Esta época da I República e participação portuguesa na I Guerra Mundial é muito confusa, mas tem aspectos, momentos e figuras interessantes.
"Afonso Costa emergiu para a política durante a crise do
ultimato, enquanto estudante de direito de Coimbra. A sua carreira académica
foi brilhante. Raramente beneficiou de uma situação suficientemente estável
para conduzir o país na direcção por ele desejada. Os seus três governos foram
todos curtos". A República, para ele, era uma primeira fase necessária para a
implementação de um socialismo integral, o “socialismo do futuro”, que juntava
às teorias de Marx a força do Direito; assentando nos princípios de Liberdade e
de Igualdade, conduziria à verdadeira Justiça entre os homens. Abolição da
propriedade individual e do capital, a que chama perigosos móveis dos piores
crimes.
Em 1900, numa primeira passagem pelas Cortes, defendeu
que “já nada podia valer à monarquia e apenas a adopção do modelo republicano
lograria salvar o país”. Expulso do hemiciclo sob os apupos de outros
deputados, lançou ainda “Rira
bien qui rira le dernier”. Seis anos mais tarde, tendo já ingressado na
maçonaria, iria mais longe: “por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de
Luís XVI” (sobre os adiantamentos à Lista Civil) 16
Freire de Andrade explicou que a neutralidade era a situação
que mais convinha a Portugal – as nossas tropas não estavam preparadas. Afonso
Costa disse que havia que corresponder à vontade popular, que se manifestara a
favor dos aliados. Era preciso pôr o país a caminho da guerra.
A guerra era vista como uma oportunidade para “inverter a decadência
nacional”.
Escreve Freire de Andrade a Teixeira Gomes: “Desde o começo
da guerra, julgando que esta era brincadeira de crianças, logo se estabeleceu
uma tendência, infelizmente animada por muitos que deviam ter juízo e
perspicácia de homens que sabem pensar, de que era preciso irmos para a guerra,
para apanhar alguma coisa da pele do urso”
Em Itália, esta atitude saldou-se em 680 mil mortos e no
advento da ditadura fascista. Na Grécia, acabou por colocar o país na rota da
“maior catástrofe da sua História”.
Costa queria mudar a imagem que a Europa tinha de Portugal,
transformando-a de lendária “República de pesadelo” na igualmente lendária,
idealista, civilizada e progressiva República Portuguesa.
Uma das características da participação portuguesa na Grande
Guerra foram as demoras.
Entretanto, em África… Tropas portuguesas envolveram-se em
combates com forças alemãs muito antes de os dois países entrarem em guerra. 74
As condições em África eram terríveis. Soldados “raquíticos,
tarados e outros com doenças crónicas, que nem para a vida militar devem
servir, cegos de um dos olhos, míopes, herniados” 83 Passam fome e sede: “Nós
não estamos habituados a comer carne que cheira mal e sarda que não se pode
tragar” 84
“A balbúrdia política da passagem de ano 1914-1915 é quase
impossível de descrever” 87
O golpe de estado de 14 de Maio foi muito violento e por
instantes assumiu o carácter de conflito aberto entre a Armada e certas partes
do exército – uma centena de mortos 112
Costa vence as eleições mas não assume a liderança do
governo. A 3 de Julho, enquanto viajava de eléctrico, ouviu uma explosão e,
julgando-se vítima de um atentado, saltou da carruagem para a rua
fracturando o crânio. O estado clínico era grave e circularam rumores por todo
o país quanto às hipóteses de recuperação, geralmente tidas como fracas.
