos princípios de Liberdade e de Igualdade, conduziria à verdadeira Justiça entre os homens. Abolição da propriedade individual e do capital, a que chama perigosos móveis dos piores crimes.
Em 1900, numa primeira passagem pelas Cortes, defendeu que “já nada podia valer à monarquia e apenas a adopção do modelo republicano lograria salvar o país”. Expulso do hemiciclo sob os apupos de outros deputados, lançou ainda Rira bien qui rira le dernier. Seis anos mais tarde, tendo já ingressado na maçonaria, iria mais longe: “por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI” (sobre os adiantamentos à Lista Civil) 16
Freire de Andrade explicou que a neutralidade era a situação que mais convinha a Portugal – as nossas tropas não estavam preparadas. Afonso Costa disse que havia que corresponder à vontade popular, que se manifestara a favor dos aliados. Era preciso pôr o país a caminho da guerra.
A guerra era vista como uma oportunidade para “inverter a decadência nacional”.
Escreve Freire de Andrade a Teixeira Gomes: “Desde o começo da guerra, julgando que esta era brincadeira de crianças, logo se estabeleceu uma tendência, infelizmente animada por muitos que deviam ter juízo e perspicácia de homens que sabem pensar, de que era preciso irmos para a guerra, para apanhar alguma coisa da pele do urso”
Em Itália, esta atitude saldou-se em 680 mil mortos e no advento da ditadura fascista. Na Grécia, acabou por colocar o país na rota da “maior catástrofe da sua História”.
Costa queria mudar a imagem que a Europa tinha de Portugal, transformando-a de lendária “República de pesadelo” na igualmente lendária, idealista, civilizada e progressiva República Portuguesa.
Uma das características da participação portuguesa na Grande Guerra foram as demoras.
Entretanto, em África… Tropas portuguesas envolveram-se em combates com forças alemãs muito antes de os dois países entrarem em guerra. 74
As condições em África eram terríveis. Soldados “raquíticos, tarados e outros com doenças crónicas, que nem para a vida militar devem servir, cegos de um dos olhos, míopes, herniados” 83 Passam fome e sede: “Nós não estamos habituados a comer carne que cheira mal e sarda que não se pode tragar” 84
“A balbúrdia política da passagem de ano 1914-1915 é quase impossível de descrever” 87
O golpe de estado de 14 de Maio foi muito violento e por instantes assumiu o carácter de conflito aberto entre a Armada e certas partes do exército – uma centena de mortos 112
Costa vence as eleições mas não assume a liderança do governo. A 3 de Julho, enquanto viajava de eléctrico, ouviu uma explosão e, julgando-se vítima de um atentado, saltou da carruagem para a rua fracturando o crânio. O estado clínico era grave e circularam rumores por todo o país quanto às hipóteses de recuperação, geralmente tidas como fracas.

O evoluir da guerra submarina tornou os 72 navios mercantes alemães surtos em Portugal irresistíveis aos olhos de Paris e de Londres 150
Se Portugal requisitasse os navios, então a Inglaterra emprestar-lhe-ia o dinheiro. 151
O capitão de um destes navios apontou que “Portugal não tinha pessoal treinado para aproveitar tantos navios modernos” 174
“Uma vez declarada a guerra (dia 9 de Março), o estatuto dos navios mudou; só então foram verdadeiramente apresados, passando assim a propriedade do Estado português, tal como a sua carga (…); foi posta de parte a questão de compensação aos seus anteriores donos; Portugal era dono agora de uma enorme, e moderna, marinha mercante” 185-186
“Se não se fizesse a participação na guerra Portugal já hoje estaria perdido. Se ela prosseguir, e o CEP (…) continuar a dar boa conta de si, Portugal salva-se e todas as questões internas ficam sem valor e apagadas, salva a recordação funesta das injustiças sofridas e dos inqualificáveis agravos que nos atingiram. 203 (finais de 1917)
Em África “tudo corria de mal a pior” p. 304
Se tivéssemos organizado inteligentemente as expedições teríamos sido bem mais úteis a nós próprios e à nossa aliada, a Inglaterra. Mas Portugal preferiu dedicar a sua atenção à acção do exército português em França, por ser mais vistoso” (jornal O Dia) 306
“Um aspecto ainda pouco explorado pela historiografia da Grande Guerra foi a interferência alemã na vida portuguesa, dificultando a tarefa dos Governos da União Sagrada e minando, onde e quando possível, o esforço de guerra” 306-307
“Mais do que qualquer outro acontecimento durante a Grande Guerra, Fátima demonstrou o enorme fosso que separava a República radical de Afonso Costa de grande parte da população que dizia representar, mas que na realidade nem sequer a escutava” 317
Ao longo de 1917 (…) o fiel da balança pendeu decisivamente a favor da propaganda antiguerra (…). As dificuldades sentidas por todo o país foram atribuídas pelos inimigos da intervenção a esta política” 320
Barbaridades cometidas pelos portugueses em África 346
Costa aposta todas as fichas na vitória na guerra 353
Viagem de AC e Bernardino Machado ao CEP – Madrid, Verdun, Reims, Londres. "Durante este período foi BM insultado por um soldado ferido, durante uma visita a um hospital. João Chagas, presente, ficou muito mal impressionado não só com o aspecto e comportamento do CEP (…) mas sobretudo pela hostilidade que detectava entre estes aos governantes” 367
Afonso Costa, detido no Porto, é enviado para Leixões a 10 de Dezembro de 1917, vai para o forte da Trafaria e depois para o forte da Graça em Elvas. Enquanto Costa era detido, a sua casa em Lisboa era assaltada, com o recheio deitado à rua. Também o sigilo bancário lhe foi levantado, especulando a imprensa sobre a verdadeira dimensão da fortuna pessoal do chefe do Governo deposto”393
“Esta situação é monstruosa” diz o próprio
“O povo republicano estava aborrecido mais do que com a política, com a conduta pessoal de Afonso Costa, que irritava a todos com a sua arrogância” diz Chagas 395
“Como está [o CEP], chegando a faltar nalguns batalhões 300-400 homens, oficiais na infantaria e artilharia, não havendo gado para puxar os carros, faltando-nos camions (…) é um verdadeiro milagre aguentar-se mais” 397
“A intenção dos Aliados era substituir o CEP na frente por uma divisão britânica até que, refeitas, as tropas portuguesas, com ou sem reforços chegados de Lisboa, pudessem regressar a uma frente portuguesa mais reduzida. Mas foi precisamente no dia marcado para essa rendição que a Alemanha lançou a sua segunda grande ofensiva de 1918, sendo a frente portuguesa o ponto nevrálgico de todo o ataque” 404
“O moral das tropas que ocupava o sector há quase um ano, sem serem rendidas, era muito mau” (Chagas) 404
“Ele é mais do que um proscrito dentro da própria pátria, é uma espécie de morto dentro da própria vida. Têm-lhe atirado para cima as acusações mais sangrentas e os epítetos mais degradantes. Ondas de lama têm rolado sobre ele, cobrindo de podridão e de esterco a sua vida de homem público” 415
AC “via na Conferência da Paz a oportunidade de – à custa da Alemanha – resolver os problemas financeiros e económicos com que se deparava Portugal. Não conseguiu (…) As compensações oferecidas a Portugal ao longo dos próximos anos ficariam muito aquém do desejado” 439

Filipe Ribeiro de Meneses
A Grande Guerra de Afonso Costa
Dom Quixote
527 págs., €25
(tem interesse, mas não é uma leitura empolgante)

domingo, 1 de novembro de 2015

Spaghetti alle vongole veraci

Aqui está a minha receita de spaghetti alle vongole veraci (esparguete com amêijoas frescas) ou, simplesmente, as minhas vongolas. Uma receita simples, saborosa e boa para quebrar a rotina.

