segunda-feira, 30 de maio de 2011

Notas de um viajante

A propósito da venda de dívida externa:
Ora aí está uma óptima ideia do ministro das Finanças: vender dívida. Também tenho de pensar fazer isso. Vender a minha dívida ao banco e ver-me livre dela para sempre. De resto, até posso fazer um desconto. Mesmo que me dêem pouquinho, se não tiver de pagar o empréstimo da casa ao fim do mês já não é mau.

Descontos:
Nos museus e sítios arqueológicos, como a ilha de Delos, há desconto para estudantes e desconto para a 3.ª idade. Desconfio que há pessoas que acumulam os dois descontos e se calhar ainda lhes pagam para entrar. Pelo andar da carruagem, tenho a certeza de que daqui a uns tempos ninguém tem de pagar o bilhete por inteiro: os que ainda não são da terceira idade são estudantes; os que já não são estudantes é porque já entraram na terceira idade. E por fim temos a maioria silenciosa dos terceiros de estudante idade, perdão, dos estudantes de terceira idade. Aprender até morrer.

Na ilha de Mykonos praticam-se preços originais. Um iogurte com mel pode custar seis euros na esplanada de uma gelataria ventosa. Em contrapartida, uma garraga de água de meio litro custa invariavelmente 50 cêntimos (mas a qualidade é proporcional ao preço).
Mikonos é conhecida pelos gays, que gostam de se bronzear nas suas praias. Talvez por isso haja tantas lojas de grandes e pequenos costureiros. O ambiente é propício a um consumo desenfreado. E há boas discotecas onde exibir as roupas acabadas de adquirir. Felizmente, para expiar os pecados, existem quase tantas igrejas como lojas e discotecas. Numa das praças centrais a vista alcança nada menos do que cinco templos.

Ainda a caminho de Delos, um maluquinho passa uns bons vinte minutos a limpar a lente da máquina fotográfica (imagino quanto tempo perderá a limpar os óculos). Penso que ao fim e ao cabo não se limita a limpar: também está a polir. Tem uma mochila de campismo apenas para transportar o seu material fotográfico. Usa uma pequena bomba de ar para afastar os grãos de pó da lente e das ranhuras. É semelhante a um foguetão, o que acaba por fazer sentido: a objectiva é tão grande que faz lembrar um telescópio.

A cerveja e as medalhas:
Quando pedimos uma cerveja e vemos que já recebeu 10 medalhas de ouro e 20 de prata (Bruxelas, 1991, Lyon, 1992, etc., etc.) pensamos: 'Nem o Carl Lewis conquistou tantas medalhas. Esta cerveja deve ser mesmo boa'. Mas, quando a provamos, afinal a cerveja parece-nos igual a tantas outras.

Tempo e dinheiro:
Os aeroportos têm lojas caríssimas, mas isso é um erro. As pessoas que têm dinheiro para comprar alguma coisa nessas lojas andam sempre a correr e por isso não têm tempo para comprar seja o que for. Quem passa mais tempo nos aeroportos são os pobrezitos, que compram os bilhetes mais baratos (ou seja, com escalas demoradas) e já gastaram o dinheiro todo na viagem.

Restaurante XL

O Comilão nunca tinha tido oportunidade de visitar este XL. Haviam-lhe dado referências - e não eram as melhores. A primeira impressão, a caminho do bar, onde esperámos uns minutos apesar de termos mesa reservada, foi olfactiva: um cheiro, já pouco habitual e não completamente desagradável, de local onde se fuma (o Snob também tem este cheiro misturado de madeiras e fumo de tabaco). Ambiente muito bonito, com madeiras brancas e candeeiros de parede, algumas escadinhas de madeira, bar com tabaco. Mesas muito simples tipo brasserie.

Vamos à comida. Antes do mais, um pãozinho (fresco ou tostas) com azeite. O Comilão não costuma apreciar o dito, mas este estava bom, pois o azeite tinha um dente de alho esmagado a perfumá-lo e sal grosso. Para entrada veio Camembert panado com doce de framboesa. Muito agradável. Para prato principal, duas carnes: rosbife com salada russa e bife do lombo à XL (manteiga e alho). O primeiro estava divinal e era em quantidade apreciável. Vinha com um molhinho por cima (aparentemente pimenta, mas muito, muito suave) que realçava as qualidades da carne. Excepcional.

