quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A Marítima de Xabregas

Foi já fora de horas, bem depois das três da tarde, que o Comilão e a sua família resolveram entrar na Marítima. «Podemos almoçar?». O empregado foi solícito: «Façam favor» e encaminhou-nos para a segunda sala, muito ampla e quase vazia (apenas uma mesa ocupada), onde nos sentámos.

Na outra mesa, um grupo de quatro aposentados falava do serviço: «E sabem quem era o tipo que estava a passar informação cá para fora? Vão pensando, enquanto eu vou ali fazer um chichi», disse um deles.

Bom pão e azeitonas muito bem temperadas com alho e oregãos. O Comilão optou pelo prato do dia: pargo no forno com batatas assadas. Estava bom, embora algo seco (provavelmente devido ao adiantado da hora). A mulher do Comilão pediu um bitoque ou bife da casa, que vinha muito bem servido, numa enorme travessa de metal redonda, e com um molho saborosíssimo, tipicamente português. Serviço simpático.

Casa de Pasto Marítima
Rua da Manutenção, 40-42 (Xabregas, Lisboa)
3,5 estrelas
€28,80 (refeição para duas pessoas e meia)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O melhor frango de Lisboa



Na Rua das Portas de Santo Antão, mesmo em frente ao Coliseu, fica uma das melhores, se não a melhor, casas de frangos de Lisboa. Com a vantagem de possuir uma pequena esplanada para a recém-restaurada Igreja de S. Luís, uma das mais bonitas da cidade. Não há muito a dizer: frango no espeto suculento (molho de manteiga e limão), batatas fritas caseiras (a pedido), arroz, empregados simpáticos com fardas gastas como mandam as regras e um óptimo ambiente. Um prato bem português, aqui no seu melhor. Para sobremesa há o tachinho da casa, uma espécie de encharcada muito boa.

O Churrasco
Rua das Portas de Santo, 83
29 euros (refeição para casal e um bebé)
4,5 estrelas - muito bom

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Escravos e negreiros




O Comilão acaba de ler Esclaves et Négriers, de Jean Mayer, um livrinho da colecção ilustrada Découvertes Gallimard. Já não é a primeira vez que o Comilão chega à conclusão de que, apesar de muito bonitos, parece que a leitura destes livros não proporciona grande prazer. Será o ter de saltitar entre texto, imagens e legendas? Justiça seja feita que já é o segundo livro sobre o tema que desilude o Comilão: o primeiro foi A Short History of Slavery, de James Walvin (está traduzido em português pela Tinta da China). É pena que, sendo um tema fascinante, os livros pareçam não estar à altura... Na passada sexta-feira o Comilão encontrou História da Escravatura, de David Turley, da Teorema (7,5 euros), que não sabia existir.

De qualquer modo aqui fica um excerto bem interessante do livro de Meyer: «O capitão vive com os nervos à flor da pele. Tem pressa de se ir embora. Quanto mais tempo se demora na enseada, mais ameaças que pairam por ali podem concretizar-se: doenças tropicais, epidemias, suicídios dos Negros que se afogam ou se atiram para as goelas impiedosas dos tubarões que rondam o barco», pág. 39

Esclaves et Négriers
Jean Meyer
Découvertes Gallimard
127 págs., 3 estrelas
cerca de 15 euros (adquirido na livraria Férin)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Hambúrguer de lula

Finalmente o Comilão conseguiu, contra a opinião da sua mulher, executar a sua receita de hambúrguer de lula (inspirada numa refeição que aparece em The Shipping News, o belíssimo livro de Annie Proulx. No filme, aparece mal traduzido como 'hambúrguer de polvo').

Comprei lulas descongeladas no Pingo Doce (as que havia), chouriço de porco preto e coentros, e pedi o Moulinex (um dois três) à minha mãe. A primeira rodada (lula, chouriço, alho, cebola e coentros) foi picada durante mais tempo e ficou quase liquefeita. A segunda ficou menos tempo. Depois formam-se os hambúrgueres e passam-se por ovo e pão ralado. E frita-se (neste caso em azeite). Esperava que o resultado tivesse um sabor parecido com o das lulas recheadas, mas devo confessar aos meus aficionados: não ficou nada de especial. A consistência era esquisita, o tom, por dentro, cor-de-rosa. Em todo o caso, se quiserem experimentar...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

UFO (Unidentified Fried Object)

Há quem me chame de louco
há quem me ache chanfrado
hoje ao pequeno-almoço
comi um ovni estrelado

domingo, 13 de novembro de 2011

Barry Miles, The Beat Hotel

Foi um presente de aniversário. E o Comilão, em vez de o deixar a definhar na prateleira, em lista de espera durante meses ou mesmo anos, atirou-se logo à leitura. E não se arrependeu. The Beat Hotel é um retrato apaixonante de um hotel de segunda da Rive Gauche por onde passaram nomes maiores da literatura americana. Era dos poucos onde se podia cozinhar nos quartos. O pano de fundo é a vida intelectual e boémia na Rive Gauche no final da década de 50, início da de 60.

Barry Miles é um jornalista com gosto pelo detalhe: questões de dinheiro, como comiam, onde cozinhavam, como se vestiam, que drogas tomavam, com quem dormiam, que cafés frequentavam, que livros liam e, claro, o que escreviam, nada é omitido.

Depois, abundam as histórias, contadas sempre com mestria e domínio do ritmo. Como aquela em que Ginsberg e Corso conhecem Marcel Duchamp numa festa elegante em casa do pai de um amigo (Jean-Jacques Lebel) e se põem a beijar as mãos do artista e a rastejar atrás dele.

O resultado é uma espécie de biografia de um lugar, enriquecida por incursões laterais, contexto, e micro-biografias dos protagonistas. Por exemplo, aqui fica um excerto sobre a mãe de Allen Ginsberg.

«Naomi era uma naturista praticante e andava frequentemente nua pela casa. Não era bonita: tinha excesso de peso e a barriga com cicatrizes de operações. Allen defendia que tinha sido a visão da sua mãe que o tornara homossexual, e queixava-se de que eram geralmente mulheres parecidas com ela que se sentiam atraídas por ele».

Sobre Gregory Corso, conta-se que foi abandonado pela mãe e que aos 12 anos foi preso por roubar um rádio. Passou praticamente toda a juventude em prisões, até ter ido para uma onde leu um dicionário de A a Z e descobriu a literatura, que lhe abriu as portas da regeneração.

William Burroughs, por seu turno, vinha de uma família abastada, mas acabou por desenvolver um fascínio pelo submundo, mergulhando nele até ficar preso na teia. Na Cidade do México viveu um episódio que o marcou para sempre quando matou a mulher numa brincadeira com uma arma de fogo. Foi para Tânger. Recebia da família um estipêndio mensal considerável de 200 dólares.

Com a saída de Ginsberg de Paris, Burroughs aproxima-se de Brion, pintor e poeta, e juntos fazem experiências com drogas, magia e espelhos. Criam uma máquina que provoca visões e expande a percepção, a Dreamachine (para experimentar com os olhos fechados). Inventam a técnica dos recortes, que aplicam à escrita. Nessa altura, Ginsberg já está longe e o gangue do Beat Hotel dissolvido, mas tinham aberto o caminho a todas as revoluções da década de 60.

Barry Miles
The Beat Hotel
Grove Press
275 págs., preço desconhecido (deve rondar os 16-18 euros)
4,5 estrelas
altamente recomendado pelo Comilão

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Julien Green, Paris

Hoje, sexta-feira dia 11/11/11, o Comilão levantou-se mais cedo que costume (mais propriamente às 06h30) e dedicou as primeiras horas do dia à leitura de Paris, de Julien Green, um livro da colecção de literatura de viagens que Carlos Vaz Marques (que também traduz e prefacia, e bem, a obra) coordena para a Tinta da China. Trata-se de um conjunto de pequenos ensaios dedicados a aspectos particulares e menos conhecidos da cidade, a memórias íntimas, a estados de espírito (associados a condições atmosféricas) e a descrições melancólicas. Os grandes monumentos, por exemplo, são deixados de parte. Em compensação, há curiosidades como o artigo sobre a Igreja de S. Julião o Pobre ou o dedicado às escadas da metrópole:

«Paris é uma cidade de escadarias que excitam a imaginação. Não estou a pensar nesses velhos palacetes, cujas escadas orgulhosas são como um discurso aristocrático em que cada patamar marca uma pausa entre dois períodos, mas sim naquelas escadarias burguesas ricas em segredos, desavenças, planos, ao ponto de um romancista não poder aproximar-se do primeiro lanço sem que uma personagem lhe venha sussurar uma palavra e revelar alguns traços do seu rosto. Conheço uma determinada escadaria em espiral no bairro do Templo onde a ideia de perseguição nos surge de forma irresistível. Numa outra, estreita e curva, a questão que se coloca é saber se um caixão passaria por ela sem danificar as paredes e a que pacientes manobras seria necessário entregarmo-nos para não incomodar o ocupante da grande caixa negra». pág.61

Julien Green nasceu em Paris em 1900, filho de pais americanos, e ali viveu sempre, exceptuando os anos de universitário na Virgínia, onde estudou Grego, Latim, Alemão, Literatura Inglesa e História, e os anos da II Guerra, em que se alistou no exército americano (durante a I Guerra havia lutado ao lado do exército francês). Foi o primeiro não francês a ser admitido na Academia Francesa (dados retirados da Nota Bibliográfica no final).

Julien Green
Paris
124 págs.
Tinta da China
3 estrelas

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Riverside

Comida e livros: estes são dois dos grandes prazeres do Comilão. Pois bem, o Centro Comercial Monumental, no Saldanha, oferecia, até há bem pouco tempo, um pouco de cada. No que toca a comida, o Riverside, um self service (comida ao peso) de gabarito. No dia do seu aniversário, foi lá que o Comilão se lembrou de ir almoçar, com a sua esposa e o pequeno Comilãozinho. E a comida esteve à altura das circunstâncias: maminha (bife, carne tenra, saborosa e bem confeccionada) com batata gratinada e um crepezinho de espargos. Uma combinação vencedora. Sendo este restaurante propriedade de brasileiros com origens italianas, oferece carnes grelhadas (maminha, picanha, salsicha), mas também massas, os ditos crepes, e ainda pratos de peixe, como óptimos filetes panados. Um local recomendado pelo Comilão.

Nesse mesmo centro comercial existiu até há coisa de um mês uma livraria muito apreciada pelo Comilão e sua família. BookIt, penso que era assim que se chamava. Infelizmente parece que fechou, ou tranferiu-se para o Saldanha Residence, mas com muito menores dimensões. Foi lá que o Comilão encontrou KGB - A Face Oculta, de John Barron, que procurava há muitos e muitos anos, e que a sua mulher finalmente encontrou um livro de Antonino Ferro que também há muito cobiçava. O último livro que o Comilão ali comprou chama-se A Holanda no Tempo de Rembrandt, de Peter Zumthor, da série Vida Quotidiana, da editora Companhia das Letras (Brasil). Uma obra muito interessante de que em breve o Comilão fará aqui uma pequeno resumo/ recensão.

Lisboa Antiga e Pontão: duas cervejarias

O Lisboa Antiga fica numa zona da cidade de Lisboa que o Comilão conhece mal - Benfica. Foi, por assim dizer, o primeiro restaurante que encontrou (e cujo aspecto lhe agradou). Reconheça-se que para isso também terá contribuído o nome. É uma casa despretensiosa, tipo cervejaria, mas que em certos aspectos até pode assemelhar-se a um snack bar.