Comi este prato pela primeira vez em Nápoles, numa viagem memorável a Roma, Nápoles e Capri. Penso que vi uns tipos com ar mafioso a comer isto e pedi o mesmo.


A receita é muito simples: amêijoas compradas no mercado de Algés (10 euros um saco grande); uma cabeça de alho (isso mesmo, uma cabeça inteira!); coentros e limão.

Fitei o alho em bastante azeite e depois despejei as amêijoas para a frigideira (aliás usei duas frigideiras em simultâneo porque não cabiam bem numa só). Ficam até abrirem, o que deve ser cerca de dez minutos.

Mesmo antes de apagar o lume pus uma pitada de sal (só uma pitada mesmo) e os coentros. E um pouco de sumo de limão.

Coloquei o esparguete (o ideal é ficar al dente) numa taça funda e deitei as amêijoas e o molho por cima, e depois misturei. Deixei um pouco de esparguete de parte e usei-o para depois limpar (ou recolher) o molho preso na frigideira.

Posso dizer que foi um sucesso lá em casa! A foto é minha.

(ao jantar fizemos os meus famosos choquinhos estufados, que custaram 12 euros. Que delícia!)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Mais duas visitas ao mercado de Algés

Agora que o entusiasmo inicial amainou, já se pode almoçar no mercado de Algés sem grandes barafundas. Nos últimos tempos visitámo-lo por duas vezes. Na primeira, optei pelo leitão do Mr. Pig (penso que é assim que se chama). Já mo tinham elogiado e o aspecto é soberbo. Porém a pele, quando comi, revelou-se mole e dura ao mesmo tempo, tipo borracha, muito difícil de cortar e de mastigar. A carne estava boa, mas a dose acabou por revelar-se diminuta. Justiça seja feita às óptimas batatas.


Da segunda vez escolhi um bife do Atalho (entrecôte maturado). Carne muito saborosa, boas batatas e boa salada, mas a dose também não é propriamente abundante. Ainda assim, nota claramente positiva.


Tanto a dose de leitão como o bife do Atalho (ambos no prato com acompanhamento) rondam os 12 euros, a que há que acrescentar o custo da bebida.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Alberto Manguel, Uma História da Curiosidade


Aqui ficam dois excertos de grande interesse:

“A representação visível da curiosidade – o ponto de interrogação […] curvado sobre si mesmo, contra o orgulho dogmático – chegou tarde à nossa História. Na Europa, a pontuação convencional só foi estabelecida no final do Renascimento, quando, em 1566, o neto do grande impressor veneziano Aldo Manúcio publicou um manual de pontuação para tipógrafos, o Interpungendi ratio. [...] Um dos primeiros exemplos desses pontos de interrogação encontra-se numa cópia do século IX de um texto de Cícero, agora na Biblioteca Nacional de Paris; parece uma escada que sobe para a direita, numa diagonal serpenteante de um ponto, em baixo, à esquerda. Perguntar eleva-nos" p. 12


Desde que tenho memória, acredito que a minha biblioteca contém resposta a qualquer pergunta. […] Às vezes, procuro um autor ou livro ou espírito solidário específico, mas o mais das vezes deixo que seja o acaso a guiar-me: o acaso é um excelente bibliotecário. Os leitores na Idade Média usavam a Eneida de Virgílio como ferramenta de adivinhação, fazendo uma pergunta e abrindo o livro em busca de uma revelação; Robinson Crusoé faz basicamente a mesma coisa com a Bíblia, para encontrar orientação nos seus longos momentos de desespero. Todos os livros podem ser, para o leitor certo, um oráculo”

Alberto Manguel
Uma História da Curiosidade
Tinta da China
398 páginas, €24,90

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A minha bruschetta

No mesmo dia do fish and chips fiz bruschette para o jantar.

Aqui fica o método usado (não se pode falar propriamente em receita):

Coloquei as fatias de pão caseiro sobre um tabuleiro de pirex, cobri-as com alho picadinho e reguei com azeite. Foi ao forno.

Ao fim de uns dez minutos o alho começou a ficar dourado. Aí, cobri o pão com mozzarella ralado (Pingo Doce) e orégãos. Quando o queijo já tinha derretido, tirei o tabuleiro do forno e só aí coloquei o tomate partido aos cubos e temperado com sal, azeite, vinagre balsâmico e mais orégãos (não havia manjericão).

Se o tomate também for ao forno em cima do pão, corremos o risco de este ficar empapado, quando o pão da bruschetta tem de ser rijo, tostado e estaladiço.

Finalizei com lascas de parmesão verdadeiro.


Fish and chips

Abriu no Restelo, nas arcadas da R. Duarte Pacheco, um pequeno negócio de fish and chips (o nome completo é The Fish & Chip Shop).

O que foi pedido: uma salada de bacalhau (penso que fumado, às lascas), tipo caesar, abundante e muito boa; um fish and chips tradicional, com maionese de lima; uma dose de choco frito com batatas fritas (muito bom), acompanhado por molho tártaro.

O único reparo que faria é em relação ao fish and chips, um bom filete mas com o polme muito frito. Sei que é mesmo assim, mas gostei mais quer da salada quer das óptimas tiras de choco. As batatas também são muito boas (eles dizem que são fritas duas vezes a temperaturas diferentes). E aconselharia o molho tártaro em vez da maionese de lima, que tem um sabor mais pronunciado.

Para beber, além dos refrigerantes habituais, há um refresco de flor de sabugueiro, uma espécie de infusão, que aparentemente é conhecido pelas suas propriedades medicinais.

Para a sobremesa veio um brigadeiro de caramelo para comer à colher, num copinho tipo shot.

A refeição chegou para três/ quatro pessoas e ficou nuns muito aceitáveis 32 euros, já com gorjeta.

