Excerto do livro História para amanhã, de Roman Krznaric (edições 70)
«Poucas pessoas ouviram falar em John Woolman. Nascido em Nova Jérsia em 1720, Woolman era membro da Sociedade Religiosa dos Amigos, uma seita protestante radical mais comummente conhecida como os quacres. Os quacres distinguiam-se pela rejeição da ideia de um clero ordenado, pelo que podiam ter uma relação direta com
Deus, e pela sua dedicação à promoção da justiça social. Mas eram também defensores de uma vida simples ou daquilo a que se referiam como «singeleza», materializada num conjunto de regras que ainda hoje vigoram, o chamado «Testemunho de Simplicidade».
Os quacres como Woolman usavam roupas escuras feitas de tecido sem tingimento e rejeitavam ornamentos vistosos como fivelas, rendas ou fitas. Minimizavam os bens materiais, preferindo poucos móveis de madeira a colchões estofados e cortinas de veludo. Comiam alimentos simples e até falavam com simplicidade, evitando títulos honoríficos referindo-se aos dias da semana como «Primeiro Dia», «Segundo Dia» e por aí fora.
No início do século XVIII, muitos quacres estavam incomodados com o número crescente dos seus confrades que andavam a quebrar as regras - de que era exemplo o próprio fundador da Pensilvânia,
William Penn, que vivia numa casa majestosa e tinha uma predileção por ótimos vinhos e por cavalos puro-sangue. Na década de 1740, Woolman encabeçou um movimento para devolver o quacrismo às suas raízes espirituais e éticas de singeleza e piedade. Viajou incansavelmente pelo país, pregando as virtudes da simplicidade e incitando os outros quacres a combater injustiças como a escravatura, tema acerca do qual publicou numerosos ensaios.
PORTRAIT OF JOHN WOOLMAN The original sepia drawing on a large folio sheet from which this reproduction has been made is almost certainly the work of John Woolman's friend and contemporary, Robert Smith III, of Burlington, New Jersey, son of Daniel (d. 1781), and grandson and namesake of the well known Judge Robert Smith of the Court of Common Pleas, Burlington County (1769 &c). Robert Smith III married Mary, daughter of Job Bacon, of Bacon's Neck, N. J. He had a natural gift for seizing a likeness and has left a large collection of striking sketches. The technique is identical with this sketch, which, however, is more ambitious, and the erratic background is omitted. The medal of the British and Foreign Anti-Slavery Association, founded in 1787 by Thomas Clarkson, which appears in the original, goes to prove this a memory sketch, as are many of Robert Smith's portraits, and also furnishes corroborative evidence of its genuineness. The original was in possession of the late Governor Samuel W. Pennypacker, whose endorsement is on the reverse, and whose accurate judgment was seldom at fault. It was sold with the contents of his library in 1908 and came later into the hands of the present owner, George Vaux, Jr., of Bryn Mawr, Pa., to whom are due the editor's thanks for the privilege of reproduction.