Para começar, uns salgadinhos (secos, que se comeram com grande expectativa e pouco proveito) e uns carapauzinhos fritos (decepcionantes, sequíssimos). Pão e manteiga. Excelente saladinha de ovas, abundante e bem temperada. Depois, uma boa carne de porco alentejana (dose generosa) e um óptimo linguado grelhado, com legumes cozidos. Serviço muito simpático e atencioso. Enfim, uma refeição que deixa boas memórias. O preço ter-se-á aproximado dos €40, um valor muito aceitável tendo em conta as quantidades de comida que vieram para a mesa. Veredicto: 3,5 estrelas

Poucos dias antes, o Comilão tinha jantado (já passava da uma da manhã) numa outra cervejaria, desta feita em Linda-a-Velha. A essa hora tardia, o Pontão, assim se chama a casa, estava com grande movimento. O Comilão pediu um prego, mas este demorou tanto tempo a chegar à mesa (incompreensível, mesmo tendo em conta a grande afluência de clientela), que não resisitiu a mandar vir uma saladinha de ovas. Resultado: a salada estava quase insuportavelmente avinagrada (o Comilão só a comeu porque estava com tanta fome que até pedras da calçada era capaz de comer) e chegou à mesa apenas uns instantes antes do prego, esse sim muito bom. Serviço algo negligente. Preço: €10. Veredicto: 2,5 estrelas (merece uma segunda oportunidade)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

L'And Vineyard





O Comilão e a sua amantíssima esposa foram passar um dia e uma noite ao L'And Vineyard, um resort temático (de vinha e vinho, pois claro) perto de Montemor-o-Novo. Os quartos são impressionantes, mas estamos aqui para falar de alimentação. O restaurante é um pouco despojado para o gosto do comilão (acusticamente funciona mal, os ruídos são amplificados). A delimitar a zona dos empregados existe uma magnífica tábua de madeira que empresta um carácter acolhedor à sala e, nessa parede do fundo, uma estante com livros e garrafas de vinho.
De início cada comensal tem direito a uma mini-travessa (cortesia da casa) com: espécie de gaspacho com pimento e cebola delicioso; fatiazinha de paio de porco preto muito bom; azeitona; excepcional queijo de Serpa amanteigado (metade). Pão à la carte, por assim dizer (escolhe-se de um cestinho). Para entrada, ainda uma salada com alface frita, figo com duas texturas, presunto Pata Negra, lascas de parmesão (não estou certo, mas penso que sim) e molho de amêndoa. Tudo bem (a alface frita assim-assim), mas o molho de amêndoa estragava tudo. Parecia que estávamos a comer qualquer coisa boa com um molho do molotoff por cima...
Pratos: cachaço de porco preto e arroz de polvo com amêijoas. O cachaço estava sofrível, ou seja, pior do que qualquer um que comêssemos noutro restaurante. Um pouco ensanguentado, o que é inadmissível, visto tratar-se de carne de porco, quase queimado por fora e rijo por dentro. Via-se que não tinha sido cozinhado com tempo, pois de outra forma a carne estaria mais macia. O arroz estava muito apaladado, mas o polvo, apesar de cortado em pedaços finos, era rijo (talvez conviesse tê-lo congelado antes). Além de amêijoas o arroz continha outros mariscos. Mas repito: o sabor estava convincente. Depois veio ainda uma sobremesa que não deixou uma impressão muito forte: o Comlão recorda os incontornáveis frutos amarelos que fazem lembrar tomate cherry. Vinho da casa: muito jovem, não era mau, mas também não era famoso. Serviço pouco rotinado. Preço elevado para a comida (mas de acordo com o ambiente).

L'And Vineyard
2,5 estrelas
105 euros (refeição para duas pessoas com uma garrafa de vinho)

Veredito: não convenceu

Frutalmeidas

Às vezes tendemos a esquecer-nos de falar dos sítios onde vamos com frequência. O Frutalmeidas (há um perto da Maternidade Alfredo da Costa, outro numa perpendicular à António Augusto de Aguiar e outro ainda na Av. de Roma) é conhecido sobretudo pelos óptimos pastéis de massa tenra e pelos sumos. O Comilão é frequentador desde pequenino: depois de ir ao dentista, a mãe levava-o a comer gelados ao da AAA, para cicatrizar a ferida ou solidificar a massa. Curiosamente nessa altura o Comliãozinho não era apreciador, mas depois redescobriu o Frutalmeidas no Saldanha Residence, onde faziam uma boa tosta italiana. Além dos salgados, dos sumos de fruta, da salada de frutas com gelado e do delicioso bolo com chantilly e morangos, o Frutalmeidas também tem meias-doses a um preço acessível e bem confeccionadas. Hoje foi a vez de uns medalhões de pescada com molho de fricassé e arroz branco, de outra vez umas almôndegas muito saborosas, de outra ainda franguinho na tacho. Sempre de confiança, sempre bem feito, sempre a um preço muito convidativo. Além disso prima pela eficácia do serviço (tem uns empregados acelerados impecáveis) e pela higiene (pelo menos no que está à vista). Aconselhado pelo Comilão.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O rei da praia

O tipo era uma besta. Tinha os músculos desenhados em alto-relevo e alta definição. E andava sempre a exibi-los. A maior parte do dia trocava a cadeira de salva-vidas (que era parecida com a de um árbitro de ténis) pela esplanada da praia, onde passava horas em tronco nu a falar com as meninas, por detrás dos óculos escuros espelhados. Chamavam-lhe o matador-salvador.

Grandes malhas

O Comilão tem visto, nos últimos tempos, grandes filmaças.

Super 8 (de J.J. Abrams) - 3 estrelas Monumental, depois de um hambúrguer no Medeia. Logo a seguir a termo-nos sentado apareceu um primo que vive no Luxemburgo e estava cá de férias. Ficou um pouco encavacado de eu o ter apanhado a querer ver aquele filme e justificou-se imediatamente: «Ouvi dizer que era uma viagem aos anos 80 da nossa infância». Parecíamos dois homens casados que se encontram no bordel e um deles diz estar ali «porque a decoração é uma maravilha». Grande início e boa história manchada pelo excesso de explosões...

Hereafter (de Clint Eastwood, com Matt Damon) - 3 estrelas , DVD

A Porta no Chão (com Jeff Bridges) - 3,5 estrelas, DVD

Os miúdos Estão Bem (com Annette Benning e Julianne Moore) - 3,5-4 estrelas DVD

Pequenas Mentiras entre Amigos (Les Petits Mouchoirs) - 4 estrelas UCI El Corte Inglés, 1.ª fila

Assim é o Amor (Begginers, de Mike Mills, com Ewan McGregor e Christopher Plummer) - 4,5 estrelas UCI El Corte Inglés 22/09/2011

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Mais um jantar espanhol

O Comilão e sua amantíssima esposa prepararam mais um jantar de petiscos no passado sábado. A ementa constou de: gambas cozidas (em post próximo o Comilão explicará como obter os melhores resultados), presunto, salada de agrião com balsâmico, salada de alface para as gambas (tipo cocktail, com o respectivo molho), queijo boursin com ervas e alho, ovos mexidos com cebola e tomate, três tipos de pão (rústico com nozes, broa de milho, outro pão embalado que não era mau) e manteiga. O presunto merece algumas palavras especiais. Na charcutaria do Corte Inglés, como é sabido, há-os para todos os gostos e todas as bolsas. O Comilão optou pelo 5 Jotas, em detrimento do Joselito de Salamanca, que foi considerado o melhor presunto do mundo. O 5 Jotas também tem fama, e custa 179 €/kg (menos 5€/ kg do que o rival). 70 gramas (12€) chegaram para fazer a festa, como mostra a imagem. É um presunto de qualidade superior, com a gordura bem distribuída. Delicioso sabor, óptima textura. Grande categoria. Vale bem o preço. A refeição foi regada por cerveja loira, Sagres Preta, meia garrafa de vinho branco e depois um whiskey Lagavulin, um néctar das Highlands.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Carvões em brasa

Há palavras incandescentes
que nos queimam a boca
e iluminam por dentro.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

9/11, A Torre do Desassossego




Os 10 anos do 11 de Setembro estão aí à porta. Por isso o Comilão dedicou os últimos tempos a ler avidamente A Torre do Desassossego (The Looming Tower, no original), de Lawrence Wright. Wright é um jornalista da New Yorker. Um jornalista brilhante, diga-se, e, tanto quanto dá para perceber, um pesquisador obsessivo (como se verifica numa nota deliciosa dedicada à verdadeira altura de Bin Laden).

Resulta daí um livro que é um verdadeiro monumento de investigação e esclarecimento. Mas que se lê com enorme prazer. Começa com as origens do fundamentalismo no Egipto e a sua repressão nas prisões, numa cadeia de acções e reacções. Tem páginas fascinantes sobre o pai de Bin Laden e a vida na Arábia Saudita (Wright candidatou-se a um lugar de estagiário num jornal para conseguir um visto para viver no país). A história da ascensão do regime talibã no Afeganistão e de como modificou os hábitos é ao mesmo tempo fascinante e aterradora.

Curiosamente, é quando a narrativa chega aos preparativos dos ataques de 11 de Setembro que perde algum gás, no meu entender. Mas mesmo aí é muito bom.

Lawrence Wright
A Torre do Desassossego
Prémios Pulitzer, LA Times e Bernstein
371 págs.
Casa das Letras
Veredicto: 4,5 estrelas (quase 5)

Adquirido em promoção por 7 euros na Fnac Chiado (o preço normal é 24,23 €)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

cognome

O Comilão andou a tomar umas drogas malucas e agora tem outro cognome:

o biblionário

esferográfica (poema)

a minha caneta não dá erros de ortografia.
É uma fonte e uma espada,
a maleita e o seu comprimido.
É o sexto dedo da mão direita
formando um só corpo comigo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A cara dos humoristas




Há humoristas que são humoristas porque dizem coisas engraçadas. E há outros que o são porque têm cara de parvo. Em geral prefiro os com cara de parvo, mas não é o caso.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Lucian Freud (8.XII.1922-21.VII.2011)



Em 1988 o crítico Robert Hughes considerou-o «o maior pintor realista vivo» e o epíteto colou.
Lucian Freud, neto de Sigmund Freud e filho de um arquitecto, nasceu em 1922 em Berlim. Em 1933, ano em que Hitler se tornou chanceler, a família fugiu para Inglaterra, mas como não o fizeram na condição de refugiados puderam levar todos os seus bens. Lucian era um apaixonado por cavalos e por vezes dormia nos estábulos. Já com mais de 80 anos era visto a montar num clube hípico perto do seu estúdio em Holland Park. E apostava furiosamente nas corridas de cavalos, ao ponto de chegar a receber ameaças de morte por causa de dívidas de jogo. Uma situação delicada de que o seu amigo Nathaniel Charles Jacob, 4.º barão de Rothschild, o tirou, na condição de não se repetir e de o dinheiro nunca ser devolvido.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Guerra e Paz



O Comilão acaba de ler a sua edição da Pléiade de Guerra e Paz. Tem uma introdução breve, como se impõe. Embora o seu domínio do francês não seja perfeito, Comilão detectou duas gralhas, indesejáveis mas talvez inevitáveis numa obra de mais de 1600 páginas.
Não vale a pena estar aqui com grandes considerandos, pelo que me cingirei ao top 4 das cenas mais notáveis (por ordem crescente):
4. O jovem Rostov perde uma fortuna ao jogo
3. Descrição do ambiente na casa dos Rostov
2. Os Rostov, em fuga, têm de decidir-se entre carregar os seus bens ou ajudar os soldados feridos, num episódio que antecipa A Lista de Schindler, de Spielberg (quando Schindler começa a olhar para os seus bens e começa a avaliá-los em função de quantas pessoas poderia salvar com o resultado da sua venda)
1. O velho e irascível príncipe Bolkonsky pensa que o seu filho foi morto na guerra. Encontra-se, por isso, de pior humor ainda que de costume, quando o seu mordomo lhe anuncia que mandou limpar a neve do caminho para a chegada do príncipe Basílio, que vem 'negociar' o casamento do seu filho, Anatole, com Maria.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Charcutaria, Campo de Ourique

Trata-se de uma antiga leitaria e de um exemplo típico dos restaurantes de bairro que floresceram em Campo de Ourique. Casa pequena, de ambiente simples mas cuidado, decorada num estilo alentejano-minimalista. Falemos da comida. Couvert de pão tipo saloio com bom paté caseiro. O Comilão pediu manteiga, que não veio no pacote habitual, mas apresentada em fatia generosa sobre pires.