É pena não ter tirado fotografias, mas fica aqui um link para um artigo do Observador que tem uma boa reportagem fotográfica.

http://observador.pt/2015/09/07/no-restelo-ha-peixe-batatas-fritas-yes-sir/


quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Viver e morrer nos cárceres do Santo Ofício


"Escrever no cárcere era, seguramente, uma prática só ao alcance de alguns. Não só pelo elevado índice de analfabetismo como também por, entre os que sabiam ler e escrever, haver uma maioria que o fazia de forma meramente residual e, consequentemente, não tinha qualquer aptidão para se dedicar à literatura ou a qualquer forma erudita de escrita. Mais rara era a prática do desenho. Antes, a partir das Notícias Recônditas, já se fez alusão a imagens inscritas nas paredes dos cárceres."
Manuel Fernandes Vila Real, antigo cônsul de Portugal em França preso em 1649 acusado de judaísmo e proposições, dedicou-se "não apenas a escrever contraditas como também a pintar as paredes do cárcere, acabando por tapar os buracos utilizados para se vigiar os presos. Segundo o seu próprio testemunho: 'com a gordura da carne, lixo da casa e caliça formara um betume com que tapava os buracos das estacas e outros que havia nas paredes, para melhor pintar e escrever coisas por passatempo'"

Isabel Drumond Braga
Viver e Morrer nos Cárceres do Santo Ofício
esfera dos livros
375 páginas
3 estrelas
(opinião formada a partir da leitura de excertos)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Mercado de Algés

Este é um mercado que o Comilão conhece bem e que frequenta há oito anos, para comprar fruta, legumes e peixe (boas ovas para um almoço de sábado, por exemplo). As obras são bem-vindas, pois criaram uma esplanada simpática e poderão trazer uma dinâmica nova que se estenda dos restaurantes às bancas de fruta, peixe e legumes (e aos talhos, já agora).

A primeira impressão com que fiquei é de alguma barafunda. Aliás, só à segunda visita, numa terça-feira à noite, conseguimos arranjar mesa (e mesmo assim não foi fácil).

O mercado tem ao todo 13 restaurantes, dos quais o Comilão experimentou três:
- Atalho Burguer: bom, na linha do hambúrguer gourmet que se tem popularizado.

- Peixe ao Balcão: muita parra e pouca uva, ou seja, mais cuidado com a "concepção" e a apresentação dos pratos do que com a confecção. Na salada de polvo o cefalópode estava rijo (porventura mal cozido) e os carapaus de escabeche também não estavam óptimos. Já não havia a sopa rica de peixe.

Salada de polvo e carapaus de escabeche do Peixe ao Balcão:
muita apresentação, pouco sabor

- A Banca do Petisco: daqui vieram uns camarões à guilho (embora não tivessem o melhor dos aspectos, estavam bons), requeijão com doce de abóbora e nozes e um cesto de pão. O pão estava seco.

Em suma: o mercado é óptimo para os forasteiros e pessoas que perseguem estes fenómenos de moda. Espero que sejam muitos. Quanto a mim, tenho pena de dizê-lo, mas não me convenceu. Ao todo o jantar para quatro pessoas ficou em mais de 60 euros. Talvez tenhamos sido garganeiros, mas o preço, sobretudo para um sítio em regime "sirva-se a si mesmo", é demasiado elevado.

(uma nota à margem: embora os novos mercados sejam espaços bonitos, em geral as fotos do ambiente não resultam fantásticas)

Requeijão com nozes e doce de abóbora e camarões à guilho
d'A Banca do Petisco. Só o pão não era grande coisa


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A imagem do tempo

Visitei a exposição na Gulbenkian por várias vezes quando era estudante na FCSH e achei-a fascinante. Desde então andava a pensar adquirir o catálogo (que aliás estava numa wishlist publicada aqui no blogue), mas custava mais de oitenta euros. Em Junho fui ao cabeleireiro, no Chiado, e na montra da Férin encontrei este exemplar em inglês a um bom preço (50 e picos euros). O Sr. João Paulo disse-me que tivera também a versão portuguesa mas já a vendera - "este, como é em língua estrangeira, pu-lo mais barato porque é mais difícil vender", explicou-me. Sorte a minha! Embora na altura estivesse na penúria aproveitei a "oportunidade". E fiquei muito satisfeito, porque de facto o catálogo é magnífico. Na capa, uma iluminura de uma roda da fortuna: que está hoje em cima amanhã poderá estar em baixo, e vice-versa. Uma bela metáfora das voltas que a vida dá.


quarta-feira, 22 de julho de 2015

Macarrão com tomate verdadeiro e mozzarella

Trata-se de um excelente jantar de recurso. Requer poucos ingredientes e é muito simples e relativamente rápido. Como se faz:

Põe-se cebola a refogar. Em seguida cobre-se com rodelas de tomate fresco, que se regam com azeite e se temperam com alho picado (se se gostar pode-se acrescentar também pimento encarnado). E ali fica durante cerca de 20 minutos. Se se tapar a frigideira é mais rápido. Entretanto, coze-se a massa (macarrão), em água misturada com a água da mozzarela, para ganhar mais sabor. No final junta-se ao molho de tomate a mozzarella cortada aos pedaços. Quem gostar pode adicionar um pouco de vinho branco e deixar evaporar o álcool. Depois é só juntar a massa, não muito bem escorrida, porque a goma que fica na água ajuda a compor o molho. A vantagem do macarrão é que, como são ocos, o molho entra para o vazio.

Já no prato, acrescenta-se parmesão ralado na hora (o ralador de cenoura é bom para isso). Acompanha com salada e um copo de vinho, seja tinto ou branco, não cai nada mal.

Buon appetito!




terça-feira, 23 de junho de 2015

orégãos frescos

Ouvi falar deles pela primeira vez na adega da mó. Têm um sabor mais intenso (e menos "a chá", se assim se pode dizer) do que os orégãos secos, e uma cor mais viva. Há dias comprei um molhinho num mercado de Estremoz. O senhor vendedor aconselhou-me a guardá-los num sítio arejado ("na garagem", sugeriu). Em suma, não devem ficar "abafados", como o senhor tão bem explicou. E senti logo que por terem ficado no saco mais tempo do que deviam perderam algumas qualidades.

Ainda assim, fez-se uma bela salada de tomate. Tempero: além dos orégãos, sal grosso, azeite e limão. Se tiver vinagre balsâmico à mão fica a matar.

Aqui fica uma foto para abrir o apetite.


quinta-feira, 30 de abril de 2015

Choquinhos estufados

Para começar aloura-se os chocos com alho, cebola e tiras de pimento encarnado. Ao fim de algum tempo junta-se tomate (só usei do natural. Há quem tire as grainhas e a pele, o que acho um trabalho desnecessário), cobre-se tudo com batatas às rodelas (como se vê na foto, tipo cozidas) e tapa-se. A tampa de vidro dá muito jeito para ir acompanhando o evoluir da confecção.

Pode-se temperar, além do sal, com louro e, perto do final, vinho branco. Ah, e pus também umas rodelinhas de chouriço de porco preto para dar mais sabor, o que fixou muito bem.

No final pode também levar um bocadinho de coentros por cima (se se gostar).

Estava muito bom. Claro que é fundamental a qualidade dos chocos e estarem bem arranjados. Neste caso, comprei-os no mercado de Algés.



quinta-feira, 23 de abril de 2015

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O corcunda de Veneza

Emprestei o meu exemplar a um amigo no dia do seu casamento, pois ele ia passar a lua de mel a Itália, e ainda não o recebi de volta. Falo de Veneza, o livro belíssimo de Jan Morris editado em Portugal pela Tinta da China (na colecção de viagens dirigida pelo Carlos Vaz Marques).

