quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

James Wood, A mecânica da ficção

O Comilão tinha alguma curiosidade acerca deste livro por dois motivos: o primeiro, um elogio ouvido da boca de um amigo; o segundo, estritamente pessoal, o facto de o nome do autor ser muito parecido com o de um actor - 'o asqueroso' - bastante apreciado pelo Comilão. O exemplar foi adquirido na Bertrand do CC do Campo Pequeno, enquanto trocava um presente de Natal. Comecemos pela aparência: bom tamanho, capa com aquele toque baço que a Quetzal consegue dar aos seus livros. A tradução é, como a edição, cuidada, o que se pode ver logo à partida no título: o original chama-se How Fiction Works. A Mecânica da Ficção é pois uma tradução não literal mas adequada, que revela uma certa liberdade (e engenho) por parte do tradutor.

Vamos ao miolo. James Wood dá um grande relevo àquilo a que ele chama 'estilo indirecto livre', que se pode resumir aos momentos em que o narrador exprime, de forma mais ou menos velada, o estado de espírito das personagens. Há também uma grande ênfase - eu diria exagerada e de cariz modernista - na consciência do escritor (não por acaso a segunda parte chama-se, algo pomposamente, 'Uma história da consciência') e na distinção entre autor e narrador. Wood extasia-se quando o narrador fala sobre si próprio e revela ao leitor algo sobre as técnicas da escrita (como o pintor que já não tenta disfarçar a pincelada, ou tornar o seu quadro uma espécie de janela transparente, mas antes aplica a tinta de modo a ver-se que é tinta) ou mostra que também pode ter uma visão parcial da história. E valoriza também bastante a ironia.

Posto isto, deve dizer-se que se trata de um livro que se lê com prazer. A divisão em mini-capítulos (?) confere um bom ritmo à leitura e confere uma agradável sensação de se estar a progredir. O autor gosta de exibir os seus conhecimentos literários - quer no tom, quer nas referências, transparece uma ponta de vaidade.

Wood recompensa-nos com belas passagens.
«No ensaio de Orwell 'A Hanging', o escritor observa um condenado à morte, a caminho da forca, desviar-se para evitar uma poça de água. Para Orwell, isto representa precisamente o mistério da vida que está prestes a ser terminada: mesmo quando não há nenhum motivo racional para isso, o homem ainda pensa em manter os sapatos limpos. É um acto irrelevante (e uma maravilhosa proeza de observação por parte de Orwell)».

Depois há informações interessantes como a de que Nabokov gostava de controlar as suas personagens como se fossem peças de xadrez ou de que Flaubert gostava de ler o que tinha escrito em voz alta, para avaliar o ritmo.

James Wood
A Mecânica da Ficção
Quetzal
280 págs., €15
3-3,5 estrelas (uma boa leitura)

p.s. depois de algum tempo tentado a comprá-lo, o Comilão adquiriu a primeira edição de The Broken Estate (em português A Herança Perdida), do mesmo autor.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Travessa do Fado

No passado fim-de-semana o sr. Comilão e a família da sua mulher celebraram um aniversário na Travessa do Fado, o restaurante do Museu do Fado, no tipicíssimo Largo do Chafariz de Dentro. Em tempos o Comilão foi jantar à casa-mãe, a famosa Travessa, na Madragoa, uma refeição em que comeu costeletas de borrego (nada de transcendente). Desta mais recente refeição comemorativa guarda, pelo contrário, excelentes memórias. Para começar, o pormenor auspicioso de uma magnífica lareira a arder no exterior, dentro de uma selha, e a incensar o ambiente exterior. Lá dentro, decoração bonita num edifício moderno - e de organização algo labiríntica...
Vamos à comida: a palavra de ordem na Travessa do Fado é partilhar. Partilhar petiscos.
O que veio para a mesa: peixinhos da horta (bons), favinhas baby com enchidos (muito saborosas), tomatada (excelente), pastel de massa tenra (bom), lulas recheadas (boas), empadas de galo com salada (não provei) e ainda polvo grelhado com azeite e alho (tenro, mas algo desenxabido). Antes disso, o couvert, com pãozinho às fatias, tapenade de azeitonas (viciante) e manteiga de alho (magnífica). A fechar, duas sobremesas: cheesecake de frutos vermelhos e bolo de chocolate, ambos deliciosos. Embora em geral o serviço fosse muito simpático e eficiente (uma empregada e um empregado estrangeiro, talvez italiano, de grandes bigodes, tão cómico quanto encantador), o intervalo entre o fim do 'prato principal' (se assim se pode falar numa refeição de entradinhas) e a chegada da sobremesa foi incompreensivelmente prolongado. Uma nota para a apresentação cuidada dos pratos, em tachinhos e travessas bonitas.

