quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Mundo Perdido do Comunismo


Livrinho fascinante, que já começara a ler há algum tempo. A apresentação da contracapa diz: «Não reconheço o meu país nas descrições que dele fazem os meios de comunicação social. Não tivemos só Outono e Inverno. Também tivemos Primavera e Verão. A vida não girava apenas em torno da Stasi» (depoimento de uma actriz da Alemanha de Leste). Mas curiosamente este testemunho não corresponde ao sentimento dominante no livro. Pelo contrário.


Aqui ficam alguns excertos:

O muro começou a ser construído a 13 de Agosto de 1961. «Primeiro havia um muro de betão de três metros de altura chamado vedação 'interna. Seguia-se uma rede de arame farpado e aço de dois metros de altura [...]. Quando alguém lhe tocava, a vedação accionava um alarme e, por vezes, um holofote. Quem transpusesse essas vedações ainda tinha de atravessar um terreno enfeitado com engenhos antipessoal, como barras de aço colocadas no solo e cobertas de espigões metálicos» [...] Por último havia o 'Grezenwall 75'um muro com três metros e sessenta de altura e encimado por um cano de esgoto [...]  para evitar que quem trepasse tivesse onde agarrar-se» p. 26-27

Sobre Ceausescu:
«Como presidente, repartia a sua vida por vinte e um palácios profusamente mobilados, quarenta e uma vivendas de luxo e vinte pavilhões de caça. [...] Sonhava tornar-se um Napoleão comunista - que também media 1,57 m - e, tal como Napoleão, construiu o seu país como um monumento a si próprio». p. 41

«Percorri a Roménia à procura de pessoal para a residência de Ceausescu porque o critério era muito rigoroso. Os empregados não podiam ser mais altos do que Nicolae e Elena. Era proibido admitir pessoas de cabelo escuro ou morenas». p. 43

«Ceausescu tinha declarado que só um louco podia discordar dos grandes feitos do socialismo. E se houvesse pessoas que discordassem então eram loucas e aguardava-as a camisa de forças» 190

Sobre a vida em Wandlitz, o condomínio 'de luxo' (para padrões comunistas) da elite do partido na Berlim Oriental: «”Basicamente era um gueto muito triste. O estilo de vida era o de uma classe média baixa muito bem comportada, com um naperon em cima do televisor Vertco e que regava as plantas envasadas no jardim. Em geral, era sufocante e desprovida de alegria”» Vera Oelschlegel, 55

«Bernd Brückner, que em tempos foi guarda-costas pessoal de Honecker, tomou parte em muitas destas caçadas […]. “A floresta tinha veados e gamos, javalis, coelhos e 30 alces siberianos”» Honecker era muito bom atirador. «Era determinado; podia chover a cântaros ou mesmo nevar, mas ele ia sempre à caça»
«Morreram tantos animais que foi preciso importar novos sotcks de veados. Às vezes, a carnificina era enorme. A partir dos anos 70, a elite comunista caçava pelo menos mil veados e 1500 gamos todos os anos. […] Brükner também testemunhou o agrado de Honecker por filmes soft porn. “De vez em quando apareciam cassetes VHS. Honecker possuía algumas”». 59

«As autoridades utilizaram todos os meios ao seu alcance para obrigar os agricultores a trabalhar nas herdades colectivas e a desistir da sua própria terra: aliciamento, chantagem e prisão. Por vezes, as pessoas eram assassinadas. E a colectivização não resultou, só sobreviveu graças a subsídios governamentais de vulto. As herdades revelaram-se de uma enorme ineficiência, empresas com excesso de pessoal, e poucos foram os camponeses que tiveram uma sensação real de posse. Mas houve alguns adeptos entusiastas.» 86-87

«Nos primeiros tempos a arquitectura sofreu uma forte influência do estalinismo e do Neoclassicismo e não passou despercebida. Mais tarde, para poupar dinheiro, o estilo dominante foi o chamado Plattenbau (construção em painéis) ou, por outras palavras, torres de blocos de cimento pré-fabricados.» 91
«Os primeiros blocos residenciais da cidade foram construídos por volta de 1956. De acordo com a propaganda comunista, estes apartamentos eram ‘palácios para trabalhadores’, mas estavam longe de o ser e Walter Ubricht reconheceu o problema, chamando-lhes Schnitterkaserne, ‘casernas para o Anjo da Morte’» 92

«“Estaline era um ídolo para nós porque destruíra o fascismo de Hitler. […] Quando morreu, em 1953, o mundo desmoronou-se à minha volta. Pendurámos retratos dele na parede e juntámos-lhe uma coroa preta e flores» 105

«"A mentira apoderara-se da nossa sociedade. Toda a imprensa apregoava que tínhamos um nível de vida fantástico [...] quando, de facto, a realidade era trágica: não dispúnhamos de alimentos, não havia aquecimento durante o inverno e tínhamos electricidade apenas durante umas horas por dia» 136

«"Conversávamos em surdina, através de um longo tubo, para que a polícia secreta não ouvisse o que dizíamos no andar de cima, onde nos escutava"», 146

«"Ler os jornais era uma afronta. Todos os dias lia que a vida era maravilhosa na RDA"»

«"Uma vez fui buscar o meu carro à oficina e pouco depois a roda soltou-se"» 152

«"A nossa esperança não era que se operasse uma mudança total no sistema, mas que ele se tornasse um pouco mais colorido, humano e eficiente"» (Rainer Eppelmann acerca da vaga de protestos na Alemanha Oriental em 1989) 154

«No dia 9 de Novembro de 1989 [...] Günter Schabowski anunciou medidas para levantar as restrições às viagens que vigoravam na Alemanha Oriental». 154 

«"Centenas de milhares de pessoas convergiram para os postos de controlo fronteiriço, onde a passagem lhes foi vedada pelos guardas"». «Às nove da noite, o posto de controlo de Bornholmer Strasse começou a carimbar 'sem direito de regresso' nos documento das pessoas que atravessavam para Berlim Ocidental. Duas horas e meia mais tarde, a pressão da multidão era tal que o coronel responsável resolveu pôr termo à verificação dos documentos, abriu completamente as fronteiras e deixou passar as pessoas. 
Nas Portas de Brandenbrurgo, as pessoas subiram o muro e dançaram lá em cima. Uns minutos depois da meia-noite, todos os postos de controlo entre Berlim Oriental e Ocidental foram abertos. Apenas seis horas depois dos comentários de Schabowski, o muro caíra de facto. Nos quatro dias seguintes, um quarto da população da Alemanha Oriental atravessou a fronteira» 258

Tópicos:
- A história de Jana Horáková- Kansky, única mulher executada na sequência dos julgamentos encenados na Checoslováquia, 72-73
- Testemunho de um mineiro que recebeu a mais alta condecoração civil da Checoslováquia – Herói da Mão-de-Obra Socialista, 82-85
- Os bombardeamentos de Dresden de 13 de Fevereiro de 1945 como prova da maldade do capitalismo, 104
- Stalindstadt, a cidade operária inspirada nos princípios urbanísticos marxistas, 90-93
- Dopping no atletismo, 123-126
- Cristãos na clandestinidade, 141-142
- A Roménia nega e ignora o problema da sida, 192
- Nudismo na RDA, 199
- As fugas para o Ocidente, 224

- As manifestações de 17 de Junho de 1953

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