Para prato principal, secretos de porco preto com migas de batata e couve. Cortados em fatias pequenas e muito finas, e regados com azeite e coentros, os secretos eram um manjar dos deuses. As migas acompanhavam lindamente. Foi pena a dose não ser mais abundante. O Comilão também provou o polvo assado com batata a murro, tipo polvo à lagareiro mas cortado em pedacinhos como na salada de vinagrete. Muito bom, também, mas menos surpreendente. Para a sobremesa, sericaia com ameixa rainha-cláudia de Elvas (veio para a mesa já dividido ao meio, o que é simpático). Para acompanhar a sobremesa o Comilão solicitou um copo de vinho (5 euros), que ligou muito bem com a sericaia. Descafeínado.

Veredicto: comida muito bem confeccionada, de qualidade. Doses algo sovinas.
50 euros
4 estrelas

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Um conselho de Robert Zimmerman

An artist has got to be careful never really to arrive at a place where he thinks he's at somewhere. You always have to realize that you're constantly in the state of becoming, you know?

trad.: Um artista tem de ter cuidado para nunca chegar a um sítio onde pense ter conseguido atingir alguma coisa. Devemos ter sempre presente que estamos constantemente em vias de nos tornarmos, percebes?

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Méson Andaluz





O Méson é talvez o único restaurante de um centro comercial que vale a pena visitar de propósito (outro dia o Comilão também visitou O Madeirense nas Amoreiras, mas não lhe pareceu tão bom como outrora). Fica no Cascais Shopping, para onde se transferiu da sua localização original na Parede. Uma vez que é um restaurante caro, o Comilão e sua mulher costumam optar pela selecção de tapas (qualquer coisa como sete tapas por vinte euros), mas os pratos também costumam ser muito bons. Da última vez escolhemos entradinhas de: maionese de batata, empada de aves, sardinhas de escabeche, favada, salpicão de marisco, cogumelos salteados, saladinha de polvo, uma tortilha e duas belas cervejas. A comida pecou por algum excesso de gordura (e o Comilão nem é esquisito nesse aspecto). Depois houve uma óptima sobremesa de que o Comilão já não recorda, talvez um bolo de chocolate com bola de gelado (o leite creme, ex libris da casa, é delicioso). Serviço competente e muito atencioso.

O credo do credor

Creio que todos me devem
e ninguém me paga.
Creio em liquidar as dívidas
até ao último cêntimo.
Creio que os caloteiros são uma praga
(mas são também o meu sustento).

Credo do escritor

Para escrever
não é preciso ser bonito,
nem rico,
nem forte.
Basta ter papel e cabeça.

Bife na brasa

Este fim-de-semana o Comilão cozinhou um bife que, modéstia à parte, estava muito saboroso. Eis o procedimento:

No supermercado, comprei dois bifes de novilho à cortador, cerca de 250 gr. cada um. Em casa, à falta de martelo para bifes, bati-lhes com a lâmina de uma faca pesada, de forma a as incisões fazerem uma rede. Cortei os nervos nas pontas, para não encurvar. Depois esfreguei-o com alho. Preparei um bom lume de carvão. Coloquei os bifes quando o carvão já estava em brasa e a grelha bem quente. Depois coloquei um pouco de alecrim ao lado das brasas, para o seu fumo perfumar ao de leve os bifes. Só coloquei o sal com os bifes já ao lume, pois antes o sal puxa os sucos da carne, tornando-a mais seca.

A sorte com a carne foi outro factor essencial para o sucesso da receita.

Restaurante Sampaio

Fim-de-semana prolongado. Na quinta-feira, jantar em Montemor-o-Novo, num restaurante com tradição que o Comilão frequentou pontualmente noutros tempos, o Sampaio. Para entrada um queijinho seco e um paio de porco preto bons (penso que há uns anos havia croquetes). Depois uma farinheira frita, demasiado gordurosa.

Como a escolha de prato principal não era muito variada (pezinhos de porco, ensopado de borrego e o prato eleito), optou-se pelo Bacalhau à Brás, saboroso, mas regular (imperdoável não vir acompanhado sequer por uma saladinha). Para sobremesa bom melão e bom molotof.

Uma nota: foi pena o ambiente ter qualquer coisa de triste. A um jantar em dia de semana era previsível... A sala - bonita, bem decorada com alfaias agrícolas antigas e as duas talhas cortadas ao meio a esconder os lavatórios - encontrava-se completamente vazia, dominada por uma pequena televisão com o volume demasiado alto (que distraía o empregado, sempre simpático, e atrapalhou o serviço). Depois, já tarde, chegou um grupo de quatro jovens. Essa mesa e a nossa foram as únicas ocupadas naquela noite.

Sampaio
Rua Bento Gonçalves, 2 (estaciona-se na bomba de gasolina)
Montemor-o-Novo
49 euros (refeição para duas pessoas e meia)
Veredicto do Comilão: 2 estrelas (pontuação penalizada por três aspectos: pouca variedade, sala vazia, preço elevado)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Uma receita da minha mãe

Esta noite, ao jantar, o Comilão fez um prato que é muito simples e bastante apreciado lá em casa. Pode-se usar costeletas (magras) ou bifinhos do lombo de porco. Primeiro batem-se os bifes com um martelo de cozinha para a carne ficar mais tenra. Numa frigideira põe-se metade de margarina e metade de azeite.

Quando essa gordura já estiver bem quente coloca-se a carne, temperada com sal e bastante alho esmagado (uma folha de louro é opcional). A carne fica a fritar. Entretanto vai-se fazendo o arroz (primeiro, azeite com um dente de alho, depois junta-se o arroz, que fica a corar um pouquinho, e só então a água, numa proporção um pouco menor do que dois para um, para ficar soltinho).

É muito importante a carne ganhar cor - e para isso o lume não pode estar muito baixo -, deixar as pontas começar a colar à frigideira, ver o alho a adquirir uma tonalidade castanha-alaranjada. Nesse ponto polvilha-se tudo com coentros picados. Espreme-se meio limão, bem distribuído, sobre a frigideira.

Et voilà! Aí fica uma refeição rápida, fácil, barata e, desde que bem feita, muito apetitosa. Atenção: o tempo é fundamental para a carne ficar no ponto desejado - qualquer cozinheiro mediano será capaz de reconhecer, pela cor, o momento oportuno.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um poema de António Gedeão

Parece não estar muito em voga, talvez porque a rima tenha saído de moda, mas para o Comilão é um dos grandes poetas portugueses (ou estrangeiros) do século XX. Aqui fica um dos seus bons poemas:

Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Notas de um viajante

A propósito da venda de dívida externa:
Ora aí está uma óptima ideia do ministro das Finanças: vender dívida. Também tenho de pensar fazer isso. Vender a minha dívida ao banco e ver-me livre dela para sempre. De resto, até posso fazer um desconto. Mesmo que me dêem pouquinho, se não tiver de pagar o empréstimo da casa ao fim do mês já não é mau.

Descontos:
Nos museus e sítios arqueológicos, como a ilha de Delos, há desconto para estudantes e desconto para a 3.ª idade. Desconfio que há pessoas que acumulam os dois descontos e se calhar ainda lhes pagam para entrar. Pelo andar da carruagem, tenho a certeza de que daqui a uns tempos ninguém tem de pagar o bilhete por inteiro: os que ainda não são da terceira idade são estudantes; os que já não são estudantes é porque já entraram na terceira idade. E por fim temos a maioria silenciosa dos terceiros de estudante idade, perdão, dos estudantes de terceira idade. Aprender até morrer.

Na ilha de Mykonos praticam-se preços originais. Um iogurte com mel pode custar seis euros na esplanada de uma gelataria ventosa. Em contrapartida, uma garraga de água de meio litro custa invariavelmente 50 cêntimos (mas a qualidade é proporcional ao preço).
Mikonos é conhecida pelos gays, que gostam de se bronzear nas suas praias. Talvez por isso haja tantas lojas de grandes e pequenos costureiros. O ambiente é propício a um consumo desenfreado. E há boas discotecas onde exibir as roupas acabadas de adquirir. Felizmente, para expiar os pecados, existem quase tantas igrejas como lojas e discotecas. Numa das praças centrais a vista alcança nada menos do que cinco templos.

Ainda a caminho de Delos, um maluquinho passa uns bons vinte minutos a limpar a lente da máquina fotográfica (imagino quanto tempo perderá a limpar os óculos). Penso que ao fim e ao cabo não se limita a limpar: também está a polir. Tem uma mochila de campismo apenas para transportar o seu material fotográfico. Usa uma pequena bomba de ar para afastar os grãos de pó da lente e das ranhuras. É semelhante a um foguetão, o que acaba por fazer sentido: a objectiva é tão grande que faz lembrar um telescópio.

A cerveja e as medalhas:
Quando pedimos uma cerveja e vemos que já recebeu 10 medalhas de ouro e 20 de prata (Bruxelas, 1991, Lyon, 1992, etc., etc.) pensamos: 'Nem o Carl Lewis conquistou tantas medalhas. Esta cerveja deve ser mesmo boa'. Mas, quando a provamos, afinal a cerveja parece-nos igual a tantas outras.

Tempo e dinheiro:
Os aeroportos têm lojas caríssimas, mas isso é um erro. As pessoas que têm dinheiro para comprar alguma coisa nessas lojas andam sempre a correr e por isso não têm tempo para comprar seja o que for. Quem passa mais tempo nos aeroportos são os pobrezitos, que compram os bilhetes mais baratos (ou seja, com escalas demoradas) e já gastaram o dinheiro todo na viagem.

Restaurante XL

O Comilão nunca tinha tido oportunidade de visitar este XL. Haviam-lhe dado referências - e não eram as melhores. A primeira impressão, a caminho do bar, onde esperámos uns minutos apesar de termos mesa reservada, foi olfactiva: um cheiro, já pouco habitual e não completamente desagradável, de local onde se fuma (o Snob também tem este cheiro misturado de madeiras e fumo de tabaco). Ambiente muito bonito, com madeiras brancas e candeeiros de parede, algumas escadinhas de madeira, bar com tabaco. Mesas muito simples tipo brasserie.