Travessa do Fado
Largo do Chafariz de Dentro, 1
refeição para cinco pessoas: 73€
veredicto: 4 estrelas. Não estava tudo de comer e chorar por mais, mas quase

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Aquisições de 2012

O Comilão tomou no início de 2012 a decisão de não comprar mais livros. Uma decisão que nem sempre foi cumprida. Aqui fica a lista dos incumprimentos:

Edgar Allen Poe, Poesias Completas (Tinta da China)
Anthony Beevor, Berlin - The Downfall
Susan Sontag, Reborn (Diaries)
The Art and Architecture of Russia (The Pelican History of Art)
The Art and Architecture of Japan (The Pelican History of Art)
The Culture of Cities, Lewis Mumford
A Ilha no Centro do Mundo
Salman Rushdie, Joseph Anton
A Embaixada do Marquês de Fontes ao Papa Clemente XI
Klimt Persönlich
Viena no Tempo de Mozart e Schubert
A Casa de Papel
Conversas com Woody Allen
Bill Bufford, A Ferver
Alexandre Herculano, História de Portugal, volume II
Charles Bukowsky, Mulheres
Henri Pirenne, As cidades da Idade Média
Joshua Benoliel, Fotobiografia
Amadeo Souza-Cardoso, Fotobiografia
Tony Judt, O Chalet da Memória
Con Coughlin, Khomeini's Ghost
Bin Laden
W.G. Sebald, Do Natural
Alexandre Herculano, HIstória de Portugal, vol. II
Fernando Pessoa, Ibéria

Astrolábio

Não me recordo de já ter falado aqui do Astrolábio, um típico restaurante de peixe em Paço de Arcos. Pois bem, vou reparar essa falta agora mesmo.
Dado o Peixe na Linha estar fechado, o Comilão e a sua família apostaram no Astrolábio para o almoço de sábado. E fizeram-no em boa hora, pois o empregado estava a preparar-se para fechar as portas quando viu o nosso carro a estacionar. Para se chegar lá, entra-se para Paço de Arcos (junto ao palácio) e vira-se na primeira à esquerda, uma rua estreitinha, que vai dar a um larguinho, onde fica o nosso restaurante. Serviço simpático e profissional, 'demasiado' atencioso por sermos os únicos clientes (o que tornou tudo mais rápido). Couvert de pão em fatias bem fininhas com manteiga e belas azeitonas com alho e orégãos. Entrada: amêijoas à Bulhão Pato, excelentes. Prato principal: duas douradas de mar (cerca de €40/kg) assadas no carvão para 4/5 pessoas. É pena não ter fotografado a magnífica travessa comprida onde o peixe é servido, uma das assinaturas da casa. Acompanhamento: hortaliças salteadas, batata cozida, batatinhas novas cozidas com pele, cenoura, bróculos - uma panóplia de legumes. Para o peixe vem ainda uma molheira com azeite quente com alhinho picado e salsa. Bebida: Duas Quintas (Douro) branco, que caiu que nem mel. Noutras ocasiões o Comilão tem optado pelo robalo. O peixe é sempre fresquíssimo e assado no ponto. Sobremesa: tarte de maracujá (uma espécie de cheesecake com cobertura de maracujá, muito bom). O arroz doce também foi muito elogiado por um dos comensais.

Veredicto: uma refeição magnífica a um preço razoável (o Comilão espreitou a conta, embora não tenha pago. Total: €107). O Astrolábio é uma aposta segura para os apreciadores de peixe. Pena não ter mais clientela, embora isso (como foi dito) até tenha tido as suas vantagens.