Excerto de Os cúmplices de Hitler - os rostos do Terceiro Reich, de Richard J. Evans (Edições 70)
«Tendo em conta a natureza masculina radical do regime nazi,
não é de admirar que poucas mulheres tenham ido a tribunal. Algumas alcançaram muita notoriedade, mas não tanta como Ilse Koch. Uma das
mais notórias foi Irma Grese, que a imprensa alcunhou de «bela fera de Belsen», «rainha do gangue de Belsen», «monstro louro»
e «mulher de Satã». «Era uma das mulheres mais bonitas que alguma vez vi», testemunhou Gisella Perl, uma ex-prisioneira que tinha sido médica em Auschwitz: «Tinha um corpo perfeito, o rosto era claro e angélico, e os olhos azuis eram os mais alegres e inocentes que se podem imaginar. Mas Irma Grese foi a pessoa mais depravada, cruel e criativamente perversa que alguma vez encontrei.»
Grese destacou-se entre os réus do julgamento dos guardas e funcionários do campo de concentração de Bergen-Belsen, cuja descoberta pelas forças britânicas, em 15 de abril de 1945, chocou e horrorizou o
mundo. O campo continha cerca de 60 mil presos famintos e cheios de doenças, no meio de 13 mil cadáveres por enterrar; 14 mil dos sobreviventes estavam tão debilitados que morreram nas semanas seguintes. Grese permaneceu no campo, aparentemente convencida de que nada tinha a recear dos representantes dos Aliados. Porém, dois dias após a chegada dos britânicos, foi presa. Depois de ser obrigada a auxiliar no enterro dos cadáveres, foi transferida para uma prisão na cidade de Celle, onde ficou a
aguardar julgamento por um tribunal militar britânico que se reuniu em Luneburgo, juntamente com o comandante do campo, Josef Kramer, e outros quarenta e três réus. Cerca de 2 mil jornalistas e observadores assistiram à leitura das acusações, que incluíram a participação voluntária num «sistema de homicídio, brutalidade, crueldade e negligência criminosa». Muitos dos réus, incluindo Grese, tinham servido em Auschwitz e tinham sido retirados para Belsen devido à aproximação do Exército Vermelho.
Grese admitiu ter obrigado os prisioneiros a ficarem de pé durante horas nas contagens matinais e que, em Auschwitz, andava com uma chibata com a qual lhes batia. «Era um chicote muito leve», afirmou em tribunal, «mas, quando eu batia com ele em alguém, doía.» O comandante do campo proibiu-a expressamente de usar a chibata, mas Grese usava-a quando descobria um detido a roubar alguma coisa ou quando as suas ordens eram ignoradas. Também confessou que andava armada e que espancara prisioneiros com uma bengala e com a mão enluvada. Alguns ex-presos de Auschwitz testemunharam que a tinham visto matar a tiro uma judia húngara de trinta anos sem a mínima provocação. Outra testemunha contou ao tribunal que a sua «ocupação favorita era bater-lhes e pontapeá-los com as suas botifarras depois de caírem ao chão». Um ex-prisioneiro polaco relatou que Grese tinha acompanhado,
na sua bicicleta e com um cão, um destacamento de trabalho que teve de caminhar ao longo de cerca de dezasseis quilómetros para apanhar ervas para a cozinha do campo. Alguns presos caíram, por estar
fracos e malnutridos, e Grese atiçou-lhes o cão. Ao ser contrarinterrogada, disse que nunca tivera um cão, mas admitiu ter forçado um destacamento de trabalho a correr à volta do campo por «desporto,
como punição pelo roubo, por desconhecidos, de alguma carne da cozinha do campo. Alguns detidos colapsaram, exaustos, mas Grese negou que alguém tivesse morrido. Em Auschwitz, Grese auxiliou o médico do campo, Josef Mengele, a selecionar prisioneiros para as câmaras de gás, que Grese sabia que estavam à sua espera. «Quando alguma fugia», disse o advogado de acusação, «você apanhava-a e
espancava-a.» «Sim», respondeu ela. Quando lhe perguntaram se obrigava os presos a ajoelharem-se quando se portavam mal na contagem ela anuiu.»
pp. 463-464
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