Vamos à comida. Antes do mais, um pãozinho (fresco ou tostas) com azeite. O Comilão não costuma apreciar o dito, mas este estava bom, pois o azeite tinha um dente de alho esmagado a perfumá-lo e sal grosso. Para entrada veio Camembert panado com doce de framboesa. Muito agradável. Para prato principal, duas carnes: rosbife com salada russa e bife do lombo à XL (manteiga e alho). O primeiro estava divinal e era em quantidade apreciável. Vinha com um molhinho por cima (aparentemente pimenta, mas muito, muito suave) que realçava as qualidades da carne. Excepcional.

Já o bife, apesar de bom às primeiras garfadas, acabou por tornar-se enjoativo. Com aquela matéria-prima podia fazer-se (bastante) melhor. A salada mista que veio para complementar as batatas fritas também se revelou pobre e pequena (apesar disso ainda sobrou, pois vinha temperada com uma erva de sabor muito intenso e desagradável para o paladar do Comilão). Sobremesa: crocante de chocolate, na realidade uma mousse (muito boa, mas sem surpreender) num cestinho de massa estaladiça. A refeição foi regada com meia garrafa de José de Sousa (foi notada um pouco de espuma num dos copos e o empregado prontamente trouxe outra garrafa). Serviço simpático, por vezes incompreensivelmente demorado. Um pormenor: na carta de vinhos havia uma garrafa de seis litros (o Comilão não fixou o nome) que custava a módica quantia de seis mil duzentos e tal euros.

XL
Calçada da Estrela, 57-63 (perto da Assembleia da República)
Tel. 21 395 61 11 (marcação aconselhada)
Preço da refeição para duas pessoas: 75 euros (mais 5 de gorjeta)
Só abre ao jantar

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Manoel de Barros

Certa palavras têm ardimentos; outras não.
A palavra jacaré fere a voz.
É como descer arranhado pelas escarpas de um serrote.
É nome com verdasco de lodo no couro.
Além disso é agríope (que tem olho medonho).


Concerto a Céu Aberto para Solos de Ave

Manoel de Barros nasceu em 1916 e é um dos grandes poetas brasileiros vivos. Carlos Drummond de Andrade recusou o 'título' de maior poeta brasileiro em seu favor. O primeiro livro que escreveu perdeu-se. O segundo, Poemas Concebidos Sem Pecado (1937), foi feito numa tiragem artesanal de 21 exemplares por amigos. Viveu na Bolívia, Perú e Nova Iorque, mas regressou ao Brasil na década de 60 para se dedicar à criação de gado. Só na década de 80 começou a ser descoberto, muito graças a Millôr Fernandes. António Houaiss comparou-o a S. Francisco de Assis e outros chamam-lhe 'o Guimarães Rosa da poesia'. Entre outros prémios, recebeu dois Jabuti (1989, 2002; um em poesia, o outro em ficção) e o Jacaré de Prata.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Olivier Avenida (Hotel Tivoli)

O Copmilão já comeu no Olivier por duas vezes, uma ao almoço, a outra ao jantar (de nenhuma das vezes pagou a conta). Confesso que acho a figura de Olivier, que tive oportunidade de conhecer em 1986, num cruzeiro russo onde o seu pai era reponsável pela cozinha (a comida era péssima), um pouco irritante. Da primeira vez andava de polo desportivo a tratar com um ar condescendente clientes engravatados. Além disso, pelo menos na Rua do Alecrim, o 'logo' é claramente inspirado (para não dizer imitado) no da Cartier. E, para terminar este já longo preâmbulo, a decoração do espaço do Tivoli, com aqueles sofás capitonés a armar ao pingarelho e candelabros da Area, não é muito do meu agrado. Mas adiante.

Nesse primeiro almoço, promovido por uma editora, pedi um dos pratos do dia: espetadinha de frango com ervas. A espetada veio para a mesa sobre uma pedra (algo que também não me agradou). Qual não foi o meu espanto quando, ao cortar a carne, constato que ela está quase completamente crua no interior! Achei aquilo inenarrável, algo que não aconteceria nem no restaurante mais amador, mas como era convidado não fiz alarido. A pessoa ao meu lado comeu uma massa, tagliatelle com funghi ou qualquer coisa do género, que também não tinha grande aspecto. Enfim, uma refeição miserável.

Quando regressei ao Olivier, num jantar oferecido pela empresa, temia pois o pior. Mas eis que sou surpreendido. Entre outras entradas menos memoráveis, um carpaccio de polvo (curiosamente o aspecto fazia lembrar o de uma pizza) delicioso. Depois, como prato principal, uma espécie de tagliata (bife alto cortado em tiras na diagonal) estupenda. Seria a famosa carne de Kobe? Não posso afiançar, mas era de uma rara qualidade. Acompanhava com uma massa com trufas que, para mim, não era o acompanhamento ideal, mas estava boa. Também ajudou o facto de a refeição ser regada com um Casa dos Zagallos, penso que reserva. Um grande vinho.

Resumindo: o Comilão tem duas opiniões antagónicas do Olivier. Mas evitem a espetadinha de frango: aves cruas não são um bom alimento.

Olivier Tivoli Jardim
Rua Júlio César Machado (perpendicular à Avenida da Liberdade, lado esquerdo de quem sobe), n.º 7, Lisboa
Tel.: 21 317 41 05
1 estrela (almoço)
4,5 estrelas (jantar)

Preço: não divulgado

Almoço em Abbotabad. Osama bin Laden (1957-2011)

Para que não haja mal-entendidos, o homem mais procurado figura aqui não como herói ou mártir, mas como personalidade singular.
Era o 43.º de 53 filhos de um emigrante imenita que se tornou o homem mais rico e poderoso da Arábia Saudita (a seguir à família real). Segundo Abdel Bari Atwan, editor de um jornal árabe sediado em Londres, o pequeno Osama não gostava de brincar com as outras crianças. Preferia acompanhar o pai nos seus negócios e deveres religiosos. Assim se tornou uma espécie de favorito, o que ajuda a explicar o choque que sofreu quando, com apenas dez anos, soube da morte do pai num acidente com o seu avião particular. O piloto era americano.
Com 25 anos Bin Laden abdicou de uma vida com todos os confortos para se juntar aos resistentes mujahidines que defendiam o Afeganistão das tropas russas. Por essa altura, já a sua formação religiosa seguira a via mais radical.
O seu fanatismo religioso fez com que desenvolvesse um ódio aos americanos por colocarem, com permissão do Rei, tropas no país (Arábia Saudita) onde se encontram os dois locais sagrados do Islão: Meca e Medina.
Foi também no Afeganistão, nas montanhas de Tora Bora (onde Abdel Bari Atwan o entrevistou), que os americanos estiveram perto de capturar Bin Laden. Desta vez, quando o descobriram em Abbotabad, para não o deixarem escapar pensaram lançar umas poucas dúzias de bombas de duas mil libras cada (cerca de uma tonelada). Mas como identificar o corpo? Assim optaram pelo assalto. E levaram com eles o cérebro, propositadamente conservado para esse efeito, de uma irmã do terrorista (que havia morrido de um tumor num hospital de Boston) para fazer o teste de ADN. Lavaram o corpo, embrulharam-no num lençol branco, ataram-lhe um peso de chumbo e largaram-no nalgures no Norte do Mar Arábico. Resta saber se tudo isto corresponde, e em que medida, à verdade.
O Comilão já almoçou (não se lembra o quê) em Abbotabad (Paquistão), onde Bin Laden foi morto. Possivelmente ao lado do criminoso mais procurado do mundo. Os restaurantes paquistaneses têm pequenas salas, tapadas por cortinas, para os clientes desfrutrarem das suas refeições com privacidade.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma página desconhecida de A Coroa e a Lira

O poeta Alcibíades de Naxos viveu entre 402 e 345 a.C. A sua obra perdeu-se irremediavelmente, à excepção de um fragmento de poema:

«... e quando estávamos muito perto
metade da tua cara
ocupava metade do universo...»

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Os meus apontamentos de Borges, Biblioteca Pessoal

Aqui ficam algumas anotações de excertos de Biblioteca Pessoal, de Jorge Luis Borges:

As ficções de H.G. Wells foram os primeiros livros que li; talvez venham a ser os últimos

Kafka é o escritor clássico do nosso estranho e atormentado século [16]
No ano final do século XIX morreram em Paris dois homens de génio [Eça de Queiroz e Oscar Wilde]. Que eu saiba, nunca se conheceram, mas ter-se-iam entendido admiravelmente.
Em O Primo Basílio (1848) chama-se a atenção para a sombra tutelar de Madame Bovary, mas Émile Zola achou-o superior ao seu indiscutível arquétipo e agregou ao seu ditame estas palavras: «Fala-vos um discípulo de Flaubert» [28]
[Robert Graves] nunca tratou de ser moderno; declarou que um poeta deve escrever como um poeta e não como um período
No prefácio de uma antologia da literatura russa Vladimir Nabokov declarou que não tinha encontrado uma única página de Dostoievski digna de ser incluída. Isto quer dizer que Dostoievski não deve ser julgado por cada página mas antes pela soma das páginas que compõem o livro [42]
Bernard Shaw escreveu «Nada há de novo em O'Neill, salvo as novidades». Os epigramas engenhosos não precisam de ser justos [47]
Há estilos que não permitem ao autor falar em voz baixa [53]
O esquecimento bem pode ser uma forma profunda de memória [55]

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Apontamentos sobre Tolstoi

Retirados da biografia de Henri Troyat (Fayard):

A família, com Leon Tolstoi doente, partiu para Astaparovo ao seu encontro num comboio especial que custou 500 rublos [822]
Na estação, os comboios não apitavam antes de partirem, para não incomodar Tolstoi [825]
Em Março de 1895, com 67 anos, Leon Tolstoi aprendeu a andar de bicicleta, numa que lhe havia sido oferecida pela Sociedade Moscovita de Amadores de Velocípides. Pouco antes, a morte do seu filho mais novo, Vanitchka, havia provocado um profundo sofrimento na família [618]
Para todas estas pessoas, Leon Tolstoi era um monumento nacional e ninguém tinha o direito de as impedir de o visitar [729]
O domínio de Pirogovo [...] com as suas árvores alinhadas como para uma parada militar [705]
O escultor Merkurov moldou a sua máscara funerária e o pintor Pasternak, vindo de Moscovo com o seu filho Boris, instalou o seu cavalete perto da cama [835]

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Novo produto financeiro com nome de insecto voador

Numa época de valorização dos materiais preciosos, as agências do Banco Espírito Santo estão a oferecer aos seus clientes um novo produto de elevado rendimento: o BESouro.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Le Petjt

O Le Petit (o Comilão usou uma grafia arcaica no título) era originalmente dois restaurantes: o chamado 'Petit Rico' (ou Petit dos ricos, onde era frequentemente visto o antigo presidente do Sporting Sousa Cintra) e o 'Petit Pobre' (ou dos pobres). Só o segundo sobreviveu, sendo o primeiro actualmente uma loja de peixe congelado que mantém na fachada os azulejos azuis e brancos com desenhos de putti que condiziam com o nome do restaurante.
Recentemente renovado, à entrada mantém o barco com o produto da faina - o peixe e o marisco são o prato forte. A decoração recebeu cadeiras novas de plástico azul e aquários ultramodernos. A sala tem uma abertura para a cozinha que permite atestar o seu asseio e competência. Para celebrar o seu regresso a terras lusas, o Comilão e sua mulher elegeram conquilhas à Bulhão Pato (foi uma pena algumas terem areia, de resto estavam deliciosas). Em seguida, veio um robalo de mar grelhado para dois (um pouco menos de um quilo). Uma maravilha (note-se que noutros tempos vinha com mais abundância de acompanhamentos e óptimas torradinhas com manteiga de alho). Serviço simpático e eficiente. O preço é que não foi tão simpático: 61 euros (refeição para duas pessoas com refrigerantes e cafés).