Não sendo nem um grande orador nem um intelecto brilhante a principal razão para a sua fama era, segundo um historiador, a de ser «o mais nobre exemplo de vida simples que a América alguma ver
produziu». Woolman transformou a vida simples num desporto radical. Depois de se estabelecer como comerciante de tecidos, para obter meios de subsistência, deu por si a ganhar tanto dinheiro que tentou reduzir os seus lucros pedindo aos clientes que comprassem menos tecidos e de peças mais baratas - o que não é algo que nos ensinem na Harvard Business School. Por fim, em vez disso, passou a tratar de um pomar de macieiras. Woolman foi também pioneiro do comércio justo, boicotando os artigos de algodão produzido em plantações com escravos e insistindo em pagar diretamente, com moedas de prata, aos criados escravizados das casas que visitava. E também era um vegetariano praticante. Certa vez, sendo-lhe oferecida carne de aves, respondeu: «O quê? Querem que eu coma os meus vizinhos?». Ao viajar como missionário para Inglaterra, em 1771, Woolman ficou tão incomodado com luxo da sua cabina navio que decidiu dormir, durante as seis semanas seguintes, no húmido e sujo convés, com os marinheiros. Ao chegar a Inglaterra, decidiu visitar York, onde planeava observar, em primeira mão, as pobres condições sociais do país. Mas, ao ouvir dizer que teria de viajar numa carruagem puxada por cavalos, Woolman decidiu evitar essa crueldade para com os seus irmãos equinos, preferindo, em vez disso, ir a pé - mais de duzentas milhas. Por fim, chegou a York, mas nunca mais de lá saiu. Enquanto ali esteve, apanhou uma dose mortal de varíola e foi enterrado numa campa de mendigo.» pp. 71-73
E agora sobre o Japão:
«Edonomia: a sustentabilidade profunda no Japão
pré-industrial
Imaginem que se encontram na velha ponte de madeira de Nihonbashi, no coração comercial de Edo, a antiga cidade japonesa agora conhecida como Tóquio. Estamos mais ou menos no ano 1750, no
período Edo, a época que foi de 1603 a 1868, governada pelos xoguns Tokugawa. Vemo-nos rodeados de um burburinho de moradores que conversam enquanto giram as sombrinhas, de comerciantes de marisco que se apressam a atravessar a ponte, a equilibrar cestos transbordantes aos ombros, e de trabalhadores que transportam arroz e tecidos para as bancas do mercado em ambas as margens do rio. O cheiro vindo do famoso Nihonbashi Uogashi - o mercado do peixe - flutua no ar. Olhamos para o Sol nascente, à distância, no horizonte da baía de Edo.
O Japão governado pelos Tokugawas estava isolado do resto do mundo: numa tentativa de se proteger da influência dos missionários cristãos e das potências ocidentais, o regime tinha cortado a maior parte
das relações comerciais internacionais e proibido as viagens para terras estrangeiras. Mas isso não impediu Edo de se tornar uma cidade colossal, com mais de um milhão de habitantes. Esta era dominada pelo Castelo de Edo e pelas residências dos samurais e dos senhores regionais, ou dáimios. As shomin - as pessoas comuns - viviam, sobretudo, a leste do castelo, sendo grande parte do resto da cidade ocupada por templos e outros edifícios religiosos.
Depois de ter sido devastada pelo incêndio de Meireki, em 1657, quando se estima que cem mil pessoas tenham morrido, Edo continuou a ser uma cidade de madeira, das casas aos templos e dos barcos às pontes.
Mas, olhando atentamente, Edo tinha algo de ainda mais notável: era uma cidade sem desperdício. Quase tudo era reutilizado, reparado, reaproveitado ou, em última instância, reciclado - aquilo a que, hoje em dia, chamaríamos uma economia circular. A economia de Edo «funcionava como um muito eficiente sistema em circuito fechado», defende Eisuke Ishikawa, historiador da sustentabilidade. Um yukata tradicional - um simples quimono de verão, feito de algodão - era usado até o tecido começar a ficar desgastado, altura em que se tornara suficientemente macio para ser transformado num pijama. A fase seguinte da sua vida era como fralda, que podia ser lavada repetidamente, após o que se poderia tornar um pano de lavar o chão, antes de, por fim, ser queimado como combustível. O algodão era tão precioso que foi desenvolvida uma tradição de retalhos, a chamada boro - literalmente, trapos esfarrapados -, em certas partes do Japão, com os aldeões pobres a reunir fragmentos de pano deitados fora e a coserem-nos formando casacos e outras peças de roupa, que eram passadas de geração em geração. Tudo era recolhido para ser reutilizado - os pingos de cera das velas eram novamente moldados, as antigas panelas de metal eram derretidas, o cabelo humano era vendido a fabricantes de perucas. A conceção modular das casas significava que as tábuas do soalho podiam ser facilmente removidas, aplainadas e reutilizadas em novos edifícios. Os samurais em maré de azar reparavam sombrinhas. A palha que sobrava do cultivo do arroz era usada para fazer sandálias e cordas, para embrulhar utensílios domésticos e, por fim, como fertilizante e combustível. A reciclagem de papel era uma enorme indústria - inclusive, reciclava-se o papel higiénico, que era feito das resistentes fibras das
cascas de árvore. Uma pessoa não pagava a calhandreiros para levarem os dejetos humanos - eles é que lhes pagavam e, depois, vendiam a sua preciosa carga como fertilizante agrícola. Embora esta economia circular funcionasse em todas as ilhas do Japão, o seu maior desenvolvimento ocorreu na cidade de Edo, onde havia mais de mil negócios de restauro e reciclagem.