Já o bife, apesar de bom às primeiras garfadas, acabou por tornar-se enjoativo. Com aquela matéria-prima podia fazer-se (bastante) melhor. A salada mista que veio para complementar as batatas fritas também se revelou pobre e pequena (apesar disso ainda sobrou, pois vinha temperada com uma erva de sabor muito intenso e desagradável para o paladar do Comilão). Sobremesa: crocante de chocolate, na realidade uma mousse (muito boa, mas sem surpreender) num cestinho de massa estaladiça. A refeição foi regada com meia garrafa de José de Sousa (foi notada um pouco de espuma num dos copos e o empregado prontamente trouxe outra garrafa). Serviço simpático, por vezes incompreensivelmente demorado. Um pormenor: na carta de vinhos havia uma garrafa de seis litros (o Comilão não fixou o nome) que custava a módica quantia de seis mil duzentos e tal euros.

XL
Calçada da Estrela, 57-63 (perto da Assembleia da República)
Tel. 21 395 61 11 (marcação aconselhada)
Preço da refeição para duas pessoas: 75 euros (mais 5 de gorjeta)
Só abre ao jantar

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Manoel de Barros

Certa palavras têm ardimentos; outras não.
A palavra jacaré fere a voz.
É como descer arranhado pelas escarpas de um serrote.
É nome com verdasco de lodo no couro.
Além disso é agríope (que tem olho medonho).


Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave

Manoel de Barros nasceu em 1916 e é um dos grandes poetas brasileiros vivos. Carlos Drummond de Andrade recusou o 'título' de maior poeta brasileiro em seu favor. O primeiro livro que escreveu perdeu-se. O segundo, Poemas Concebidos Sem Pecado (1937), foi feito numa tiragem artesanal de 21 exemplares por amigos. Viveu na Bolívia, Perú e Nova Iorque, mas regressou ao Brasil na década de 60 para se dedicar à criação de gado. Só na década de 80 começou a ser descoberto, muito graças a Millôr Fernandes. António Houaiss comparou-o a S. Francisco de Assis e outros chamam-lhe 'o Guimarães Rosa da poesia'. Entre outros prémios, recebeu dois Jabuti (1989, 2002; um em poesia, o outro em ficção) e o Jacaré de Prata.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Olivier Avenida (Hotel Tivoli)

O Copmilão já comeu no Olivier por duas vezes, uma ao almoço, a outra ao jantar (de nenhuma das vezes pagou a conta). Confesso que acho a figura de Olivier, que tive oportunidade de conhecer em 1986, num cruzeiro russo onde o seu pai era reponsável pela cozinha (a comida era péssima), um pouco irritante. Da primeira vez andava de polo desportivo a tratar com um ar condescendente clientes engravatados. Além disso, pelo menos na Rua do Alecrim, o 'logo' é claramente inspirado (para não dizer imitado) no da Cartier. E, para terminar este já longo preâmbulo, a decoração do espaço do Tivoli, com aqueles sofás capitonés a armar ao pingarelho e candelabros da Area, não é muito do meu agrado. Mas adiante.

Nesse primeiro almoço, promovido por uma editora, pedi um dos pratos do dia: espetadinha de frango com ervas. A espetada veio para a mesa sobre uma pedra (algo que também não me agradou). Qual não foi o meu espanto quando, ao cortar a carne, constato que ela está quase completamente crua no interior! Achei aquilo inenarrável, algo que não aconteceria nem no restaurante mais amador, mas como era convidado não fiz alarido. A pessoa ao meu lado comeu uma massa, tagliatelle com funghi ou qualquer coisa do género, que também não tinha grande aspecto. Enfim, uma refeição miserável.