Restaurante Le Petit
Rua Major Afonso Palla
Algés
4 estrelas

Ausência




O Comilão pede desculpa aos seus incontáveis fãs e amigos pela prolongada ausência destas lides. O motivo: duas semanas de férias na Grécia. Em breve haverá um post dedicado à cultura helénica e, naturalmente, à sua comida.

Cordialmente,
o Comilão

terça-feira, 12 de abril de 2011

A biblioteca pessoal de Hitler



O Comilão tinha decidido que não pegaria em mais livros sobre Hitler e a II Guerra, depois de ter lido J'étais le garde du corps d'Hitler, de Rochus Misch (Le livre de poche) - uma decepção. No entanto, quando viu A Biblioteca Pessoal de Hitler sentiu a curiosidade renascer e, ao ler as primeiras páginas, logo se dissipou a desconfiança inicial. Este livro não só acrescenta alguma coisa - bastante, diria mesmo - como está escrito de forma elegante e envolvente. Ao longo de dez livros (capítulos) vamos acompanhando um percurso que começa com o cabo nas trincheiras e termina com o führer a suicidar-se no seu bunker. Contém uma panorâmica da vida do ditador, boas descrições de ambientes e ainda alguns dados novos e tão curiosos como reveladores. Aqui fica um excerto:

Timothy S. Ryback
A Biblioteca Pessoal de Hitler
Civilização
316 págs., €19

3,5-4 estrelas (critério exigente)

terça-feira, 5 de abril de 2011

75 nomes próprios masculinos começados por A

Abel, Abelardo, Abílio, Abraão, Acácio, Adalberto, Adão, Adelino, Adérito, Adílio, Adriano, Afonso, Agostinho, Aguinaldo, Alarico, Albano, Albérico, Alberto, Albino, Albuquerque, Alcides, Alexandre, Alfredo, Alípio, Almerindo, Álvaro, Amadeu, Amâncio, Amândio, Amaral, Ambrósio, Américo, Amílcar, Anacleto, Anacoreta, Anacreonte, Anastácio, Anaxágoras, Anaximandro, André, Angelino, Ângelo, Aníbal, Anísio, Anquises, Anselmo, Antão, Antenor, Antero, António, Antonino, Apolinário, Apolónio, Apuleio, Aquiles, Aquilino, Aragão, Aristides, Aristóteles, Arlindo, Armando, Arménio, Armindo, Arnaldo, Arquimedes, Arsénio, Artur, Ascânio, Ascêncio, Asdrúbal, Atanagildo, Átila, Augusto, Aurélio, Avelino

Zona Verde

Parece um restaurante atípico, mas come-se bem. Fica ao lado de um jardim (daí o nome), em Estremoz, e entra-se por uma porta de vidro, que dá para um café com um balcão de alumínio onde costuma haver homens em pé a bebericar qualquer coisa e a ver televisão. A sala de jantar (que há tempos foi aumentada) fica a seguir a uma passagem estreita. No mesmo fim-de-semana do malfadado jantar na Adega Típica Quarta-Feira, o Comlião e sua família foram ao restaurante Zona Verde. Para começar, a saladinha de polvo com maionese, o cefalópode sempre tenro, a maionese a dar um toque de originalidade nada disparatado. A seguir, uma omoleta de espargos. Muito bem feita. E para rematar uma vitela estufada (fatiada fininha) com ervilhas. Só a cor das ervilhas era uma coisa que dava gosto. E o sabor não desiludia. Um pratinho daqueles caseiros que fazem recordar os sabores dos bons velhos tempos. Para a sobremesa há uma boa sericaia com ameixa de Elvas.

Enguias fritas

Há uns fins-de-semana atrás o Comilão e sua família foram almoçar à Tasca do Vítor, em Alcochete. Antes do conduto veio uma boa saladinha de polvo. Depois, o Comilão optou pelas enguias fritas, que andava para comer há muito tempo, em virtude da memória de as comer em pequeno num restaurante de Setúbal, o Copa d'Ouro (onde em tempos houve um macaco). As enguias estavam boas, mas podiam ser mais gordinhas, e para o final tornaram-se algo enjoativas (dispensava-se as cabeças virem para a mesa). O arroz de tomate estava óptimo. A mulher do Comilão comeu linguadinhos fritos com açorda, que ali são sempre seguros. Mas o melhor da Tasca do Vítor talvez sejam as ovas fritas. Rosadinhas, pequenas, maravilhosas. É pena que ultimamente nunca as haja...

quarta-feira, 30 de março de 2011

CCCP - Cosmic Communist Constructions Photographed


Mais um belo álbum de arquitectura editado pela casa de Colónia. Com a mais-valia de tratar um tema até aqui esquecido: a originalidade das obras, por vezes colossais, que despontaram sobretudo nos territórios periféricos da URSS nos anos 1970-1991. O espírito desta pesquisa é semelhante ao que deu origem a Bunker Archeology, de Paul Virilio (sobre as ruínas do Muro Atlântico, uma gigantesca rede de fortificações começada a construir pelos alemães na costa ocidental francesa, para prevenir uma invasão dos Aliados). Aqui fica um excerto do brilhante ensaio que abre o livro: «Os objectos aqui apresentados emergiram longe da Califórnia, sob as diferentes latitudes da URSS. Manifestam a alucinação colectiva de uma época, o must da space age: a nave espacial. A rivalidade entre os dois blocos era tanta que, da América à Rússia, eram partilhados os mesmos fantasmas [...]. A partir de um horizonte comum, a aventura espacial, e do mesmo culto, o da ciência, desenvolve-se um desejo semelhante de absoluto. Astronauta ou cosmonauta, o homem novo libertava-se da gravidade. Gagarine gabava-se de não se ter cruzado com Deus no espaço. O progresso ia esclarecer os grandes mistérios. E, no entanto, a racionalidade triunfante não neutralizou o sonho. Muito pelo contrário. A ciência criou a sua própria mitologia, a ficção científica. Um género partilhado pelos dois blocos», pág. 29

O aspirador

Será que foi o papa-formigas que inspirou o aspirador? A única diferença é que enquanto um enche a barriga com partículas de pó, o outro se alimenta de pequenos invertebrados.

Mercearia

No sábado passado o Comilão foi à Mercearia (antiga Mercearia Covilhanense, talvez daí o sotaque nortenho da proprietária, que também serve à mesa), na Madragoa. É um restaurante simpático, com um ambiente autêntico e boas matérias-primas. A lista não prima pela imaginação, mas o bife da vazia com pimentinhas é sempre seguro. Óptimas batatas fritas, que alguém se queixou de estarem excessivamente salgadas. Também veio uma dose de pataniscas de bacalhau (boas, embora o Comilão as prefira mais finas e leves) com arroz de tomate (não tão bom). O Comilão provou ainda o bacalhau à brás (regular). Tudo pesado, o bife continua a ser a melhor opção. Houve sobremesa: um bolo de aniversário de ovos e amêndoa, daqueles tão bons quanto enjoativos. Vinho Quinta de Cabriz. Total: 18 euros (pessoa) 3 estrelas

terça-feira, 29 de março de 2011

Bartleby


O Comilão acaba de ler Bartleby, de Herman Melville, o autor de Moby Dick. É um livro estranho e kafkiano, uma terrível história de solidão no meio da grande metrópole. Encontra-se escrito com uma aparente ingenuidade que nos deixa desconcertados, tal como a atitude de Bartleby nos deixa desconcertados, inspirando ao mesmo tempo piedade e irritação: o que fazer com uma pessoa destas, que apesar de se encontrar numa situação de dependência se recusa teimosamente, e até com uma ponta de sobranceria, a fazer o que lhe pedem? Bartleby é também um 'livro de escritores': o ofício de escrivão coloca questões sobre a verdade, o rigor e a utilidade da escrita. Aqui fica um dos excertos favoritos do Comilão:


«Ah! A felicidade busca a luz, e por isso pensamos que o mundo é alegre; mas a infelicidade esconde-se na distância, e por isso pensamos que ela não existe» pág. 43


P.S. A edição da Assírio (colecção Gato Maltês), além de bonita, conta com uma tradução cuidada, daquelas em que se pode confiar

sexta-feira, 25 de março de 2011

Tarcísio Vazão de Campos e Trindade (1931-2011)

Vista da Livraria Campos Trindade, na Rua do Alecrim. Há grandes semelhanças entre esta foto tremida e outra tirada pelo Comilão, do primeiro piso da Rizzoli, em NY (post de Novembro de 2010) O 100.º post do Comilão é dedicado a Tarcísio Trindade, antigo presidente da Câmara de Alcobaça (último antes do 25 de Abril) e livreiro de Lisboa. Nasceu na ala Sul do Mosteiro de Alcobaça e cursou Direito. Oriundo de uma família de antiquários, foi como comerciante de livros raros que se destacou. Em 1965 descobriu em Espanha o mais antigo livro impresso português, o Tratado de Confissom, impresso em Chaves em 1489, seis anos antes do Vita Christi, que se pensava até então ser o mais antigo (Lisboa, 1495). Esse exemplar que venderia por 400 contos estava, segundo uma pessoa próxima, a servir de calço, juntamente com outros livros, alguns deles também raros e já irremediavelmente estragados pela humidade, numa lareira. Apesar de 400 contos já ser uma soma avultada para a época, segundo essa mesma fonte próxima o exemplar seria vendido posteriormente à Biblioteca Nacional por 20 mil contos. Pela livraria Campos Trindade têm passado outras preciosidades, como uma primeira edição do Dom Quixote completa e intacta (o filho, Bernardo, descobriria um dos dois volumes da primeira edição em Vila Real). Tarcísio vendeu a obra cervantina a um livreiro espanhol, que por sua vez a vendeu a um magnate árabe, que por sua vez a ofereceu ao Rei de Espanha. Embora praticasse sempre preços modestos (e assim continua), com o lucro da venda Tarcísio pôde pagar o casamento com a «lindíssima Mafalda Oriol Pena»*. A loja da Rua do Alecrim (dois irmãos, António e João, abriram antiquários na mesma rua) foi fundada em 1976, e ali a família viveu ainda um ano. Por lá passaram também gravuras de Albrecht Dürer. O Comilão ainda viu Tarcísio, já muito diminuído, mas nem por isso menos cordato, na Campos Trindade. Faleceu de Parkinson no passado dia 15 de Março. Paz à sua alma e longa vida à sua livraria. Escrito com base em impressões pessoais recolhidas no local e em dois artigos publicados no semanário Sol: «Páginas de História» (Emanuel Costa, Guia Essencial de 23 de Abril de 2010) e *necrológio «Em Paz» (Pedro d'Anunciação, 1.º caderno de 25 de Maço de 2011)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Mais um cacho de livros para a wishlist