Hoje encontrei no meu bloco de apontamentos estes dois trechos curiosos:

«Para alguns venezianos, um corcunda ainda significa boa sorte» (p. 109)

«A própria basílica de S. Marcos é um edifício bárbaro, semelhante a um grandioso pavilhão de diversões mongol ou a uma fortaleza do Turquistão» (p. 122)


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Snack Al Bahriya, Marraquexe

É difícil, quando andamos no estrangeiro, encontrarmos um local genuíno, fora dos circuitos turísticos, daqueles que são realmente frequentados pelos nativos. Pois bem, o Snack Bahria é um desses locais. Demos com ele quando andávamos por Guéliz (cidade nova) à procura de um sítio para jantar. Com grande oferta de peixe e de mariscos numa montra, tem a vantagem evidente de se poder apontar e pedir o que se quer. Foi uma boa refeição à base de pão, pimentos, calamares e camarão frito. Boa qualidade e preços contidos.
Aqui ficam o link para a entrada no tripadvisor:

http://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g293734-d2439966-Reviews-Al_Bahriya-Marrakech_Marrakech_Tensift_El_Haouz_Region.html



quarta-feira, 15 de abril de 2015

Paco

Aqui fica uma singela homenagem ao nosso querido Paco, bom companheiro de muitos anos, que nos deixou no dia 26 de Março.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ugolino (Dante, A Divina Comédia)

O meu irmão contou-me esta história horrível há uns anos e fiquei muito impressionado. Ugolino della Gherardesca, conde de Donoratico, conspirou a favor dos guelfos contra Pisa. Em 1288 os guibelinos venceram e encerraram-no numa torre, onde o deixaram a morrer à fome com dois filhos e dois netos.

Aqui ficam os versos de Dante (traduzidos por Vasco Graça Moura), canto XXXIII:

Quando chegou mais tarde um raio estreito
ao cárcere dolente, descobri
em quatro rostos o meu próprio aspeito,
e ambas as mãos de louco mordi;
crêem eles que a vontade já me arroja
de algo comer, e se erguem logo ali,
dizendo: «Pai, bem menos nos anoja
que de nós comas: e se nos vestiste
destas míseras carnes nos despoja.»

Ugolino e os Seus Filhos (Jean-Baptiste Carpeaux, 1860-1867, Metropolitan Museum, Nova Iorque)

Páteo Antico


spaghetti allo scoglio

Conheço há alguns anos este simpático restaurantezinho italiano em Paço de Arcos, mas até à última visita só tinha comido o bife do lombo (será filetto rossini?).

Desta vez fomos para os pratos do dia: ossobucco com salada de pasta fresca e uma pasta tipo spaghetti allo scoglio, com molho de tomate e frutos do mar (camarão, amêijoas, mexilhão). O ossobucco estava muito bom (uma carne muito macia, quase gelatinosa) e ligava bem com a salada fria, embora a proporção carne/salada pendesse demasiado para a segunda, o que implicou que houvesse demasiada massa e pouca 'substância' no almoço.

o ossobucco com salada fria de pasta fresca

Para sobremesa, uma boa tarte de limão merengada e café servido num copinho, com 'açúcar fluido' (o empregado explicou que é misturado numa solução com café para se dissolver mais facilmente. Uma mariquice com alguma graça).

a tarte de limão merengada

O serviço foi atencioso, mas a roçar o pretensioso, e demorado. O preço, já se sabe, é um pouco puxado.
Em todo o caso, um almoço agradável, boa comida italiana, num local muito simpático e bonito.

Páteo Antico
Praça da República, 6 - Paço de Arcos
Tel.: 21 442 89 24
refeição para duas pessoas c. 60 euros
3 estrelas

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Mais histórias insólitas

Cervantes perde o braço esquerdo na batalha naval de Lepanto. No regresso a Espanha, o barco em que viaja é atacado por piratas. O escritor passa cinco anos cativo na Argélia (46/47)

Retrato de Miguel de Cervantes por Juan de Jauregui y Aguilar


Proust passa os últimos anos de vida na cama e aí escreve Em Busca do Tempo Perdido. A essa vontade irresistível de ficar na cama chama-se clenofilia. Dela trata também o romance russo Oblomov - o Magnífico Preguiçoso, de Ivan Goncharov. (59)

O quarto de Proust (Museu Carnavalet, Paris)


Dez Figuras Negras, um dos romances mais populares de Agatha Christie, e o politicamente correcto (87)
Uma frase da rainha do policial:
«Um arqueólogo é o melhor marido possível, pois quanto mais a mulher envelhece, mais ele se interessa por ela»

Os fabricantes de charutos apreciavam ouvir O Conde Montecristo enquanto enrolavam as folhas de tabaco, a ponto de pedirem a Dumas autorização para dar esse nome a uma marca de charutos. A qual é concedida (91)



As leituras intermináveis de Flaubert para escrever Salambô

D.H. Lawrence dactilografa O Amante de Lady Chaterly a vermelho (96)

Estranhas profecias, incluindo um romance que parece retratar na perfeição o desastre do Titanic, contando a história de um super-navio que embate num icebergue (100-102)

Abdul Kassem Isma'il tem biblioteca de 117 mil volumes da qual nunca se separa. Imagina que, se viajar, a levará em 400 camelos dispostos por ordem alfabética

Graham Greene leva uma vida de risco, chegando a jogar à roleta-russa (122)

(tirado de Marc Lefrançois, Histoires Insolites des Écrivains et de la Littérature)

terça-feira, 31 de março de 2015

Restaurante Bolota, Terrugem

No passado fim-de-semana visitei com a família (pais, filhos, patroa) o restaurante Bolota, na Terrugem (entre Estremoz e a fronteira). Gerido por Júlia Vinagre, é uma casa alentejana de algum requinte e com credenciais firmadas. Conheço-a há bastantes anos: por que lá fomos pela primeira vez, se foi por acaso ou indicado, já não me lembro. O que é certo é que se revelou uma agradável surpresa.

Para começar há pão, tostas e vários patés: um óptimo de iogurte e hortelã, um de azeitonas,  um também óptimo de chouriço e carne, tipo recheio de croquete para comer com pão. Depois provei os sacramentais espinafres gratinados com gambas, sempre bons. Seguiu-se uma bela sopa de cação, que adoro. Como prato principal, costeletas de borrego grelhadas (marinadas antes, como me foi explicado) com puré de fruta que liga muito bem e esparregado. E para terminar, os sorvete sortidos. Ou melhor, para terminar mesmo houve descafeínado, um bombom de chocolate e corn flakes e o característico licor de bolota. E quase me esquecia que ainda provei o excelente bife dos petizes (sugerido pela empregada).

Estava tudo muito bom, talvez só as costeletas pudessem estar menos secas. Nisso, as do Fialho, em Évora, são as melhores que conheço. Também provei os lombinhos de javali (javali fatiado fino com molho), que estavam muito bons, e não provei o lombo de bacalhau com legumes fritos, mas costuma ser delicioso.