Quando regressei ao Olivier, num jantar oferecido pela empresa, temia pois o pior. Mas eis que sou surpreendido. Entre outras entradas menos memoráveis, um carpaccio de polvo (curiosamente o aspecto fazia lembrar o de uma pizza) delicioso. Depois, como prato principal, uma espécie de tagliata (bife alto cortado em tiras na diagonal) estupenda. Seria a famosa carne de Kobe? Não posso afiançar, mas era de uma rara qualidade. Acompanhava com uma massa com trufas que, para mim, não era o acompanhamento ideal, mas estava boa. Também ajudou o facto de a refeição ser regada com um Casa dos Zagallos, penso que reserva. Um grande vinho.

Resumindo: o Comilão tem duas opiniões antagónicas do Olivier. Mas evitem a espetadinha de frango: aves cruas não são um bom alimento.

Olivier Tivoli Jardim
Rua Júlio César Machado (perpendicular à Avenida da Liberdade, lado esquerdo de quem sobe), n.º 7, Lisboa
Tel.: 21 317 41 05
1 estrela (almoço)
4,5 estrelas (jantar)

Preço: não divulgado

Almoço em Abbotabad. Osama bin Laden (1957-2011)

Para que não haja mal-entendidos, o homem mais procurado figura aqui não como herói ou mártir, mas como personalidade singular.
Era o 43.º de 53 filhos de um emigrante imenita que se tornou o homem mais rico e poderoso da Arábia Saudita (a seguir à família real). Segundo Abdel Bari Atwan, editor de um jornal árabe sediado em Londres, o pequeno Osama não gostava de brincar com as outras crianças. Preferia acompanhar o pai nos seus negócios e deveres religiosos. Assim se tornou uma espécie de favorito, o que ajuda a explicar o choque que sofreu quando, com apenas dez anos, soube da morte do pai num acidente com o seu avião particular. O piloto era americano.
Com 25 anos Bin Laden abdicou de uma vida com todos os confortos para se juntar aos resistentes mujahidines que defendiam o Afeganistão das tropas russas. Por essa altura, já a sua formação religiosa seguira a via mais radical.
O seu fanatismo religioso fez com que desenvolvesse um ódio aos americanos por colocarem, com permissão do Rei, tropas no país (Arábia Saudita) onde se encontram os dois locais sagrados do Islão: Meca e Medina.
Foi também no Afeganistão, nas montanhas de Tora Bora (onde Abdel Bari Atwan o entrevistou), que os americanos estiveram perto de capturar Bin Laden. Desta vez, quando o descobriram em Abbotabad, para não o deixarem escapar pensaram lançar umas poucas dúzias de bombas de duas mil libras cada (cerca de uma tonelada). Mas como identificar o corpo? Assim optaram pelo assalto. E levaram com eles o cérebro, propositadamente conservado para esse efeito, de uma irmã do terrorista (que havia morrido de um tumor num hospital de Boston) para fazer o teste de ADN. Lavaram o corpo, embrulharam-no num lençol branco, ataram-lhe um peso de chumbo e largaram-no nalgures no Norte do Mar Arábico. Resta saber se tudo isto corresponde, e em que medida, à verdade.
O Comilão já almoçou (não se lembra o quê) em Abbotabad (Paquistão), onde Bin Laden foi morto. Possivelmente ao lado do criminoso mais procurado do mundo. Os restaurantes paquistaneses têm pequenas salas, tapadas por cortinas, para os clientes desfrutrarem das suas refeições com privacidade.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma página desconhecida de A Coroa e a Lira

O poeta Alcibíades de Naxos viveu entre 402 e 345 a.C. A sua obra perdeu-se irremediavelmente, à excepção de um fragmento de poema:

«... e quando estávamos muito perto
metade da tua cara
ocupava metade do universo...»

