quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

La Ville en France au Moyen Âge


Aqui ficam os apontamentos (excertos) que resultaram da leitura (não integral e ocorrida há uns largos anos) de La Ville en France au Moyen Âge (dir. Jacques Le Goff), que integra uma História da França Urbana. O exemplar aqui retratado foi atacado, pouco depois da sua aquisição, pelo nosso querido Paco.


«Desde antes da metade do século X começa um vasto movimento de expansão cujo ritmo não iria abrandar durante mais de dois séculos. (...) Engendrou uma nova paisagem urbana e esteve na origem de uma nova classe social: a burguesia. Nos primeiros tempos da sua história, a cidade medieval cresceu de maneira original. Em lugar de se desenvolver a partir de um centro único cuja periferia se iria progressivamente urbanizando, oferece as mais das vezes uma estrutura polinuclear cujos elementos novos trazem em geral o nome de burgos e cujo destino variou em função das actividades que as animavam.»

«O burgo – burgus – é o termo que foi mais correntemente utilizado para designar os diferentes aspectos topográficos da dinâmica urbana. (...)
A origem do termo é provavelmente germânica: o feminino burg designava na origem uma elevação fortificada; é assim que ele aparece pela primeira vez em Tácito e Ptolemeu nos topónimos saltus Teutoburgiensis e Asciburgium. Mas, porque burgus é masculino e a mais antiga definição, a de Vegécio, faz dele um castelo, alguns preferiram ver a sua origem no grego pyrgos = torre fortificada. Em todo o caso, o espanhol Orósio no século V, a crónica do pseudo-Fredegário mais tarde, afirmam que o termo era utilizado pelos Bárbaros. Tem por vezes a acepção militar que permanece nas línguas germânicas onde o feminino burg continuou a designar um conjunto fortificado. Todavia, uma inscrição do imperador Valêncio, encontrada na Panónia, dá do burgus uma definição nova, a de um lugar consagrado às trocas». pp. 55-56
O burgus pode ser ainda uma aglomeração de edifícios adossados às muralha ou um povoado rural.

Os primeiros mesteres aparecem cerca de 1100. Talvez sejam extensões das oficinas dos castelos e mosteiros, talvez derivem de uma decisão da autoridade pública visando organizar a produção. Dificilmente nascem de geração espontânea, devido à falta de meios e concertação, por parte dos artesãos, para o fazer. Outra hipótese, também plausível, é que sejam a derivação de associações religiosas inicialmente promovidas pela Igreja. É provável que estas origens diversas se combinem em proporções variáveis.

«Estas guildas, os mercadores não as inventaram. Desde a época carolíngia, apareceram como sociedades de investimento bastante mal definidas onde o elemento germânico predomina claramente; a solidariedade é aí reforçada por um juramento pessoal, concretizada pela comunhão alimentar, muito especialmente a compotacio levada de ordinário e deliberadamente até à embriaguez.» Acusadas de actividades ocultas subversivas, deboche e embriaguez, «em vez de serem suprimidas, elas foram cristianizadas e asseguraram desde então sob o nome de confrarias serviços religiosos pelos mortos e banquetes ou distribuições de víveres pelos vivos».
As confrarias possuem pois um carácter mais especificamente religioso, dedicando-se a acções de caridade. Somos levados a pensar que «os mercadores não criaram a guilda mas, utilizando uma instituição preexistente, sem dúvida a confraria, imprimiram-lhe uma evolução favorável aos seus interesses».
A guila é uma instituição pujante dotada de rendimentos e bens próprios, visando o controlo do comércio, a fixação dos preços e a protecção mútua dos seus membros, a que alia uma componente religiosa e ritual. Graças à sua influência, os mercadores possuem um direito próprio, «o jus mercatorum, reconhecido pela autoridade pública.»