Além da óptima comida, a Bolota tem um ambiente muito cuidado, com os marcadores, os cortinados, tudo alusivo ao nome. Serviço simpático e atencioso (por exemplo: tendo sido pedida uma alteração ao menu, a empregado disse de imediato que não havia qualquer problema).

O menu com entrada ou sopa, prato, bebida e sobremesa custa 20€. Os pratos rondam os 17-20€.
Peguei num bloco de notas antigo à procura de um desenho do nosso cão, o Paco, que nos deixou na passada quinta-feira, 26/03/2015, com 16 anos, e encontrei estas palavras escritas há cerca de dez anos.
São a segunda parte de um poema, mas li-as e achei agora que funcionavam bem sozinhas.

Devo esclarecer que embirro com os cantores portugueses que cantam em inglês (iludidos de que assim poderão chegar a um público mais vasto), com os artistas que dão títulos estrangeiros às suas obras (porque é mais fácil e dá um ar modernaço), com os curadores nacionais que dão nomes em língua estrangeira às exposições que organizam (porque é sofisticado). Mas na altura escrevi em inglês e, apesar de ter o seu quê de pretensioso, gosto do resultado. Aqui fica:

Ask the rooftops to forgive the cold rain,
for she has nowhere else to cry.
Forgive the scaffolds for their victims
for their victims had to die.

I am the forgotten words of the poet
who took no notes in the dark.

(em breve partilho o desenho)

quarta-feira, 25 de março de 2015

Huizinga, Homo Ludens


Há dias estive na Book House, no Saldanha Residence, uma  livraria que gosto sempre de visitar porque tem excelentes livros brasileiros de História, Filosofia e Ensaio (nomeadamente da Companhia das Letras) que não se encontram noutros sítios. Nessa última visita vi uma série de títulos que me interessaram - neste último dia do pai recebi um deles, Homo Ludens, de Johan Huizinga, autor do qual já possuía uma biografia do seu compatriota Erasmo de Roterdão e o clássico L'Automne du Moyen Âge.

O livro pertence à colecção 'Estudos' da editora Perspectiva, que tanto aprecio: temas interessantes de humanidades, capas simples (brancas, pretas e amarelas), formato sobre o comprido.

Esta obra em particular trata, como o nome indica, do jogo como algo fundamental da natureza humana (mas não apenas, uma vez que os animais também brincam), sem adoptar um prisma utilitarista de certas correntes, segundo as quais o jogo serve para treinar, para aprender, etc. Ao estudar o significado da palavra em várias línguas, o autor vai revelando as suas conotações sagradas e religiosas.

Agora um excerto:

«Tal como não há diferença formal entre o jogo e o culto, do mesmo modo o 'lugar sagrado' não pode ser formalmente distinguido do terreno de jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco, a tela, o campo de ténis, o tribunal, etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma actividade especial». p. 13

Johan Huizinga
Homo Ludens
Perspectiva, 2007
243 p.
(o exemplar da foto não é o meu)

terça-feira, 10 de março de 2015

Ideia para um anúncio


Um turista prepara-se para tirar uma fotografia a um monumento (uma catedral, por hipótese). Entretanto vem um carro que pára mesmo à frente da catedral e estraga-lhe a foto, por isso ele fica à espera que o carro se vá embora.

O carro sai e a vista fica desimpedida. Ele vai a correr tirar a fotografia mas vem outro carro e ocupa o lugar do anterior. Primeiro o turista fica chateado, mas depois apercebe-se de que o carro é tão bonito que não estraga a fotografia - na verdade, valoriza-a.

Quando ele vai finalmente fazer a foto, o carro começa a andar e ele perde a oportunidade. A igreja fica sem carros à frente, mas ele já não quer tirar a fotografia: sem o belo carro o monumento parece-lhe vulgar, perdeu a magia.

terça-feira, 3 de março de 2015

Variação sobre uma máxima


O pior cego não é o que não quer ver:
é o que tenta impedir que o outro veja.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A catedral subterrânea (Victor Hugo)



«Na Idade Média, quando um edifício ficava concluído, havia quase tanta construção dentro da terra como fora dela. A menos que fossem erguidos sobre pilotis, como Notre-Dame, um palácio, uma fortaleza, uma igreja tinham sempre um duplo fundo. Nas catedrais, era de alguma forma uma outra catedral subterrânea, baixa, sombria, misteriosa, cega e muda, sob a nave superior que regurgitava de luz e retinia de órgãos e címbalos noite e dia; por vezes era um sepulcro. Nos palácios, nos bastiões, era uma prisão, por vezes também um sepulcro, por vezes as duas coisas juntas. Estas poderosas edificações [...] não tinham apenas alicerces, mas, por assim dizer, raízes que se iam ramificando no solo em salas, em galerias, em escadas, como a construção de cima. Assim, igrejas, palácios, bastiões tinham terra até meio do corpo. As caves de um edifício eram um outro edifício onde se descia em vez de se subir, e que assentava os seus pisos subterrâneos sob as camadas dos pisos exteriores do monumento, como estas florestas e estas montanhas que se reflectem na água espelhada de um lago sob as florestas e montanhas da margem»

Victor Hugo, Notre-Dame de Paris (foto: cripta da igreja d'Anzy-le-Duc)

Existe uma passagem do Baudolino, de Umberto Eco, situada numa cisterna de Istambul, que também explora esta simetria.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Histórias insólitas dos escritores e da literatura

Li nas férias do Verão - já lá vão uns meses - este livro comprado na Férin. Está recheado de anedotas deliciosas e curiosidades sobre os escritores, as suas vidas e as suas manias. Penso que os tópicos a seguir elencados dão uma ideia da variedade do conteúdo.




Alexandre o Grande morre com a Ilíada nas mãos – 123
Demeny salva a obra de Rimbaud (e Max Brod a de Kafka) – 125
Tolstoi usa barba para disfarçar a boca desdentada, resultado de uma doença venérea contraída durante a juventude num bordel de Kazan – 126
Lou Andrée Salomé, amiga de Nietzche, amante de Rilke e pupila de Freud – 128
Victor Hugo sabe da morte da filha pelo jornal. Torna-se apaixonado pelo ocultismo – 131
O bibliófilo José Mindlín – 137
Kafka e a dismorfofobia - 147
Hábitos e manias dos escritores – 171-172
Manuscritos perdidos (entre eles o segundo volume de Almas Mortas de Gogol) – 174-175
Ler no WC – 182
Victor Hugo começa a escrever Os Miseráveis a seguir a ser apanhado em flagrante a cometer adultério. A amante é presa, ele é amnistiado. Mais tarde, é atribuído o seu nome à rua onde mora – 184
Corneille terá escrito as obras de Molière? – 188
Ésquilo morre atingido por uma tartaruga na cabeça – 191
Kawabata gasta o dinheiro do Prémio Nobel em pintura que vê numa galeria em Paris – 197
Os escritores e as drogas – 205-207 (artigo 'Paradis artificiels')
Obsessões de Victor Hugo e de Schoppenhauer – 207
Os ‘biscates’ dos escritores – 211-213
O medo de Hans Christian Anderssen de ser enterrado vivo – 214
A génese de Anna Karenina – 214
Impotentes – 216-217
Racine e o livro proibido – 240
Rambo e Rimbaud – 241
Os livros mais vendidos – 243
Obras-primas recusadas - 244
O que comem os escritores - 245
O encontro pouco frutuoso entre Joyce e Proust – 247
Um sonho premonitório – 248