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Os meus apontamentos de Borges, Biblioteca Pessoal

Aqui ficam algumas anotações de excertos de Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges:

As ficções de H.G. Wells foram os primeiros livros que li; talvez venham a ser os últimos

Kafka é o escritor clássico do nosso estranho e atormentado século [16]
No ano final do século XIX morreram em Paris dois homens de génio [Eça de Queiroz e Oscar Wilde]. Que eu saiba, nunca se conheceram, mas ter-se-iam entendido admiravelmente.
Em O Primo Basílio (1848) chama-se a atenção para a sombra tutelar de Madame Bovary, mas Émile Zola achou-o superior ao seu indiscutível arquétipo e agregou ao seu ditame estas palavras: «Fala-vos um discípulo de Flaubert» [28]
[Robert Graves] nunca tratou de ser moderno; declarou que um poeta deve escrever como um poeta e não como um período
No prefácio de uma antologia da literatura russa Vladimir Nabokov declarou que não tinha encontrado uma única página de Dostoievski digna de ser incluída. Isto quer dizer que Dostoievski não deve ser julgado por cada página mas antes pela soma das páginas que compõem o livro [42]
Bernard Shaw escreveu «Nada há de novo em O'Neill, salvo as novidades». Os epigramas engenhosos não precisam de ser justos [47]
Há estilos que não permitem ao autor falar em voz baixa [53]
O esquecimento bem pode ser uma forma profunda de memória [55]

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Apontamentos sobre Tolstoi

Retirados da biografia de Henri Troyat (Fayard):

A família, com Leon Tolstoi doente, partiu para Astaparovo ao seu encontro num comboio especial que custou 500 rublos [822]
Na estação, os comboios não apitavam antes de partirem, para não incomodar Tolstoi [825]
Em Março de 1895, com 67 anos, Leon Tolstoi aprendeu a andar de bicicleta, numa que lhe havia sido oferecida pela Sociedade Moscovita de Amadores de Velocípides. Pouco antes, a morte do seu filho mais novo, Vanitchka, havia provocado um profundo sofrimento na família [618]
Para todas estas pessoas, Leon Tolstoi era um monumento nacional e ninguém tinha o direito de as impedir de o visitar [729]
O domínio de Pirogovo [...] com as suas árvores alinhadas como para uma parada militar [705]
O escultor Merkurov moldou a sua máscara funerária e o pintor Pasternak, vindo de Moscovo com o seu filho Boris, instalou o seu cavalete perto da cama [835]

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Novo produto financeiro com nome de insecto voador

Numa época de valorização dos materiais preciosos, as agências do Banco Espírito Santo estão a oferecer aos seus clientes um novo produto de elevado rendimento: o BESouro.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Le Petjt

O Le Petit (o Comilão usou uma grafia arcaica no título) era originalmente dois restaurantes: o chamado 'Petit Rico' (ou Petit dos ricos, onde era frequentemente visto o antigo presidente do Sporting Sousa Cintra) e o 'Petit Pobre' (ou dos pobres). Só o segundo sobreviveu, sendo o primeiro actualmente uma loja de peixe congelado que mantém na fachada os azulejos azuis e brancos com desenhos de putti que condiziam com o nome do restaurante.
Recentemente renovado, à entrada mantém o barco com o produto da faina - o peixe e o marisco são o prato forte. A decoração recebeu cadeiras novas de plástico azul e aquários ultramodernos. A sala tem uma abertura para a cozinha que permite atestar o seu asseio e competência. Para celebrar o seu regresso a terras lusas, o Comilão e sua mulher elegeram conquilhas à Bulhão Pato (foi uma pena algumas terem areia, de resto estavam deliciosas). Em seguida, veio um robalo de mar grelhado para dois (um pouco menos de um quilo). Uma maravilha (note-se que noutros tempos vinha com mais abundância de acompanhamentos e óptimas torradinhas com manteiga de alho). Serviço simpático e eficiente. O preço é que não foi tão simpático: 61 euros (refeição para duas pessoas com refrigerantes e cafés).

Restaurante Le Petit
Rua Major Afonso Palla
Algés
4 estrelas

Ausência




O Comilão pede desculpa aos seus incontáveis fãs e amigos pela prolongada ausência destas lides. O motivo: duas semanas de férias na Grécia. Em breve haverá um post dedicado à cultura helénica e, naturalmente, à sua comida.

Cordialmente,
o Comilão