sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Nero, facínora e mecenas (El País)

Segundo Tácito, autor dos Anais, após o grande incêndio de Roma do ano 64, «Nero procurou rapidamente um culpado, e infligiu as mais refinadas torturas a um grupo odiado pelas suas abominações, a que o populacho chama cristãos [...]. Cobertos com peles de animais, foram despedaçados por cães e pereceram, ou foram crucificados, ou condenados à fogueira e queimados para servir de iluminação assim que o dia acabava».

Para a História, Nero ficou como um facínora, perverso e ególatra. Provavelmente tudo verdade. Matou uma série de possíveis concorrentes, o seu próprio tutor, amigo e conselheiro, o filósofo cordovês Séneca, e até a própria mãe, sabotando o seu barco para se afundar.


O artigo do El País versa sobretudo sobre a Domus Aurea, o esplendoroso palácio de Nero, que reabriu no final de 2014 após dez anos fechada para conservação. «Todos os historiadores descreveram as suas proporções gigantescas, a sua magnífica decoração e a profusão de ouro (daí vem o seu nome de Casa Dourada). O interior albergava muitíssimas obras de arte, trazidas directamente da Grécia, sem contar com os lagos, jardins, bosques, as fontes de água doce e salgada alimentadas por aquedutos construídos especialmente para ele». (Joël Schmidt, autor de Néron, Monstre Sanguinaire ou Empereur Visionnaire?, citado pelo artigo).

A Domus Aurea possuía uma arcada com 1,5 km de comprimento e salas com tectos de marfim. Uma delas tinha pintado um mapa celeste, que rodava consoante a altura do ano. «Com a morte de Nero, no ano 68, o palácio foi abandonado, até que Trajano (53-117) o utilizou como alicerce para as suas termas, depois de ter ''tosquiado' todo o mármore. Redescoberto no século XV, fascinou os artistas do Renascimento e personagens como o Marquês de Sade ou Casanova, que deixaram a sua assinatura nas paredes. Rafael, que descia com cordas no que então eram túneis abobadados, criou o estilo grotesco (de gruta) no qual pintou várias estâncias do Vaticano em 1519 inspirando-se nos frescos de aquele misterioso palácio enterrado [...]. Uma das melhores cópias dos frescos como os encontraram os artistas do Renascimento foi realizada por Francisco de Hollanda em 1538 e encontra-se na Biblioteca do Escorial»

Ainda que o Coliseu tenha sido construído após a morte de Nero, pelo imperador Vespasiano, acabou por adoptar o nome daquele durante a Idade Média. Isso deve-se a o famoso anfiteatro ter sido erguido perto do lugar onde Nero mandou erigir uma gigantesca estátua de 35 metros que o representava como Helios, o deus-Sol.

Na altura do grande incêndio viviam em Roma cerca de um milhão de pessoas. 200 mil ficaram sem casa. Nero «mandou que as ruas fossem mais largas, os prédios - insulae - mais baixos e, claro, aproveitou a destruição generalizada para construir o seu palácio sonhado»

«Um ano depois, após neutralizar um complot, lança uma purga selvagem que custa a vida ao filósofo cordovês, entre muitos outros membros da elite»

"Regresso a la morada de Nerón"
por Guillermo Altares
revista El País Semanal de 28/12/2014

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