Dante Gabriel Rossetti manda desenterrar Lizzi para recuperar o seu manuscrito – 252

Marc Lefrançois
Histoires insolites des écrivains et de la litérature
302 págs., €17,5
4 estrelas

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Francisco, uma vida exemplar

S. Francisco pregando aos pássaros, fresco de Giotto na basílica de Assis

É estranho, mas a curiosidade pela vida de São Francisco de Assis foi-me suscitada pela leitura de um artigo sobre o actual Papa. Quem foi este homem que Bergoglio usa como modelo para 'refundar' e reformar a Igreja? Quanto mais lia o artigo, mais vontade sentia de abrir o livro, adquirido em promoção há uns anos - para ler mais tarde -, que o historiador Jacques Le Goff dedicou à vida do santo. O que sabia era muito pouco: que o seu nome quereria dizer qualquer coisa como 'francês', que professava a pobreza e que fez um sermão aos pássaros, demonstrando sempre um grande amor pela natureza.

Vamos aos excertos:
«Santo de um género novo, cuja santidade se manifestou menos por milagres - aliás numerosos - e pela ostentação de virtudes - até raras e esplendorosas - e mais pela linha geral de uma vida em tudo exemplar» 31 (este trecho fez-me lembrar particularmente o Papa, que 'prega' pelo exemplo)

«Franciscanos das duas tendências tinham multiplicado as biografias do santo atribuindo-lhe afirmações e atitudes conformes às suas posições. Já ninguém sabia que santo invocar. O capítulo geral de 1260 confiou a S. Beaventura o cuidado de escrever a vida oficial de S. Francisco [...]. Esta vida [...] foi aprovada pelo capítulo geral de 1263 e o de 1266 tomou a decisão de proibir os irmãos de lerem qualquer outra vida de S. Francisco e ordenou-lhes que destruíssem todos os outros escritos anteriores com Francisco por tema» 37

Cantava em francês nos bosques 43

«Emagrecido pelas provações [...] deixa estupefactas as gentes de Assis, que se riem dele, lhe chamam louco, lhe atiram lama e pedras» 48

«O pai agarra-o, fecha-o acorrentado numa enxovia de sua casa»

Francisco «renuncia a todos os seus bens [...] e, nu, manifesta o seu despojamento absoluto»

«Enfeita a túnica com uma imagem da Cruz e confecciona-a tão rugosa que ali crucificará a sua carne com os seus vícios e os seus pecados, tão pobre e tão feia que ninguém lha invejará» 50

«Toma-o Inocêncio III, ou afecta tomá-lo, por um porqueiro: 'Deixa-me em paz mais a tua regra. Vai antes ter com os teus porcos e praga-lhes todos os sermões que te apetecer'. Francisco corre a um pocilga, besunta-se do estrume e volta a apresentar-se ao Papa: 'Meu senhor, agora que já fiz o que me haveis mandado tende vós a bondade de me conceder o que solicito'. O Papa, [...] caindo em si, lamentou-se tê-lo recebido mal e, depois de o ter mandado lavar-se, prometeu-lhe outra audiência» 54

«Sem dinheiro, entram clandestinamente para um barco cuja tripulação, ao descobrir, ameaça fazer-lhes mal, ao que eles só escapam porque o santo aplaca uma tempestade e multiplica as magras provisões ao ponto de alimentar todos os marinheiros em risco de morrerem de fome» 58 (milagres)

«A mentalidade e o comportamento das multidões [...] para com personalidades com fama de santos não tinham variado desde o final do século IV: nessa época, as gentes de Tours roubaram o cadáver de S. Martinho às de Poitiers; no fim do século X, os Catalães pensaram matar S. Romualdo, doente, para ficarem com as suas relíquias. Em redor de Francisco moribundo, é a vigília da cobiça à espreita do seu cadáver» 68

A desconfiança de Francisco em relação ao saber tem origem em três aspectos: «a concepção corrente do saber como tesouro, que fere o sentido do despojamento; a necessidade de possuir livros, objectos então caros e como que de luxo, que vai contra o seu desejo de pobreza e de não propriedade; o saber como fonte de orgulho e de dominação, de poder intelectual, que contraria a vocação de humildade» 166 Mas «na prática venera os sábios e consulta-os»

S. Boaventura incorpora definitivamente a posse dos livros na natureza da ordem

«É o longo capítulo VIII da Regula non bullata que proíbe os irmãos de receberem dinheiro, evoca o diabo, trata a moeda por pó [...], apelando ao anátema sobre o irmão que juntasse ou possuísse dinheiro, sendo assim um falso irmão, um apóstata, um ladrão, um gatuno, um tesoureiro [...], como Judas» 154

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Thomas Struth

Parágrafo do artigo 'Thomas Struth: Style Without Style', de Jana Prikryl na NYRB:

«Struth começou a pintar na Academia de Arte de Düsseldorf no final da década de 1970 mas rapidamente passou para a fotografia e, a conselho de Gerhard Richter, estudou com o casal de fotógrafos Bernd e Hilla Becher. Sem dúvida influenciado pela extensa série de centrais de carvão e outros elefantes brancos da arquitectura industrial negligenciados, Struth começou a fotografar paisagens de rua rigorosamente compostas, a preto e branco, sempre do mesmo ponto de vista simétrico a meio da rua, em olhando em direcção ao ponto de fuga e de manhã bem cedo, de forma a o cenário estar deserto».


Museu do Prado, 2005

Struth é conhecido pelas suas fotos de pequenas multidões nos principais museus do mundo. Acerca delas, Prikryl escreve: «As fotografias sugerem com frequência analogias entre as posturas ou agrupamentos das pessoas que observam e as obras de arte que são observadas; é como se o olhar da apreciação estética fosse o próprio tema da fotografia»


Agora nas palavras do próprio fotógrafo: «Comecei a tirar fotografias de pessoas em museus no início da década de 1990. Fui ao Prado em Madrid e fiquei boquiaberto com uma pintura em particular, Las Meninas, de Velásquez. Estava tão perto dos meus próprios interesses. Pensei: "Meu Deus, porque é que ninguém me falou disto?". E no entanto só a fotografei em 2005. Não sei porquê.
Quando voltei a ela, marcou um momento de evolução para mim. Decidi que tinha de tentar algo diferente: tinha de me misturar no grupo de espectadores, criando uma maior intimidade entre as pessoas que olhavam para a pintura e as representadas nela.
Trabalhei durante sete dias, oito horas por dia, e notei que os grupos de escolas se punham tão perto do quadro que quase lhe tocavam com os cotovelos. Gosto dos dois tipos (à esquerda) nesta imagem que parecem muito cépticos em relação ao que o guia lhes está a dizer sobre a pintura. Acho isso engraçado. Evidentemente, eles desconfiam da situação. Talvez preferissem estar a beber uma cerveja» (Entrevista a Leo Benedictus, Guardian)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Lapsus linguae #2: mais e mais disparates

Depois do retumbante sucesso do post lapsus linguae, aqui ficam mais alguns disparates.