O Comilão não pode ver nada. Ontem, na Fnac do Chiado, deu logo de caras com livros que, se não fosse a contenção de despesas, teria adquirido sem hesitar. Vamos a eles: - The Unguarded Moment (Phaidon) - mais um magnífico álbum de fotografias de McCurry. Algumas chegam a ser comoventes de tão bonitas (gentilmente oferecido pela Sr.ª Comilão no dia 27 de maio de 2011)* - Kubrik - the Complete Filmography (Taschen) - um livro onde se fala de alguns do filmes favoritos do Comilão, ainda para mais a um preço irresistível, €9,99 (o Comilão conseguirá resistir muito mais tempo? Não. Adquirido a 1/4/2011)* - Elizabeth Peyton: Live Forever*/ Ghost*- álbum dos desenhos de Peyton, uma artista que conviveu com muita malta da música e da cultura pop e disso nos deixou belos testemunhos (o Comilão teve o prazer de ver uma exposição sua no MoMA em 2002) - A Casa de Papel*, de Carlos María Domínguez (belo livrinho sobre livros, oferecido pela sogrinha a 25 /12/2012) - Lowside of the Road: a life of Tom Waits, de Barney Hoskyns - Conversas com Woody Allen*, de Eric Lax (oferecido pela sogrinha a 25/12/2012) - Patty Smith, Just Kids* - Jack Kerouac, On the Road * (Manuscrito original adquirido na sequência do Natal de 2011) - Charles Bukowsky, Women* (comprado na Cordeiro&Ramos a 23/12/2012, por €1,90, uma edição antiga da D. Quixote)

Kellog e o grande mastigador (excerto de Em Defesa da Comida, de Michael Pollan)

«O resultado mais conhecido da alimentação pseudocientífica surgiu nos primeiros anos do século XX, quando John Harvey Kellog [vegetariano convicto que inventou, com o seu irmão, os corn flakes] e Horace Fletcher convenceram milhares de americanos a trocar todo o prazer de comer por regimes alimentares de um rigor e de uma perversidade de cortar a respiração. Os dois gurus da alimentação uniram-se no seu desprezo pela proteína animal, cujo consumo o dr. Kellog, um adventista do 7.º dia incrivelmente parecido com o coronel Sanders da KFC, acreditava piamente fomentar a masturbação e a proliferação de bactérias tóxicas no cólon. [...] Na casa de saúde de Battle Creek, dirigida por Kellog, os pacientes (entre os quais se contavam John D. Rockefeller e Theodore Roosevelt) pagavam uma pequena fortuna para se sujeitarem a certas práticas científicas, como por exemplo clisteres de iogurte de hora a hora [...]; estimulação eléctrica e vibração intensiva do abdómen; dietas constituídas exclusivamente por uvas (4 a 6 quilos por dia); e, a todas as refeições, recurso ao método Fletcherizing, que consistia em mastigar cada porção de comida aproximadamente 100 vezes (frequentemente ao som estridente de canções especiais para ajudar à mastigação.) [...]
Horace Fletcher (também conhecido como 'o grande mastigador') não possuía quaisquer credenciais científicas, mas o exemplo da sua extraordinária forma física - aos 50 anos, conseguia subir e descer os 898 degraus do Monumento a Washington sem parar para recuperar o fôlego -, apesar de viver com um regime diário de 45 gramas bem mastigados de proteínas, era prova suficiente para os seguidores*.

*Segundo Levenstein, os cientistas que procuravam descobrir o segredo da exemplar saúde de Fletcher monitorizavam escrupulosamente tanto as suas ingestões como as suas excrecências, notando, relativamente às últimas, como fizeram todos quantos procederam a esta pbservação, a extraordinária ausência de odor»

Michael Pollan, Em Defesa da Comida, págs. 73-74

terça-feira, 22 de março de 2011

Retirado de um bloco de notas

Era uma secretária tão cândida, mas tão cândida, que sempre que se lhe ditava 'dois pontos', tinha de se acrescentar 'um por cima do outro...', se não ela escrevia .. em vez de :

segunda-feira, 14 de março de 2011

Julie & Julia

Chegou a casa do Comilão por mero acaso, mas revelou-se um óptimo filme. E tem especial pertinência neste blogue. Nem de propósito: Julie & Julia é sobre uma blogger que escreve sobre comida (mais precisamente sobre as receitas de Julia Child, a 'sacerdotisa', como já lhe chamaram, da cozinha francesa nos EUA e pioneira dos programas culinários). O Comilão tinha lido há não muito tempo um belo artigo da New Yorker sobre Julia Child (in The Secret Ingredient, organizado por David Remnick) onde aparecem relatados alguns dos episódios do filme. Este tem a curiosidade de se passar em dois momentos diferentes, um actual, com a blogger como protagonista, o outro pretérito, onde se vão contando as peripécias da vida de Julia Child, o que confere uma dinâmica engraçada à narrativa. Óptimos papéis de Meryl Streep na figura extrovertida e desajeitada de Child e de Stanley Tucci como seu marido, o paciente Paul.
3,5 - 4 estrelas

sexta-feira, 11 de março de 2011

Whatever works

Talvez o problema seja esperarmos sempre demasiado de Woody Allen. Este seu penúltimo filme é pouco menos do que brilhante. Tem como protagonista um intelectual nova-iorquino frustrado, céptico e maledicente interpretado por Larry David, um dos criadores de Seinfeld. Faz-nos rir e sofrer com as personagens e tem alguns diálogos fabulosos. Muito bem conseguido na sua aparente simplicidade. 3,5-4 estrelas

quinta-feira, 10 de março de 2011

Steve McCurry



O Comilão acaba de adquirir In the Shadow of Mountains (Phaidon). É um livro sumptuoso com imagens captadas pela lente (ou deveria dizer pela película kodachrome?) de McCurry, sobretudo no Afeganistão ('sobretudo' porque a da capa, por exemplo, é de uma menina em Peshawar, por onde o Comilão já andou). Reprodução imaculada das imagens (belíssimos retratos, paisagens, cenas de interiores), cores vibrantes. McCurry afirma que não é um fotojornalista clássico: quando estava a cobrir a guerra no Afeganistão, chegava sempre atrasado aos acontecimentos. Pelo que adoptou outra estratégia, que foi a de descobrir como as pessoas criavam rituais que devolviam alguma normalidade à vida durante a guerra. É difícil não nos apaixonarmos pelo livro que resultou desse trabalho. Uma das fotos, de um vendedor de casacos com uma dúzia ou mais destas peças de roupa em camadas sobrepostas nos ombros, poderia com propriedade chamar-se 'Casaquistão'. Preço na Fnac: €48,35; preço no The Book Depository: €31,14

True Grit


Há poucos dias ouvi que True Grit era dizer superior a Este País Não É para Velhos. Talvez seja... Comparações à parte, este remake de um western de 1969 com John Wayne é um filme magnífico. Além de captar o ambiente do Oeste em pleno, está cheio de cenas memoráveis, como a de Rooster Cogburn entre os patos lacados do armazém de uma mercearia chinesa ou a do enforcamento dos criminosos (com óptimos discursos dos condenados à morte). Uma aventura onde não falta nada: história, humor, bons diálogos, emoção e personagens originalíssimos. O Comilão recomenda vivamente uma visita ao cinema. 4 estrelas

segunda-feira, 7 de março de 2011

Os livros que moldaram a minha maneira de olhar o mundo

Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas
Jorge Luis Borges, Funes, el memorioso
Marguerite Yourcenar, Memórias de Hadriano
Ryszard Kapuscinsky, O imperador
The Essential Gombrich
Jung Chang, Mao, the unknown story
José Saramago, História do cerco de Lisboa
Hunter S. Thompson, Fear and loathing in Las Vegas
Fernando Pessoa, O livro do desassossego
Aldous Huxley, The doors of perception
Sigmund Freud, Textos essenciais sobre literatura, arte e psicanálise
Susan Sontag, On photography
Karen Blixen, Out of Africa
Raymond Carver, Catedral
Joseph Mitchell, O segredo de Joe Gould
Gabriel Garcia Márquez, Viver para contá-la
Mitch Albom, As terças com Morrie

A cor em arquitectura

Tudo começou com um capítulo de Experiencing Architecture, de Steen Eiler Rasmussen, onde se falava de uma obra de Corbusier em que tomavam parte o azul dos céus e o verde das árvores. Antes disso encontrava-me demasiado influenciado pelo Ornamento e Crime de Adolf Loos para dar importância à cor na arquitectura. Depois foi a viagem à Rússia, onde visitámos Tsarskoe Selo, um palácio azul-turquesa com ornamentos dourados. Em São Pertersburgo havia também uma cúpula pintada com um pigmento de um azul intenso. E por fim foi este livro que me fez tomar consciência de algo que já sabia há algum tempo. Chamava-se The Classic Italian Interior e, lá para o meio, mostrava uma elegante sala de estar cujas paredes se encontravam pintadas de um verde luxuoso. Como na altura estávamos a tornar a nossa futura casa habitável, levei a minha noiva à livraria Férin para ver o que eu tinha visto. Decidimos de comum acordo pintar um dos quartos mais ou menos daquela cor e fazer ali a nossa biblioteca. O primeiro resultado (usámos como modelo o tom de um livro grego da Loeb Classical Library) foi um choque. Mas à medida que íamos introduzindo as estantes de madeira, os livros, um tapete vermelho, pequenas gravuras de animais emolduradas, a cor parecia suavizar-se, até ir completamente ao lugar. Esse livro inspirador (e dispendioso: um exemplar custa 300 USD na Abebooks) ocupa hoje um lugar de honra numa estante de nossa casa.

p.s. A forma como a maioria dos arquitectos encara a cor está bem patente nas maquetas. O material preferido, o k-line, branco, 'clean' e liso, é adequado para a arquitectura modernista, mas dá uma ideia errada dos edifícios e das cidades, apagando as diferenças de cores e de texturas.

Sem Palavras

No passado fim-de-semana o Comilão e a sua família regressaram ao Sem Palavras, no Mercado de Alvalade, onde em tempos tanto gostavam de ir. A qualidade mantém-se e continua um bom sítio para o almoço de domingo. O problema é que como foi dos poucos restaurantes a optar por receber fumadores, se tornou um antro de vício. Da última vez o Comilão tinha comido frango frito à passarinho. Não estava particularmente bom (nem sequer era à passarinho, mas uma espécie de frango panado). Desta vez optou por ovas grelhadas e piano. Antes disso, salada de polvo e salgadinhos, ambos bons. As ovas mais pequenas estavam bastante boas, as maiores nem por isso (moles, húmidas por dentro, talvez cruas). O piano correspondeu às expectativas, estava bem grelhado e muito saboroso, acompanhando com legumes salteados e batata a murro. Para finalizar, leite creme queimado, também bom. Houve um problema: o tempo de espera, demasiado dilatado. A mulher do Comilão tem uma teoria: como o Luís anda sempre deprimido, tem de ser o Paulinho, com o seu cabelo escorrido à Michael Bolton da Boavista, a fazer tudo e a correr de um lado para o outro, o que atrasa o serviço.
Preço: 38 euros
Veredicto: boa comida (ainda que pudesse ser melhor), serviço demasiado demorado. Vai ser difícil regressar tão cedo.