«O castelo atrai o mercado

Afim de satisfazer as necessidades dos do castelo, começaram a afluir perante a sua porta, perto da Ponte do Castelo, comerciantes, mercadores de artigos caros, depois taberneiros, enfim hoteleiros para alimentar e hospedar os que faziam negócios com o príncipe, que estava frequentemente ali; construíram-se casas e instalaram-se albergues onde se alojavam aqueles que não podiam ser os hóspedes do castelo. A sua fórmula era: «Allons au Pont» («Vamos à Ponte»). As habitações multiplicaram-se de tal sorte que depressa se criou uma grande cidade que conserva ainda hoje na linguagem corrente das gentes do povo o nome de «Ponte», pois Bruges significa «ponte», no seu dialecto.

Crónica de Saint-Bertin, século XIV» p.67

«É o campo vizinho que sustentou quase isolado o crescimento das cidades.» p. 106

«As cidades dos séculos XI-XII permanecem muito profundamente impregnadas pelos modos de vida e logo de pensar do mundo rural. Como tal, elas aparecem como grandes vilas; delas se distinguem no entanto pelas actividades de transformação e de troca que estabelecem entre elas e as outras uma diferença de natureza e não apenas de grau; são elas que conferem ao mundo burguês a sua originalidade.» p. 107

«Estas estradas medievais distinguem-se das vias romanas pelo seu percurso mais sinuoso; construídas mais ligeiramente, elas não possuem a fixidez e diluem-se por vezes em variados itinerários paralelos.» p. 109

«Há que notar os mercados especializados em peixe, gado, cereais, tecidos, ervas, etc., as praças, praças de trigo e sobretudo praças de tecidos (...), os talhos e talhos-açougues e as arcadas de diferentes mesteres. Uma menção particular deve ser feita aos moinhos, estas primeiras “fábricas” da economia ocidental (...). Balanças públicas, pesos e medidas (sinne), moedas, manifestam, ao lado das praças, o controlo do artesanato e do comércio pela cidade. Os diferentes usos comunitários da água são recordados pelos poços, fontes e banhos». p. 216