Aquela cidade colombiana era tão corrupta, mas tão corrupta, que até tinha um cartel dos bombeiros.

"Não sou propriamente um entendido...", dizia ele com falsa modéstia. "Em todo o caso percebo qualquer coisa de pintura moderna. Os meus favoritos? Sem dúvida Jacques Lipstick, Willem De Tuning e Ernst Kitchen"

Ele nunca ia à pesca com os amigos. Tinha medo de apanhar um choco eléctrico

Naquele período negro da história da Grécia, a moeda desvalorizou tanto que eram precisos milhões e milhões de dráculas para comprar qualquer ninharia

Aquele ditador italiano era tão cordial e atencioso que lhe chamavam 'Il Dulce'

- Com estes ténis ninguém me apanha- gabou-se ele. - São os mais leves do mercado.
- A sério? Qual é a marca? - perguntei curioso.
- Espuma.

Todos achavam aquele pequeno investigador extremamente engraçado. Aliás, o seu próprio nome reflectia isso: Hercule Pierrot.

Ele teve vários carros ao longo da vida. O primeiro foi um Volkswagen Carraça

Quando lhe perguntaram se gostava dos clássicos, respondeu assertivamente:
- Mas com certeza...
- E tem algum favorito?
- O Moscardo, de Giuseppe Tomatto di Lambrusco. E até posso citar de cor: 'É preciso que tudo mude, para que nada fique na mesma'!
- Ouvi dizer que também gosta de cinema, não é verdade?
Ele ficou todo inchado.
- Bom, aí a minha escolha iria sem dúvida para o Asa Branca, com o Humphrey Godard.

Manchete da última edição da Revista Portuguesa de Arqueologia:
'Cleópatra tinha um desvio do ceptro nasal'

Acusado de defender políticas de extrema-direita, ele respondeu: "Não senhor! Nada tenho nada contra judeus, comunistas ou polacos. Aliás, até gosto muito dos livros daquela historiadora, a Esther Sputnick"

- Quanto é que fumas?
- Dois maços por dia - respondeu-me ele com resignação. - Sou um fumador invertebrado.

Ele tirava fotos geniais com a sua Nixon

Aquilo fazia-lhe uma confusão doida: porque é que a empregada da loja insistia em dizer-lhe para experimentar a roupa nos Trovadores?

Naquela ditadura opulenta e implacável, os jornalistas tremiam só de pensar no lapiz lazuli do censor

O sistema político britânico é simplicíssimo de entender. Está dividido em duas facções: os trabalhadores e os conservacionistas

- Já viu o que tem chovido?
- E as cheias? Que horror...
- É um verdadeiro autoclismo.

- Por que não têm gelados? - perguntei no restaurante.
- É que os nossos gelados vêm de Itália - explicou-me o empregado - e a encomenda ficou derretida na alfândega.

Qual é o maior avião do mercado?
O Boeing 747 Dumbo.

Então, e que mota é que tens?
- Uma Nêspera.

- O meu tio é um grande entendido em música clássica.
- Sim, sim, um verdadeiro megalómano.

Quando estava a sair do cinema, ouvi um bancário a dizer para a namorada:
- Este final deixou-me com um nó na gravata.

Tenerife, Las Palmas, coiso e tal... Ele conhecia como a palma da mão o arquipélago das Canalhas.

Nero, facínora e mecenas (El País)

Segundo Tácito, autor dos Anais, após o grande incêndio de Roma do ano 64, «Nero procurou rapidamente um culpado, e infligiu as mais refinadas torturas a um grupo odiado pelas suas abominações, a que o populacho chama cristãos [...]. Cobertos com peles de animais, foram despedaçados por cães e pereceram, ou foram crucificados, ou condenados à fogueira e queimados para servir de iluminação assim que o dia acabava».

Para a História, Nero ficou como um facínora, perverso e ególatra. Provavelmente tudo verdade. Matou uma série de possíveis concorrentes, o seu próprio tutor, amigo e conselheiro, o filósofo cordovês Séneca, e até a própria mãe, sabotando o seu barco para se afundar.


O artigo do El País versa sobretudo sobre a Domus Aurea, o esplendoroso palácio de Nero, que reabriu no final de 2014 após dez anos fechada para conservação. «Todos os historiadores descreveram as suas proporções gigantescas, a sua magnífica decoração e a profusão de ouro (daí vem o seu nome de Casa Dourada). O interior albergava muitíssimas obras de arte, trazidas directamente da Grécia, sem contar com os lagos, jardins, bosques, as fontes de água doce e salgada alimentadas por aquedutos construídos especialmente para ele». (Joël Schmidt, autor de Néron, Monstre Sanguinaire ou Empereur Visionnaire?, citado pelo artigo).

A Domus Aurea possuía uma arcada com 1,5 km de comprimento e salas com tectos de marfim. Uma delas tinha pintado um mapa celeste, que rodava consoante a altura do ano. «Com a morte de Nero, no ano 68, o palácio foi abandonado, até que Trajano (53-117) o utilizou como alicerce para as suas termas, depois de ter ''tosquiado' todo o mármore. Redescoberto no século XV, fascinou os artistas do Renascimento e personagens como o Marquês de Sade ou Casanova, que deixaram a sua assinatura nas paredes. Rafael, que descia com cordas no que então eram túneis abobadados, criou o estilo grotesco (de gruta) no qual pintou várias estâncias do Vaticano em 1519 inspirando-se nos frescos de aquele misterioso palácio enterrado [...]. Uma das melhores cópias dos frescos como os encontraram os artistas do Renascimento foi realizada por Francisco de Hollanda em 1538 e encontra-se na Biblioteca do Escorial»

Ainda que o Coliseu tenha sido construído após a morte de Nero, pelo imperador Vespasiano, acabou por adoptar o nome daquele durante a Idade Média. Isso deve-se a o famoso anfiteatro ter sido erguido perto do lugar onde Nero mandou erigir uma gigantesca estátua de 35 metros que o representava como Helios, o deus-Sol.

Na altura do grande incêndio viviam em Roma cerca de um milhão de pessoas. 200 mil ficaram sem casa. Nero «mandou que as ruas fossem mais largas, os prédios - insulae - mais baixos e, claro, aproveitou a destruição generalizada para construir o seu palácio sonhado»

«Um ano depois, após neutralizar um complot, lança uma purga selvagem que custa a vida ao filósofo cordovês, entre muitos outros membros da elite»

"Regresso a la morada de Nerón"
por Guillermo Altares
revista El País Semanal de 28/12/2014

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Mundo Perdido do Comunismo


Livrinho fascinante, que já começara a ler há algum tempo. A apresentação da contracapa diz: «Não reconheço o meu país nas descrições que dele fazem os meios de comunicação social. Não tivemos só Outono e Inverno. Também tivemos Primavera e Verão. A vida não girava apenas em torno da Stasi» (depoimento de uma actriz da Alemanha de Leste). Mas curiosamente este testemunho não corresponde ao sentimento dominante no livro. Pelo contrário.