Moma


O Moma é um restaurante recente na Rua de S. Nicolau, em plena Baixa lisboeta. Tem uma esplanada agradável no Verão. No interior, destaca-se pelo mosaico de cozinha em xadrez preto e branco. Da primeira vez que lá foi, o Comilão não apreciou a sua refeição por aí além (hambúrger no prato, faltava sal). Da segunda vez, porém, foi diferente. Para começar, um puré de grão com coentros. Muito bom. Depois uma salada caprese (tomate e rúcula). E em seguida um franguito no forno (uma espécie de frango à maricas, com limão e alho). Estava tudo bom, embora o franguito, de tão pequeno (tipo passarinho), tivesse pouco que comer. Foi pena já não haver os peixinhos da horta com arroz de feijão. Para sobremesa uma tarte de requeijão maravilhosa, com uma geleia de frutos silvestres por cima. Assim vale a pena voltar.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A lição do gato

'You will still be here tomorrow
but your dreams may not'

(Cat Stevens, Father and Son)

terça-feira, 1 de março de 2011

Adega Típica Quarta-feira

Há sítios onde nos fazem sentir à-vontade e há outros onde nos fazem sentir que, por muito boa intenção que tenhamos, não pertencemos ali. Parece que os restaurantes do Alto Alentejo são peritos nisso: há os clientes habituais, que são tratados com todas as mesuras; e os clientes pontuais, que só são servidos por obrigação, mas com má cara. A Adega Típica Quarta-feira, na Rua do Inverno, em Évora, também é típica nesse aspecto. Logo à entrada percebeu-se uma desconfiança muito alentejana: 'Quem são estes forasteiros e o que vêm cá fazer?'. A resposta não era muito difícil. Íamos jantar.
Num Guia dos Restaurantes falava-se na simpatia do proprietário. Não diria que o homem é uma besta, mas... enfim, gosta de mandar no restaurante como um homem às direitas manda na sua casa. O filho, que serve às mesas, esse é uma joia de pessoa (simpático, bem mandado, o oposto do pai). Segundo problema: o cliente não escolhe nada. Quando perguntámos se havia uma lista, o proprietário rosnou: 'Isto agora é assim'. Menu fixo, entenda-se. Se quiseres, queres, se não quiseres vai-te embora. Come & cala. Também só há um vinho (com nome de pessoa, que não fixei).
Entradas: paio - não provámos; queijinho derretido com orégãos (no forno?) - mediano, excessivamente salgado; cesto de pão - regular; cogumelos assados no forno - bons, mas o Comilão já comeu melhores, também em Évora.
Prato principal: cachaço de porco preto assado no forno com batata assada. O equivalente a duas costeletas juntas. Desfazia-se na boca, muito bom. Acompanha com arroz (de cenoura, penso), a dita batata e um esparregado delicioso, parecido com migas de espargos bravos. Bravo.
Sobremesa: na casa chamam-lhe 'uma mariquice'. Consiste de uma tigela de salada de frutas e um 'pijama' de doces tipo conventuais todos muito bons e muito doces, ou seja, algo enjoativos. No final, como cortesia, um pequeno cálice de licor de vinho Mouchão. A conta é feita a olho: '40'.
Veredicto: boa comida, mau proprietário.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Michael Pollan, o cultor da 'comida'

É também o autor de O Dilema do Omnívoro. Mais recentemente foi editado em Portugal Em Defesa da Comida (ambos os livros pela Dom Quixote), que o comilão anda a ler. Aqui fica um excerto para abrir o apetite:

«Não deverá tardar muito até que as barras de chocolate anunciem na embalagem os seus benefícios para a saúde, com a aprovação do FDA [Food and Drugs Administration]. (Quando isso acontecer, o nutricionismo terá certamente entrado na sua fase barroca.) Felizmente para todos os envolvidos neste jogo, os cientistas conseguem encontrar um antioxidante praticamente em qualquer alimento de origem vegetal que decidam estudar.
No entanto, regra geral, é muitíssimo mais fácil pespegar um anúncio de 'benéfico para a saúde' numa caixa de cereais açucarados do que numa batata ou numa cenoura crua. O perverso resultado disto é que os alimentos mais saudáveis à venda no supermercado são remetidos ao silêncio da secção de frescos, mudos como vítimas de um AVC, enquanto, alguns corredores à frente, na zona dos cereais, os Cocoa Puffs e os Lucky Charms gritam os seus 'benefícios de cereais integrais' aos consumidores hesitantes.
Cuidado com esses anúncios.» (págs. 54-55)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

o sentido do equilíbrio

No seu célebre e admirável conto Funes el memorioso, Jorge Luis Borges fala de um índio dotado de uma memória prodigiosa. Este homem não se recorda apenas de imagens, lugares, pessoas, conversas. Recorda-se também de cheiros, sabores, sensações térmicas (o Comilão considera essa referência ao frio e calor um contributo inestimável de Borges para a literatura). E, nessa mesma linha, o Comilão gostaria de dar mais uma achega. Além dos sentidos tradicionais, há um aspecto que muito contribui para a nossa percepção do mundo: a sensação da gravidade e o equilíbrio. A anulação do peso do corpo, a sua 'levitação', constitui um dos grandes prazeres que a vida pode proporcionar ao homem, ainda que pouco reconhecido. Por isso as crianças adoram pular em colchões, por isso os rapazes passam horas nas ondas, por isso boiar é tão relaxante, por isso as pessoas não gostam de viajar de costas para o comboio, por isso os velhos apreciam as cadeiras de baloiço, que imitam o movimento pendular de um navio.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

uma falha no português


A palavra 'vegetariano' nem sempre se refere a uma pessoa que se alimente exclusivamente de vegetais. Um 'vegetariano' pode comer ovos ou peixe. Ou seja, a palavra refere-se a todo aquele que não come carne. Por isso o Comilão gostaria de arranjar uma palavra que substituísse vegetariano nessa acepção, de forma a que vegetariano se refira a uma pessoa com uma alimentação realmente vegetariana. Assim, a palavra indicada para aquele que não come carne deveria ser... sarcófobo (de sarkos, carne em grego, mais fobos. Aquele que não gosta de carne).

o livro que pode ter mudado a minha vida




O Comilão acaba de ler um livro sobre a figura absolutamente inspiradora de Steve Jobs: iSteve - na mente de Steve Jobs (esta é a capa da edição inglesa). Aqui fica uma síntese.
Tem a alcunha de Hatchett (machadinho) Jobs por ser perito em despedir pessoas (embora o boato de o fazer nos elevadores não passe disso mesmo). Com a venda da Pixar por 7.600 milhões de dólares, tornou-se o maior accionista individual da Disney. Tinha adquirido a empresa (que em 95 fez o primeiro filme de animação a computador) a George Lucas em 85 por 10 milhões.
Foi entregue pelos pais biológicos a outro casal. Na adolescência roçou os limites da marginalidade. Nunca acabou o curso e experimentou uma dieta de maçãs para não ter de tomar banho.
Trabalhou na Atari (jogos) até ter dinheiro suficiente para fazer uma viagem de busca espiritual à Índia. Quando regressou fundou a Apple com o génio informático Steve Wozniak. Montavam computadores à mão na garagem dos pais de Jobs. O primeiro Mac nasceu em 1984. Jobs queria blindá-lo, de forma que o dotou com parafusos especiais que só podiam ser tirados com uma chave de 30 cm. Sai da Apple em 85. Entretanto funda a NeXT, onde desenvolve um sistema operativo que vende à Apple em 96. Dois anos depois acaba por se tornar CEO quase naturalmente. Reduz a oferta da empresa a quatro produtos: dois desktops e dois portáteis. Vocaciona-a para o segmento alto: assim consegue obter 25% de lucro em cada computador que vende, em vez dos 5-7% das outras empresas.
«Como os operacionais da CIA, os funcionários da Apple não falam sobre o que fazem, nem mesmo com as pessoas de mais confiança: cônjuges, namorados ou pais. Muitos nem se referem à empresa pelo nome. Alguns empregados da Apple referem-se-lhe como 'a companhia da fruta'».
Em Outubro de 2001 lança o iPod (o nome foi inspirado no filme de Kubrik 2001, Odisseia no Espaço). A sua obsessão pelo perfeccionismo é tão grande que manda substituir a ficha dos phone do iPod por não produzir um clique satisfatório. Quando lhe colocaram obstáculos a fazer uma placa mais bonita e alegaram que nem seria visível ao cliente comum, ripostou: «Um bom carpinteiro não usa madeira de segunda para construir as costas de um armário, mesmo sabendo que essa parte do móvel não ficará à vista».
É vegetariano (dos que comem peixe), budista e costuma andar descalço, mas viaja num jacto particular de 90 milhões de dólares. Um alto quadro da Apple que foi a sua casa diz que esta estava quase despida porque Jobs não encontrava mobiliário que lhe agradasse. Tinha uma grande foto de Einstein na parede e um piano alemão. Quando teve de substituir a máquina de lavar roupa Jobs envolveu toda a família numa discussão que durou 2 semanas. Acabou por optar por um modelo alemão. Considera a maioria dos produtos ridículos de tão mal concebidos e a maioria das pessoas burras. Diz que o grande problema de Bill Gates é nunca ter tido uma trip de LSD. Acerca da sua doença em 2004 disse: «O médico aconselhou-me para ir para casa pôr as coisas em ordem, que é o código que os clínicos usam para nos preparamos para morrer. Significa tentar dizer aos nosso filhos tudo o que pensávamos dizer-lhes nos dez anos seguintes, mas só dispomos de uns meses para o fazer». A verdade é que Jobs já vivia obcecado com a morte desde que andava na casa dos 20 anos. Contou a Scully estar convencido de que teria uma vida muito curta. (pág. 22)
Dois episódios japoneses: «Morita [o lendário patrão da Sony] presenteou o par [Scully e Jobs] com um dos primeiros walkman que saíram da linha de produção. 'Steve ficou fascinado. Por isso a primeira coisa que fez foi desmontar o aparelho e observar os componentes, peça por peça'.» (pág. 153)
Acerca do alumínio: «Passámos algum tempo no Norte do Japão, onde falámos com um mestre do trabalho em metais, de forma a conseguir um certo nível de aperfeiçoamento» (pág. 85)
Charlie Booker, comediante britânico, odeia os Mac: «Se acredita mesmo que precisa de um telemóvel que 'diz algo' sobre a sua personalidade, não se preocupe. Talvez sofra de uma doença mental - mas não tem personalidade» (pág. 116)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Não sei o que quero

À noite, quando me deito,
desejo que a manhã chegue depressa
para continuar a aprender, a trabalhar, a instruir-me.

De manhã, quando o despertador toca,
só queria que ainda fosse noite
para poder continuar a dormir.

Ratso


The Midnight Cowboy (1969), de John Schlesinger, foi o único filme X-rated (para maiores de 16, depois passou a 18) a vencer o Óscar de Melhor Filme. Tem uma das grandes cenas do cinema americano. Enquanto abre o frigorífico, que usa como armário para proteger os alimentos dos ratos, Dustin Hoffman (Ratso) diz na sua voz nasalada para Jon Voight:


«There are two basic items necessary to sustain life: sunshine and coconut milk»

Informação práctica


Como tirar gás a uma Coca-Cola (para uso medicinal):

Verter o refrigerante para um copo e, em seguida, mergulhar um guardanapo no líquido. O guardanapo fará com que o gás desapareça.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Os secadores são perigosos?