«A cidade e a arte religiosa: o gótico urbano

Georges Duby, num estudo novo e esclarecedor, emitiu a ideia de que a arte cisterciense foi a prefiguração da arte das catedrais. Se esta ideia se verifica do ponto de vista do método de construção e da sua estética, resta que a mudança de ambiente, das igrejas cistercienses na solitude às catedrais na cidade, modifica o significado da arte gótica.
Os laços entre a arte gótica e a cidade afirmam-se em três pontos de vista: o das dimensões e do prestígio, o da presença da sociedade urbana, o do estilo.
Ainda que as causas demográficas não tenham sido senão um dos factores de substituição das antigas igrejas, das quais algumas de resto não datavam senão de há um século ou dois, é certo que o carácter grandioso de muitas das igrejas góticas é em primeiro lugar devido à necessidade de abrigar um maior número de fiéis nas cidades onde, a imigração juntando-se ao crescimento da população local, o crescimento demográfico foi mais forte. A este elemento material junta-se uma mentalidade de desmesura urbana que é de resto, sem dúvida, tanto senão mais a dos bispos e cónegos do que a dos burgueses. Mas revela-se, desde o século XIII, a vaidade dos citadinos que se orgulham das suas igrejas numa época em que o primeiro critério de beleza é o da grandiosidade. Sabe-se a que delírio esta mania das grandezas pôde conduzir certas cidades: é o caso célebre de Beauvais onde, desde 1225, se projectou construir o coro da catedral a uma altura de 48m, o que provoca o desabamento da abóbada em 1284.
As igrejas góticas das cidades, sobretudo as das grandes cidades – neste século XIII que é o da grande vitalidade da arte gótica a trabalhar em numerosos e importantes estaleiros ao mesmo tempo -, tiveram também com a nova sociedade urbana laços mais ou menos estreitos. Do ponto de vista económico e social em primeiro lugar. Marcel David, estudando com minúcia e pertinência «a fábrica e os operários nos estaleiros das catedrais em França até ao século XIV», pode escrever: «Como o empresário capitalista, a fábrica serve de intermediário entre o capital e o trabalho, como ele, ela recorre a um número relativamente grande de trabalhadores; como ele, ela contribui, pelos trabalhos que suscita, a reabsorver à sua volta as irregularidades e insuficiências do emprego. Como ele, igualmente, ela acredita subtrair-se aos entraves da regulamentação corporativa e não imagina que entre ela e cada um dos operários possa, na melhor hipótese, estabelecer-se outro laço senão um acordo sem forma, exclusivo de toda a garantia para o assalariado.» Não seria necessário acreditar, fazendo fé de certos textos mostrando o entusiasmo das populações a contribuir à reconstrução da catedral românica de Chartres, destruída por um incêndio em 1194, que as grandes catedrais do século XIII se constróem com o dinheiro e os encorajamentos dos burgueses. A acção financeira, artística, psicológica é essencialmente a dos bispos e dos cónegos, mais ou menos ajudados pelo rei e príncipes territoriais. Em Reims, onde os burgueses quase sempre se deram mal com os arcebispos, solevam-se em 1233 contra o arcebispo Henri Braisne e erguem barricadas que constróem em parte com as pedras do estaleiro da catedral. Em Aix-en-Provence, onde há uma intensa actividade de construção de igrejas no século XIII, só o estaleiro da catedral Saint-Sauveur não avança porque os burgueses lhe negam o financiamento em proveito do dos conventos mendicantes que têm todos os seus favores. Com os mendicantes, em compensação, o laço com a cidade é evidente e estreito. A arquitectura das igrejas dos conventos organiza-se em grande parte em função de um espaço de predicação aos leigos no interior e no exterior do edifício. Os grandes burgueses cumulam-nos de doações, fazem-se aí enterrar. Mas é preciso também notar a presença dos mercadores e mesteres no interior das catedrais, sobre os vitrais que eles oferecem como em Chartres, ou por intermédio das capelas que se fazem construir em louvor ao seu santo patrono nas cotas baixas da nave, como em Rouen, a partir de 1270. O gótico é bem uma arte urbana. Ele culmina em Paris, com Notre-Dame, com a Sainte-Chapelle, na próxima Saint-Denis, necrópole real. Robert Branner vê aí o triunfo, sob Saint Louis, de um estilo de corte, de corte urbana que deve, em Paris, manifestar ostensivamente, através dos seus monumentos religiosos, «a eminência do rei de França e a posição única da cidade». As destruições do tempo impedem-nos de ver que, arte religiosa, arte real, o gótico urbano foi também uma arte burguesa. Os restos de algumas casas de patrícios dos séculos XIII-XIV, um edifício como a Casa dos músicos em Reims recordam-nos o desenvolvimento e o brilho duma arquitectura e duma escultura profanas no seio da cidade gótica do século XIII.
Enfim Panofsky volta a colocar estes monumentos sob o olhar da sociedade para a qual os arquitectos góticos os construíram, e que eram os mesmos que aqueles para quem os mestres universitários construíam os modelos de sermões e das «disputas» escolásticas que, tratando de todas as questões do momento, acabavam por se tornar eventos sociais muito semelhantes às nossas óperas, aos nossos concertos ou às nossas palestras públicas».
Sobretudo, espectacular e durável até nós sob os seus aspectos arquitecturais, o gótico urbano transformou também as outras artes. É o caso da pintura sob a forma da miniatura. A partir do século XIII, as oficinas urbanas suplantam as oficinas monásticas e Paris, ainda aqui, torna-se o grande centro. Pôde-se desocultar uma parte da produção das oficinas dos dois grandes mestres parisienses : no fim do século XIII, mestre Honoré, «Honoratus illuminatus», habitante da rua Boutebrie, aquando do corte de 1242, pagou o montante mais elevado e, na primeira metade do século XIV, Jean Pucelle, que não tinha senão clientes reais e aristocráticos: desenhou o emblema da confraria parisiense de Saint-Jacques-aux-Pèlerins (Santiago-dos-Peregrinos).» pp. 373-375

