«O Paço Real da Ribeira desapareceu debaixo de água e a onda gigante, carregando consigo veleiros, barcaças e faluas, embateu com um troar de canhões na primeira linha de edifícios em chamas, infiltrou-se com maior pressão ainda nas ruas estreitas da Baixa e só parou muito depois da praça do Rossio. A esta onda seguiram-se duas outras igualmente destruidores, que tudo e todos arrastaram numa fúria bíblica».
«Depois, o homem tirou-lhe o lenço que trazia ao pescoço e ela protestou.
– Não me descomponhas – disse, num tom gelado. E essas foram as últimas palavras que proferiu.
O algoz vendou-lhe os olhos com o lenço.
Caiu um silêncio de horror quando o algoz ergueu o cutelo, suspenso um momento no ar, e, num só golpe de grande destreza, decepou-lhe a cabeça sem lhe dar um segundo de sofrimento. A lâmina afiada atravessou-lhe o pescoço como uma corrente de ar. Foi tal a perfeição do golpe, que passou a ilusão de ter falhado, pois a cabeça manteve-se no seu lugar e só rolou para o chão do patíbulo quando o corpo sem vida de D. Leonor se inclinou para a frente, e do pescoço cortado ao meio espirrou uma fonte de sangue muito vermelho».
D. Leonor foi a primeira supliciada no processo dos Távoras, tema de A Maldição do Marquês. A esta carnificina escapou apenas um criado do duque de Aveiro, José Policarpo de Azevedo. É ele o protagonista deste excelente romance histórico bem escrito e bem documentado.
Tiago Rebelo
A Maldição do Marquês
Ed. Asa
574 págs., €19,90
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
Livros e abelhas - James Russell Lowell
Há uma bonita passagem de Embalando a minha Biblioteca em que Alberto Manguel fala sobre o zumbido das abelhas que lhe faz companhia enquanto lê sentado num murete da sua propriedade em França.
Essa passagem liga bem com esta citação de James Russell Lowell (1819-1891), poeta romântico, diplomata, jornalista, primeiro editor da The Atlantic Monthly:
Essa passagem liga bem com esta citação de James Russell Lowell (1819-1891), poeta romântico, diplomata, jornalista, primeiro editor da The Atlantic Monthly:
“Books are the bees which carry the quickening pollen from one to another mind.”
traduzindo: "Os livros são as abelhas que transportam o pólen fecundador de uma mente para a outra"
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
O homem com o bafo de ouro. Bill Bryson - O Corpo, Um Guia para Ocupantes
Bill Bryson, o homem que sabe quase tudo
Sensacional e fascinante, o mais recente livro de Bill Bryson publicado em Portugal (ed. Bertrand).
Trata de assuntos aos mais diversos níveis, do metafísico ao repugnante.
Fiz uma extensa seleção de excertos, destacando, para começar em beleza, uma história sobre o grande engenheiro oitocentista inglês Isambard Brunel. Embora a história seja contada por Bryson, decidi dar-lhe um título:
O homem com o bafo de ouro
«Na primavera de 1843, o grande engenheiro Isambard Kingdom
Brunel fez uma rara pausa no seu trabalho – estava a construir o SS Great
Britain, o maior e mais complexo navio a sair de um estirador de desenho à
época – para entreter as crianças com um truque de magia. No entanto, as coisas
não correram bem como planeado. A meio da atuação, Brunel engoliu
acidentalmente uma moeda de ouro de meio soberano que tinha escondido debaixo
da língua. Podemos facilmente imaginar a expressão de surpresa de Brunel,
seguida por consternação e talvez pânico ao sentir a moeda deslizar-lhe pela
garganta e alojar-se abaixo da traqueia. Não lhe causava muita dor, mas era
desconfortável e enervante já que sabia que, se se movesse apenas um pouco, a
moeda podia sufocá-lo.
Isambard Kingdom Brunel (1806-1859)
Ao longo dos dias seguintes, Brunel, os seus amigos, colegas,
familiares e médicos tentaram todos os remédios óbvios, desde fortes palmadas
nas costas até segurá-lo de pernas para o ar pelos tornozelos (era um homem de
baixa estatura e fácil de levantar) e sacudi-lo vigorosamente, mas nada
resultou. Brunel decidiu procurar uma solução à engenheiro e inventou uma
estrutura na qual podia pendurar de cabeça para baixo e ser balouçado em
círculos largos, na esperança de que o movimento e a gravidade fizessem cair a
moeda. Também não funcionou.
O problema de Brunel tornou-se motivo de conversa pela nação.
Chegaram-lhe sugestões vindas de todos os cantos do país e do estrangeiro, mas
todas as tentativas falharam. Por fim, o conceituado médico Sor Benjamin Brodie
decidiu tentar uma traqueotomia, um procedimento arriscado e desagradável. Sem
o benefício de uma anestesia – a primeira utilização de anestesia na
Grã-Bretanha terá lugar apenas três anos mais tarde – Brodie fez uma incisão na
garganta de Brunel e tentou extrair a moeda com uma espécie de pinça comprida
introduzida nas vias aéreas, mas Brunel não conseguia respirar e tossiu tão
violentamente que tiveram de abandonar a tentativa.
Finalmente, no dia 16 de maio, mais de seis semanas depois do
início da sua provação, Brunel fez-se prender novamente à sua engenhoca e
colocaram-no em movimento. Quase imediatamente, a moeda caiu e rebolou pelo
chão». p. 122
E agora vamos ao resto.