O título da notícia do Correio da Manhã diz: 'Traficante preso em casa com haxixe e heroína'. A foto mostra o tradicional leque de notas (pelas minhas contas dá cerca de dois mil euros), as tradicionais (e de muito mau gosto) pulseiras em ouro, telemóveis (cinco, nenhum deles muito sofisticado), balas, sabonetes de haxixe, estupefacientes embrulhados em papel de prata, duas facas e ainda... três secadores. Um deles parece-me que até é igual ao que temos lá em casa. Espero que não nos apareçam com um mandado de busca, se não vamos ter problemas. É que as nossas facas de bife parecem cortar melhor do que as do traficante e além do secador temos um arsenal de pequenos electrodomésticos que faria as delícias da PSP: um aspirador de alta cilindrada, uma máquina de iogurtes, uma batedeira, uma máquina de barbear... (estou curioso por saber como disporiam os 300 euros em notas e moedas que encontrariam na registadora da cozinha). E não sei o que pensariam eles dos três ou quatro telemóveis avariados que por lá andam.

Claro que isto é uma brincadeira. Quem percebe alguma coisa do assunto sabe que os secadores servem para secar as folhas de canábis, de modo a depois poderem ser fumadas.

Outra descoberta bem mais preocupante veio noticiada pela CNN esta semana. No Gabão foram presas 5 pessoas relacionadas com o tráfico ilegal de partes de animais mortos. As autoridades encontraram 13 cabeças de primatas, duas mãos de gorilas e 30 de chimpanzés. A apreensão contou ainda com 12 peles de leopardo, uma pele de leão (parcial), peles de cobra e cinco caudas de elefante. Um achado macabro.

sábado, 22 de janeiro de 2011

A Terra é redonda

Já fui até ao fim do mundo
mas afinal o mundo não acabava ali

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Adega do Saloio

O restaurante Adega do Saloio fica em S. Pedro de Sintra, num lugar que tem o belo nome de Chão de Meninos. É um restaurante tradicional português onde vampiro não entra. Passo a explicar: a decoração (como os temperos?) é grandemente feita à base de tranças de alhos penduradas nas vigas de madeira. Uma lareira, que está acesa nos dias mais frios, compõe o cenário.

Passemos à comida. Para começar, um belo pãozinho cortado às fatias com manteiga e umas azeitonas maravilhosamente temperadas com alho e orégãos. Para prato principal: bacalhau à lagareiro (branquinho, bem assado, só pecava pela falta de sal e de batatas) e o incontornável (permitam-me usar este adjectivo tão abastardado) cabrito assado no forno, uma especialidade da Adega do Saloio. O cabrito acompanha com batata assada e arroz de forno com miúdos (meia dose custa €12, uma dose custa €16). Estava tudo tão bom que soube a pouco. As sobremesas constaram de um melão (demasiado maduro, como o próprio empregado avisou) e mousse de chocolate, de bela feitura. Serviço simpático e eficiente.


Adega do Saloio
Rua Álvaro dos Reis, n.º 32
Tel.: 21 924 08 37 / 21 923 14 22
Total: €37
4 estrelas

Actualização (24 de Janeiro de 2015): O bacalhau à lagareiro continua insosso. Uma pena, porque apanhei uma garfada com mais sal que estava deliciosa. Desta feita pedimos também um polvo à lagareira que, lamento dizê-lo, não estava à maneira... Demasiado seco o polvo - e duro. O cabrito, em compensação, estava fantástico. Assim como a mousse de chocolate, uma pequena maravilha. Com três pratos e sobremesa, a conta já se atirou para perto dos €50.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Miscelânea original de Schott

Às vezes compensa não comprar os livros à primeira. Foi o caso. O Comilão encontrou a Miscelânea original de Schott na Fnac Chiado por €4,90 (ficou a 4,49 com 10% desconto do cartão). É um livrinho tipo almanaque Borda d'Água com informações úteis, informações inúteis, dados eruditos, curiosidades e futilidades. Aqui ficam alguns exemplos das listas e entradas que constam da Miscelânea: imposto sobre chapéus; mortes prematuras de estrelas pop; os filmes de Kubrik; alguns termos do latim; lavagem de roupa: símbolos...

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O homem-sombra

Não gostava que lhe chamassem guarda-costas. Não se considerava guarda-costas de ninguém. Por isso, quando lhe perguntavam o que fazia, respondia categoricamente: 'Sou um homem-sombra'. Ao ouvirem estas palavras, as pessoas pensavam que era um artista de circo, tipo homem-bala, um super-herói, como o homem-borracha, ou um vilão dos livros, como o homem invisível. Ele via-se mais como um protector que anda sempre na peugada do protegido. De dia, fazia sempre questão de tapar o sol da cara do seu patrão e benfeitor, 'para ele não se queimar'. De noite, fazia o mesmo em relação à luz dos candeeiros eléctricos, interpondo-se sempre entre o candeeiro mais próximo e o homem por cuja segurança velava. Sentia que assim ele nunca ficava demasiado exposto. O homem-sombra levava a sua função tão a sério que a confundia com a sua identidade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

a proverbial lentidão humana

Era um homem tão lento, tão lento, mas tão lento, que cada vez que entrava num museu pensavam que era uma estátua.

Era uma mulher que conduzia tão devagar, tão devagar, mas tão devagar, que sempre que chegava ao destino tinha uma multa de estacionamento no pára-brisas.

(02/01/2011)

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem


Desde que tinha lido uma boa biografia de Zweig (Jean-Jacques Lafaye, O Porvir da Nostalgia), que o Comilão queria ler este livro de memórias.
Foi a segunda obra de Zweig que leu, depois de Hommes et Destins (Le Livre de Pôche, resenha de biografias de figuras como Proust, Albert Schweitzer, Freud, Mahler). Stefan Zweig nasceu em Viena, império austro-húngaro, em 1881, mas gostava de se considerar um europeu. Filho de um rico industrial judeu, formou-se em História e Filosofia e tornou-se um escritor cosmopolita e viajado. O Mundo de Ontem é um livro de memórias que gira grandemente em torno das duas guerras que marcaram o século XX: 14-18 e 39-45 (embora Zweig tenha falecido, ou melhor, se tenha suicidado em 42, no Brasil).
O livro começa por nos mostrar a Viena de finais do século XIX, a sua prosperidade e segurança. Era uma cidade onde convergiam pessoas de toda a Europa central e onde se respirava música e teatro. As descrições das famílias do pai, um homem rico mas poupado e discreto, e da mãe, toda cheia de si, são muito engraçadas.
Da viagem que fez a Paris terminada a licenciatura, deixou-nos um belo relato: «Em nenhum outro lugar foi possível sentir de modo mais feliz a despreocupação simultaneamente ingénua e e maravilhosamente sábia da exitência do que em Paris, onde ela estava gloriosamente comprovada na beleza das formas, na amenidade do clima, na riqueza e na tradição. Cada um de nós, os jovens, assimilou de parte desta ligeireza e contribuiu para ela: chineses e escandinavos, espanhóis e gregos, brasileiros e canadianos, todos se sentiam em casa junto ao Sena. Não havia constrangimento, podia-se falar, pensar, rir, ralhar como se quisesse, cada um vivia como lhe aprazia, sociável ou solitário, gastador ou poupado, no luxo ou na boémia, havia espaço para qualquer excentricidade e tudo era possível.» [pág. 147] «Era fácil estabelecer relações com mulheres e era fácil desfazê-las, cada tacho com seu testo, cada jovem com com uma namorada prazenteira e liberta de qualquer pudor. Ah, como era leve a vida em Paris, como era boa, sobretudo quando se era jovem!» [pág. 149]
Quando a hipótese de um conflito surgiu no horizonte, Zweig e os seus amigos pacifistas (franceses, belgas, alemães) pensaram formar uma comunidade fraternal de escritores, mas nada conseguiram contra a guerra. Algumas das melhores páginas são retratos de pessoas: Hugo von Hofmannsthal, o génio precoce idolatrado por todos os jovens escritores; Joyce; uma visita ao ateliê de Rodin; Richard Strauss; Romain Rolland, grande melómano; Freud (a história do último ano de vida do mestre em Londres é extraordinária). A viagem à Rússia em 1928 é outro dos momentos altos da narrativa. Aqui fica uma frase reveladora sobre Moscovo: «As pessoas acumulavam-se em tudo quanto era sítio, nas lojas, à porta dos teatros; em toda a parte eram obrigadas a esperar, tudo estava demasiado organizado, por conseguinte, não funcionava lá muito bem; a nova burocracia , que devia manter a 'ordem', ainda se deliciava a preencher impressos e autorizações, atrasando tudo.» [pág. 363] O grande desgosto de Zweig foi não poder ficar na sua Áustria natal, errando sem pátria por esse mundo fora: «Se havia arte que tínhamos de aprender de novo, nós, os perseguidos e desalojados daqueles tempos hostis a qualquer arte e a qualquer colecção, essa era a arte de dizer adeus a tudo o que outrora fora o nosso orgulho e o nosso amor.» [pág. 388] O grande 'orgulho e amor' de Zweig havia sido a colecção de manuscritos que reuniu ao longo de décadas, com textos autógrafos não apenas dos seus amigos escritores, mas de figuras da dimensão de Leonardo da Vinci, Goethe, Napoleão, Balzac, Nietzche, Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Chopin...
Óptima tradução de Gabriela Fragoso, cuidada, apesar de um ou outro erro ortográfico que não chegam para manchar o trabalho. Uma curiosidade: quase no final da leitura, o Comilão reparou que o marcador, relativo a uma exposição na Fundação Cartier, dizia em letras grandes à cabeça 'Terre Natale'. Terra natal, o lugar por que Zweig suspirou durante toda a sua vida como exilado.

Stefan Zweig
O Mundo de Ontem - recordações de um europeu
Assírio & Alvim
478 págs.
4 estrelas
€30

Marisqueira o Relento


O primeiro post do ano vai para a marisqueira Relento, em Algés. Bem merece. Foi lá que o Comilão jantou no dia 1 de Janeiro, depois de ter almoçado uma salada oceânica (nada má) e um happy meal no MacDonald's. O jantar constou quase exclusivamente de marisco. Antes de se sentar, o Comilão ficou a observar o fluxo de trabalho ao balcão: travessa de ostras sobre cama de gelo, travessa de camarões a preceito, lagostins que estavam tão frescos que se mexiam como se tivessem acabado de ser capturados.
Para começar veio para a mesa um petisco digno dos deuses. Um empregado andava pela sala a distribuir salgados (os rissois do Relento são célebres). O Comilão solicitou uma chamuça. O empregado insistiu no pastel de bacalhau (o Comilão começou por recusar, estranhamente, diga-se, pois é um grande apreciador de pastéis de bacalhau): «Pastelinho de bacalhau feito com batata nova de Viana do Castelo e cebola vermelha da Beira Baixa». Face a este esclarecimento (e recordando um capítulo de Escritores à Mesa intitulado 'Camilo e as Batatas'), o Comilão aceitou. E ficou maravilhado com o sabor do pastelinho de bacalhau. Foi um dos ágapes mais delicados que lhe passaram pela goela ultimamente. A consistência era ideal, a fritura impecável, mas o que realmente encantava era o sabor, uma coisa inexplicável e maravilhosa. Quem diria que um simples pastel de bacalhau nos poderia transportar para tais alturas? Seguiram-se 100 gr. de camarão de Espinho (das Berlengas, segundo a carta) e 400 gr. de gamba branca do Algarve, pão torrado com manteiga e imperiais. Os camarões pequeninos era uma delícia das grandes, e a gamba branca também era de qualidade superior. Para sobremesa, mousse de chocolate caseira e pudim flan, ambos óptimos. Uma palavra para o serviço: até dá gosto ver pessoas trabalhar assim, com tal profissionalismo, precisão e eficiência.

Relento
Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, 10C
Algés
Preço: €56,40
4,5 estrelas