«1330: o rei Philippe VI sonha reunir os representantes das suas boas cidades».
«Os pobres morrem aos cachos nas ruas do Languedoc, mas a cidade de Périgueux nunca foi tão populosa. Os burgueses de Bordeaux enriquecem-se cada vez mais exportando os seus vinhos, mas os mercadores de Marseille inquietam-se com o marasmo do porto. O estaleiro da catedral de Narbonne acaba de ser abandonado, mas vai-se retomar a obra em Clermont, e o coro de Saint-Ouen surgiu em Rouen...» p. 397

«A construção de muralhas fez-se naturalmente acompanhar de destruições maciças; (...) Assim desapareceram inúmeras igrejas mendicantes.» p. 421

Cerca de 1350 «Os edifícios em pedra eram ainda muito raros. (...) a pedra permanecia um material senhorial ou patrício. (...) Um pouco por todo o lado, a casa do artesão como a do mercador abastado era uma construção com faces de madeira erguida sobre uma soleira (embasamento) de tijolo ou cascalho. As tradições jogavam aí o seu papel, mas a preocupação económica era primordial: a construção duma tal casa era rápida; ela podia ser pré-fabricada (...) e levantada muito rapidamente, o carpinteiro deixando os postes previamente talhados, que encaixavam uns nos outros.»
As frestas deixadas pela malha em madeira eram preenchidas com compostos de gesso ou terra argilosa. As coberturas utilizavam materiais como o colmo ou ripas em forma de telha.
«Uma tal casa, em que o madeiramento representava mais de 70% dos custos de construção, requeria uma manutenção incessante. A água, mais ainda do que o fogo, ameaçava-a em permanência e, escorrendo sobre as paredes, apodrecia as ripas, a armação de tabique ou os postes dos cantos. (...) Negligenciar a manutenção destas placagens, de uma cobertura, das goteiras, expunha a casa a uma ruína rápida». pp. 422-423

«Esta degradação contribuiu para acentuar o carácter rural de certas zonas periféricas; ilhotas em vias de desertificação serviam de abrigo aos pobres ou tornavam-se temporariamente zonas perigosas.
De resto, os conselhos urbanos encontravam-se incapazes de cuidar do património colectivo, a manutenção da muralha absorvendo o essencial das receitas; as pontes destruídas pelas cheias não eram reerguidas, o pavimento desaparecia sob a lama e a sujidade, os mercados enterravam-se. Essa foi a paisagem urbana no ponto mais baixo da depressão, quando os salteadores vinham há muito batendo os caminhos e que a peste tinha atingido. Então a natureza selvagem retomava efemeramente os seus direitos em torno das muralhas, os lobos vinham vaguear até às portas e o mato estendia-se ao coração da cidade.» p. 424

“Porque é preciso lutar eficazmente contra os incêndios (existe uma «milícia do fogo» com as suas tropas de choque de carpinteiros e pedreiros) os poços públicos são multiplicados (...) e empreendem-se grandes trabalhos para captar as fontes próximas ou longínquas (...); aquedutos, canalizações de terracota ou madeira conduzem as águas a fontes que, no final do século XV, adossadas a uma parede ou plantadas no meio das praças, se tornam verdadeiros monumentos da glória urbana.»

Durante o século XV assiste-se a um progresso da construção em alvenaria em detrimento das técnicas tradicionais com materiais combustíveis.


“Porque se a largura da casa em nada se modifica, a tendência para a elevação propaga-se um pouco por todo o lado; lição dos anos de retoma? Queria-se conservar os jardins, pelo menos na Paris onde a reconstrução se fez acompanhar da reposição em ordem do habitat e da multiplicação dos andares (em casos extremos seis ou sete), afim de arejar o quarteirão». p. 550

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