O evoluir da guerra submarina tornou os 72 navios mercantes
alemães surtos em Portugal irresistíveis aos olhos de Paris e de Londres 150
Se Portugal requisitasse os navios, então a Inglaterra
emprestar-lhe-ia o dinheiro. 151
O capitão de um destes navios apontou que “Portugal não
tinha pessoal treinado para aproveitar tantos navios modernos” 174
“Uma vez declarada a guerra (dia 9 de Março), o estatuto dos
navios mudou; só então foram verdadeiramente apresados, passando assim a
propriedade do Estado português, tal como a sua carga (…); foi posta de parte a
questão de compensação aos seus anteriores donos; Portugal era dono agora de
uma enorme, e moderna, marinha mercante” 185-186
“Se não se fizesse a participação na guerra Portugal já hoje
estaria perdido. Se ela prosseguir, e o CEP (…) continuar a dar boa conta de
si, Portugal salva-se e todas as questões internas ficam sem valor e apagadas,
salva a recordação funesta das injustiças sofridas e dos inqualificáveis
agravos que nos atingiram. 203 (finais de 1917)
Em África “tudo corria de mal a pior” p. 304
Se tivéssemos organizado inteligentemente as expedições
teríamos sido bem mais úteis a nós próprios e à nossa aliada, a Inglaterra. Mas
Portugal preferiu dedicar a sua atenção à acção do exército português em
França, por ser mais vistoso” (jornal O Dia) 306
“Um aspecto ainda pouco explorado pela historiografia da
Grande Guerra foi a interferência alemã na vida portuguesa, dificultando a
tarefa dos Governos da União Sagrada e minando, onde e quando possível, o
esforço de guerra” 306-307
“Mais do que qualquer outro acontecimento durante a Grande
Guerra, Fátima demonstrou o enorme fosso que separava a República radical de
Afonso Costa de grande parte da população que dizia representar, mas que na
realidade nem sequer a escutava” 317
Ao longo de 1917 (…) o fiel da balança pendeu decisivamente
a favor da propaganda antiguerra (…). As dificuldades sentidas por todo o país
foram atribuídas pelos inimigos da intervenção a esta política” 320
Barbaridades cometidas pelos portugueses em África 346
Costa aposta todas as fichas na vitória na guerra 353
Viagem de AC e Bernardino Machado ao CEP – Madrid, Verdun,
Reims, Londres. "Durante este período foi BM insultado por um soldado ferido,
durante uma visita a um hospital. João Chagas, presente, ficou muito mal
impressionado não só com o aspecto e comportamento do CEP (…) mas sobretudo
pela hostilidade que detectava entre estes aos governantes” 367
Afonso Costa, detido no Porto, é enviado para Leixões a 10
de Dezembro de 1917, vai para o forte da Trafaria e depois para o forte da
Graça em Elvas. Enquanto Costa era detido, a sua casa em Lisboa era assaltada,
com o recheio deitado à rua. Também o sigilo bancário lhe foi levantado,
especulando a imprensa sobre a verdadeira dimensão da fortuna pessoal do chefe
do Governo deposto”393
“Esta situação é monstruosa” diz o próprio
“O povo republicano estava aborrecido mais do que com a
política, com a conduta pessoal de Afonso Costa, que irritava a todos com a sua
arrogância” diz Chagas 395
“Como está [o CEP], chegando a faltar nalguns batalhões
300-400 homens, oficiais na infantaria e artilharia, não havendo gado para
puxar os carros, faltando-nos camions (…) é um verdadeiro milagre aguentar-se
mais” 397
“A intenção dos Aliados era substituir o CEP na frente por
uma divisão britânica até que, refeitas, as tropas portuguesas, com ou sem
reforços chegados de Lisboa, pudessem regressar a uma frente portuguesa mais
reduzida. Mas foi precisamente no dia marcado para essa rendição que a Alemanha
lançou a sua segunda grande ofensiva de 1918, sendo a frente portuguesa o ponto
nevrálgico de todo o ataque” 404
“O moral das tropas que ocupava o sector há quase um ano,
sem serem rendidas, era muito mau” (Chagas) 404
“Ele é mais do que um proscrito dentro da própria pátria, é
uma espécie de morto dentro da própria vida. Têm-lhe atirado para cima as
acusações mais sangrentas e os epítetos mais degradantes. Ondas de lama têm
rolado sobre ele, cobrindo de podridão e de esterco a sua vida de homem público”
415
AC “via na Conferência da Paz a oportunidade de – à custa
da Alemanha – resolver os problemas financeiros e económicos com que se
deparava Portugal. Não conseguiu (…) As compensações oferecidas a Portugal ao
longo dos próximos anos ficariam muito aquém do desejado” 439Filipe Ribeiro de Meneses
A Grande Guerra de Afonso Costa
Dom Quixote
527 págs., €25
(tem interesse, mas não é uma leitura empolgante)
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