Aqui ficam alguns excertos:

O muro começou a ser construído a 13 de Agosto de 1961. «Primeiro havia um muro de betão de três metros de altura chamado vedação 'interna. Seguia-se uma rede de arame farpado e aço de dois metros de altura [...]. Quando alguém lhe tocava, a vedação accionava um alarme e, por vezes, um holofote. Quem transpusesse essas vedações ainda tinha de atravessar um terreno enfeitado com engenhos antipessoal, como barras de aço colocadas no solo e cobertas de espigões metálicos» [...] Por último havia o 'Grezenwall 75'um muro com três metros e sessenta de altura e encimado por um cano de esgoto [...]  para evitar que quem trepasse tivesse onde agarrar-se» p. 26-27

Sobre Ceausescu:
«Como presidente, repartia a sua vida por vinte e um palácios profusamente mobilados, quarenta e uma vivendas de luxo e vinte pavilhões de caça. [...] Sonhava tornar-se um Napoleão comunista - que também media 1,57 m - e, tal como Napoleão, construiu o seu país como um monumento a si próprio». p. 41

«Percorri a Roménia à procura de pessoal para a residência de Ceausescu porque o critério era muito rigoroso. Os empregados não podiam ser mais altos do que Nicolae e Elena. Era proibido admitir pessoas de cabelo escuro ou morenas». p. 43

«Ceausescu tinha declarado que só um louco podia discordar dos grandes feitos do socialismo. E se houvesse pessoas que discordassem então eram loucas e aguardava-as a camisa de forças» 190

Sobre a vida em Wandlitz, o condomínio 'de luxo' (para padrões comunistas) da elite do partido na Berlim Oriental: «”Basicamente era um gueto muito triste. O estilo de vida era o de uma classe média baixa muito bem comportada, com um naperon em cima do televisor Vertco e que regava as plantas envasadas no jardim. Em geral, era sufocante e desprovida de alegria”» Vera Oelschlegel, 55

«Bernd Brückner, que em tempos foi guarda-costas pessoal de Honecker, tomou parte em muitas destas caçadas […]. “A floresta tinha veados e gamos, javalis, coelhos e 30 alces siberianos”» Honecker era muito bom atirador. «Era determinado; podia chover a cântaros ou mesmo nevar, mas ele ia sempre à caça»
«Morreram tantos animais que foi preciso importar novos sotcks de veados. Às vezes, a carnificina era enorme. A partir dos anos 70, a elite comunista caçava pelo menos mil veados e 1500 gamos todos os anos. […] Brükner também testemunhou o agrado de Honecker por filmes soft porn. “De vez em quando apareciam cassetes VHS. Honecker possuía algumas”». 59

«As autoridades utilizaram todos os meios ao seu alcance para obrigar os agricultores a trabalhar nas herdades colectivas e a desistir da sua própria terra: aliciamento, chantagem e prisão. Por vezes, as pessoas eram assassinadas. E a colectivização não resultou, só sobreviveu graças a subsídios governamentais de vulto. As herdades revelaram-se de uma enorme ineficiência, empresas com excesso de pessoal, e poucos foram os camponeses que tiveram uma sensação real de posse. Mas houve alguns adeptos entusiastas.» 86-87

«Nos primeiros tempos a arquitectura sofreu uma forte influência do estalinismo e do Neoclassicismo e não passou despercebida. Mais tarde, para poupar dinheiro, o estilo dominante foi o chamado Plattenbau (construção em painéis) ou, por outras palavras, torres de blocos de cimento pré-fabricados.» 91
«Os primeiros blocos residenciais da cidade foram construídos por volta de 1956. De acordo com a propaganda comunista, estes apartamentos eram ‘palácios para trabalhadores’, mas estavam longe de o ser e Walter Ubricht reconheceu o problema, chamando-lhes Schnitterkaserne, ‘casernas para o Anjo da Morte’» 92

«“Estaline era um ídolo para nós porque destruíra o fascismo de Hitler. […] Quando morreu, em 1953, o mundo desmoronou-se à minha volta. Pendurámos retratos dele na parede e juntámos-lhe uma coroa preta e flores» 105

«"A mentira apoderara-se da nossa sociedade. Toda a imprensa apregoava que tínhamos um nível de vida fantástico [...] quando, de facto, a realidade era trágica: não dispúnhamos de alimentos, não havia aquecimento durante o inverno e tínhamos electricidade apenas durante umas horas por dia» 136

«"Conversávamos em surdina, através de um longo tubo, para que a polícia secreta não ouvisse o que dizíamos no andar de cima, onde nos escutava"», 146

«"Ler os jornais era uma afronta. Todos os dias lia que a vida era maravilhosa na RDA"»

«"Uma vez fui buscar o meu carro à oficina e pouco depois a roda soltou-se"» 152

«"A nossa esperança não era que se operasse uma mudança total no sistema, mas que ele se tornasse um pouco mais colorido, humano e eficiente"» (Rainer Eppelmann acerca da vaga de protestos na Alemanha Oriental em 1989) 154

«No dia 9 de Novembro de 1989 [...] Günter Schabowski anunciou medidas para levantar as restrições às viagens que vigoravam na Alemanha Oriental». 154 

«"Centenas de milhares de pessoas convergiram para os postos de controlo fronteiriço, onde a passagem lhes foi vedada pelos guardas"». «Às nove da noite, o posto de controlo de Bornholmer Strasse começou a carimbar 'sem direito de regresso' nos documento das pessoas que atravessavam para Berlim Ocidental. Duas horas e meia mais tarde, a pressão da multidão era tal que o coronel responsável resolveu pôr termo à verificação dos documentos, abriu completamente as fronteiras e deixou passar as pessoas. 
Nas Portas de Brandenbrurgo, as pessoas subiram o muro e dançaram lá em cima. Uns minutos depois da meia-noite, todos os postos de controlo entre Berlim Oriental e Ocidental foram abertos. Apenas seis horas depois dos comentários de Schabowski, o muro caíra de facto. Nos quatro dias seguintes, um quarto da população da Alemanha Oriental atravessou a fronteira» 258

Tópicos:
- A história de Jana Horáková- Kansky, única mulher executada na sequência dos julgamentos encenados na Checoslováquia, 72-73
- Testemunho de um mineiro que recebeu a mais alta condecoração civil da Checoslováquia – Herói da Mão-de-Obra Socialista, 82-85
- Os bombardeamentos de Dresden de 13 de Fevereiro de 1945 como prova da maldade do capitalismo, 104
- Stalindstadt, a cidade operária inspirada nos princípios urbanísticos marxistas, 90-93
- Dopping no atletismo, 123-126
- Cristãos na clandestinidade, 141-142
- A Roménia nega e ignora o problema da sida, 192
- Nudismo na RDA, 199
- As fugas para o Ocidente, 224

- As manifestações de 17 de Junho de 1953