terça-feira, 29 de junho de 2010

Uma história breve

Chamem-lhes VIPS, beautiful people, jet set, nova aristocracia, chamem-lhes o que quiserem. Mas não tenham qualquer dúvida: estava naquela festa tudo quanto é gente interessante. O sr. e a sr.ª Rushdie, um tipo da Ferrari, o François Pinault, o MC francês, o mayor Bloomberg, um fotógrafo milionário, oligarcas russos, coleccionadores suíços, o Tobias Meyer da Sotheby's, o Eli Broad, um gajo muito engraçado que trabalha com o Woody Allen, o careca do Jean Nouvel, actores da nova geração, músicos experimentais, banqueiros cultos, criminosos de guerra, supermodelos e ainda algum príncipe herdeiro. Disseram-me que o Aga Khan também tinha passado por lá. La crème de la crème. E muita malta bonita na casa dos trinta. Nas conversas cruzadas ouvia-se falar inglês, francês e russo, mas também alemão (os suíços), magiar e persa.

Só que eu estava sem paciência nenhuma para aquilo. Noutra ocasião ter-me-ia posto a emborcar copos uns atrás dos outros até ficar divertido e sociável. Mas não naquela noite. Estava com uma ressaca monumental e doía-me a cabeça e os dentes. Ficava com vómitos só de olhar para os copos a transbordar de champagne. Devia estar com um aspecto miserável e seria facilmente confundido com um dos seguranças à paisana, não fosse dar-se o caso de os seguranças serem mais entroncados (ainda que discretamente, nada de gorilas) e sem dúvida muito mais elegantes.

O primeiro encontro não correu bem. Na ânsia de felicitar os anfitriões para depois me poder raspar dali para fora interrompi um tipo qualquer importante e ia pisando a mulher dele. Felizmente logo a seguir encontrei um velho amigo entre os empregados e ficámos um bocadinho à conversa. Assim que pude pirei-me da festa e pus-me a andar até ao primeiro café que encontrei aberto. O café não tinha nada de especial. Além da minha só havia três mesas ocupadas e um alcoólico de meia-idade ao balcão. Numa estava um homem já meio acabado a apontar qualquer coisa nuns papelinhos que depois guardava na carteira, com uma grande chávena de café que por estar vazia parecia ainda maior, noutra um casal de classe média e na terceira dois jovens amigos que deviam ter ali entrado por acaso e conversavam animadamente.

Pedi um café duplo para combater o cansaço e a ressaca. Era difícil não reparar que os suportes de guardanapos estavam sujos e as mesas de contraplacado riscadas. Um placard banal anunciava especialidades da casa. 'Especialidades'? Nem por isso. O serviço era assegurado por duas empregadas novinhas, não muito bonitas, mas simpáticas. Talvez ali estivessem para pagar os estudos.

Lembrei-me da festa, olhei mais uma vez à minha volta e concluí que Deus abençoou as coisas simples.

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