Esta cultura de profunda
sustentabilidade era reforçada por extensa regulamentos que visavam a gestão da escassez de recursos, especialmente quanto à madeira. A economia do Japão dependia tanto da madeira quanto, hoje em dia, dependemos dos combustíveis fósseis. Quando os xoguns Tokugawa tomaram o poder, viram-se confrontados com um grave carência desse precioso recurso: os antigos terrenos arborizados tinham sido tão drasticamente depauperados - em parte, devido ao crescimento demográfico - que havia uma verdadeira ameaça de colapso económico. De acordo com o historiador ambiental Conrad Totman, «o atual Japão deveria ser uma sociedade rural empobrecida e repleta bairros de lata, subsistindo com base numa paisagem lunar erodida, não como uma sociedade abastada, dinâmica e altamente industrializada que vive num arquipélago luxuriantemente verde».
O regime regulatório Tokugawa, que lhes permitiu evitar esse destino, teve início com a proibição do desmatamento, incluindo limites ao abate de árvores de certos tamanhos e de certas espécies, de modo
que se permitisse a regeneração da floresta. As multas eram significativas e, nalgumas regiões, infringir as regras era punível com a morte. Havia também restrições ao tipo de ferramentas que podiam ser usadas para desmatar e à quantidade de lenha que os aldeões podiam recolher. Estas medidas eram combinadas com um sistema abrangente de racionamento da madeira. Foram introduzidos decretos que limitavam o tipo, o tamanho e o número de pedaços de madeira que podiam ser usados na construção de casas e de outros novos edifícios. As regras do racionamento estavam intimamente ligadas ao estatuto: os que se achavam mais acima na hierarquia social, como os samurais e os nobres, tinham autorização para usar mais madeiras raras e podiam construir casas maiores, mas também eles se deparavam com restrições. Embora as regras de racionamento da madeira fossem, por vezes, desrespeitadas, foram um instrumento político crucial, que «comprou tempo» para a regeneração dos terrenos arborizados, defende Totman.
Estas restrições negativas do lado da procura eram combinadas com uma abordagem positiva do lado da oferta: os Tokugawas enveredaram por um dos mais extensos programas de plantação florestal a que o mundo alguma vez assistiu. Embora se tratasse de uma política de cima para baixo, imposta pelo xogunato reinante, esta estava altamente dependente do envolvimento das populações rurais. Conquanto alguns nobres regionais usassem mão de obra escrava, com o passar do tempo desenvolveu-se uma série de estruturas de incentivo, como a oferta de pagamentos em dinheiro aos aldeões para plantação de novas árvores. As florestas arrendadas tornaram-se mais comuns, muitas vezes sob a forma de nekiyama, na qual um aldeão plantava um local e vendia antecipadamente a madeira a um comerciante. Os aldeões cultivavam as árvores e, quando estas eram abatidas, depois de várias décadas, eles podiam replantar o local e voltar a arrendar a terra. As assembleias das aldeias desenvolveram também novas regras para administrar as florestas comunitárias, conhecidas como wariyama, para assim ajudar a geri-las de maneira sustentável e a evitar litígios, e plantaram-se novas matas para proteger as terras da erosão e das inundações. Ao longo de um período de um século, com início por volta de 1750, foram plantadas árvores às dezenas de milhões, reflorestando a paisagem devastada.
Esta combinação de circularidade sustentável e regeneração dos recursos era a essência daquilo a que se chamou «Edonomia», que surgiu no Japão pré-industrial. O período Edo continua a ser um dos melhores exemplos históricos de como poderá ser uma economia regenerativa que funcione dentro de limites ecológicos seguros.»
capa de História para Amanhã, de Roman Krznaric (Edições 70(