sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Francisco, uma vida exemplar

S. Francisco pregando aos pássaros, fresco de Giotto na basílica de Assis

É estranho, mas a curiosidade pela vida de São Francisco de Assis foi-me suscitada pela leitura de um artigo sobre o actual Papa. Quem foi este homem que Bergoglio usa como modelo para 'refundar' e reformar a Igreja? Quanto mais lia o artigo, mais vontade sentia de abrir o livro, adquirido em promoção há uns anos - para ler mais tarde -, que o historiador Jacques Le Goff dedicou à vida do santo. O que sabia era muito pouco: que o seu nome quereria dizer qualquer coisa como 'francês', que professava a pobreza e que fez um sermão aos pássaros, demonstrando sempre um grande amor pela natureza.

Vamos aos excertos:
«Santo de um género novo, cuja santidade se manifestou menos por milagres - aliás numerosos - e pela ostentação de virtudes - até raras e esplendorosas - e mais pela linha geral de uma vida em tudo exemplar» 31 (este trecho fez-me lembrar particularmente o Papa, que 'prega' pelo exemplo)

«Franciscanos das duas tendências tinham multiplicado as biografias do santo atribuindo-lhe afirmações e atitudes conformes às suas posições. Já ninguém sabia que santo invocar. O capítulo geral de 1260 confiou a S. Beaventura o cuidado de escrever a vida oficial de S. Francisco [...]. Esta vida [...] foi aprovada pelo capítulo geral de 1263 e o de 1266 tomou a decisão de proibir os irmãos de lerem qualquer outra vida de S. Francisco e ordenou-lhes que destruíssem todos os outros escritos anteriores com Francisco por tema» 37

Cantava em francês nos bosques 43

«Emagrecido pelas provações [...] deixa estupefactas as gentes de Assis, que se riem dele, lhe chamam louco, lhe atiram lama e pedras» 48

«O pai agarra-o, fecha-o acorrentado numa enxovia de sua casa»

Francisco «renuncia a todos os seus bens [...] e, nu, manifesta o seu despojamento absoluto»

«Enfeita a túnica com uma imagem da Cruz e confecciona-a tão rugosa que ali crucificará a sua carne com os seus vícios e os seus pecados, tão pobre e tão feia que ninguém lha invejará» 50

«Toma-o Inocêncio III, ou afecta tomá-lo, por um porqueiro: 'Deixa-me em paz mais a tua regra. Vai antes ter com os teus porcos e praga-lhes todos os sermões que te apetecer'. Francisco corre a um pocilga, besunta-se do estrume e volta a apresentar-se ao Papa: 'Meu senhor, agora que já fiz o que me haveis mandado tende vós a bondade de me conceder o que solicito'. O Papa, [...] caindo em si, lamentou-se tê-lo recebido mal e, depois de o ter mandado lavar-se, prometeu-lhe outra audiência» 54

«Sem dinheiro, entram clandestinamente para um barco cuja tripulação, ao descobrir, ameaça fazer-lhes mal, ao que eles só escapam porque o santo aplaca uma tempestade e multiplica as magras provisões ao ponto de alimentar todos os marinheiros em risco de morrerem de fome» 58 (milagres)

«A mentalidade e o comportamento das multidões [...] para com personalidades com fama de santos não tinham variado desde o final do século IV: nessa época, as gentes de Tours roubaram o cadáver de S. Martinho às de Poitiers; no fim do século X, os Catalães pensaram matar S. Romualdo, doente, para ficarem com as suas relíquias. Em redor de Francisco moribundo, é a vigília da cobiça à espreita do seu cadáver» 68

A desconfiança de Francisco em relação ao saber tem origem em três aspectos: «a concepção corrente do saber como tesouro, que fere o sentido do despojamento; a necessidade de possuir livros, objectos então caros e como que de luxo, que vai contra o seu desejo de pobreza e de não propriedade; o saber como fonte de orgulho e de dominação, de poder intelectual, que contraria a vocação de humildade» 166 Mas «na prática venera os sábios e consulta-os»

S. Boaventura incorpora definitivamente a posse dos livros na natureza da ordem

«É o longo capítulo VIII da Regula non bullata que proíbe os irmãos de receberem dinheiro, evoca o diabo, trata a moeda por pó [...], apelando ao anátema sobre o irmão que juntasse ou possuísse dinheiro, sendo assim um falso irmão, um apóstata, um ladrão, um gatuno, um tesoureiro [...], como Judas» 154

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