«Desmontados, nós somos de facto
enormes. Os nossos pulmões, alisados, cobririam um campo de ténis, e as vias
aéreas dentro deles iriam de Londres a Moscovo. O comprimento de todos os
nossos vasos sanguíneos daria duas voltas à Terra. Mas o mais espantoso de tudo
é o ADN. Há um metro dele comprimido dentro de cada célula, e as células são
tantas que, se uníssemos todo o ADN do nosso corpo num único fio, ele teria 16
mil milhões de quilómetros, uma distância maior do que da Terra a Plutão» p. 16
Quantos átomos são necessários
para fazer uma pessoa?
«No total, são precisos sete mil
milhões de mil milhões de mil milhões (ou seja, 7 000 000 000 000 000 000 000
000 000, ou oito octiliões) de átomos para formar uma pessoa»
«Todos sabemos que não se pode
viver sem cabeça, mas quanto tempo ela sobrevive depois de cortada, exatamente,
é uma questão que recebeu muita atenção em finais do século XVIII. Era uma boa
altura para tal, porque a Revolução Francesa fornecia a estas mentes
inquisitivas um abastecimento constante de cabeças decepadas para examinarem.
Uma cabeça decapitada ainda
contém algum sangue oxigenado, pelo que a perda de consciência pode não ser
instantânea. As estimativas de quanto tempo o cérebro pode continuar a
funcionar vão dos dois ao sete segundos – isto partindo do princípio de que a
separação do corpo é perfeita, o que não acontece sempre, de modo algum. [...]
Tal como Frances Larson diz na sua fascinante história da decapitação, Severed,
Mary, a rainha da Escócia, precisou de três valentes golpes antes de a sua
cabeça cair no cesto, e ela tinha um pescoço relativamente delicado».
Gaguez – p. 141
«As sangrias eram consideradas
benéficas, não só para doenças, mas para acalmar a pessoa. Frederico, o Grande,
da Prússia era sangrado antes da batalha só para lhe acalmar os nervos. AS
taças de sangria eram bens preciosos da família, passados de geração em
geração. A importância da sangria é ainda hoje bem evidente no facto de o
venerável jornal médico da Grã-Bretanha The Lancet, fundado em 1823, ter o nome
do instrumento utilizado para abrir as veias»165
A glândula pituitária [...] –
que está enterrada nas profundezas do cérebro, diretamente atrás dos olhos -, é
mais ou menos do tamanho de um feijão, mas os seus efeitos podem ser,
literalmente, enormes. Robert Wadlow, de Alton, Illinois, o humano mais alto
que alguma vez viveu, tinha um problema na glândula pituitária que o impediu de
parar de crescer devido a um excesso de produção contínuo da hormona de
crescimento. Wadlow, um homem tímido e bem disposto, aos oito anos era mais
alto do que o pai (de estatura normal), media 2,10 metros aos 12 anos e mais de
2,40 metros quando acabou o ensino secundário em 1936 – tudo por causa de um
pequeno excesso de trabalho químico deste feijão no meio do seu crânio. Nunca
parou de crescer e, no auge da sua fama, media mais de 2,70 metros. Embora não
fosse gordo, pesava cerca de 225 quilos e calçava o tamanho 100. Aos vinte e
poucos anos já caminhava com grande dificuldade. Para se apoiar, usava um
aparelho nas pernas, que lhe roçava a pele e acabou por causar uma ferida, o
que levou a uma infeção grave que se tornou sética e o matou durante o sono no
dia 15 de julho de 1940. Tinha apenas 22 anos de idade. A sua altura, no
momento da morte, era 2,70 metros». 181
«A carne de um braço humano,
depois de removida a pele, é surpreendentemente parecida com carne de fgrango
ou peru. Só quando vemos que termina numa mão com dedos e unhas é que nos
apercebemos de que é carne humana. É nessa altura que achamos que se calhar vamos
vomitar»
]Os órgãos] não são fixos e
duros como nos modelos de plástico, estes movem-se facilmente. Fazem-me lembrar
vagamente balões de água. Há dentro do corpo muitas outras coisas – vasos
sanguíneos, nervos e tendões, muitos, muitos intestinos, tudo como se tivesse
sido atirado lá para dentro ao acaso» 200
Sobre a cartilagem
«É muito mais lisa do que o
vidro; tem um coeficiente de fricção cinco vezes inferior ao gelo. Imagina
jogar hóquei numa superfície tão lisa que os patinadores se deslocariam dezasseis
vezes mais depressa? A cartilagem é assim. Porém, ao contrário do gelo, não é
quebradiça. Não estala sob pressão, como o gelo. E somos nós que a produzimos.
É uma coisa viva. Não há nada igual na engenharia ou na ciência. A maior parte
da melhor tecnologia à face da Terra está aqui mesmo, dentro de nós» 201
«Tranquila e ritmicamente,
acordado ou a dormir, geralmente sem pensar nisso, todos os dias você inspira e
expira cerca de 20 000 vezes, processando com constância cerca de 12 500 litros
de ar, conforme o seu tamanho e nível de atividade São 7,3 milhões de
inspirações entre aniversários, 550 milhões, aproximadamente, ao longo de uma
vida» 263
«Na verdade, somos tão cabeludos
como os nossos primos macacos, simplesmente os nossos pelos são maios finos e
claros. No total estima-se que tenhamos cerca de cinco milhões de pelos mas o
número varia de acordo com a idade e as circunstâncias e, de qualquer forma, é
apenas um palpite»p. 32
Comichões - 41
«Para um objeto tão puramente
assombroso, o cérebro humano é bastante básico, à primeira vista. Para começar,
é 75%-80% água, com o restante dividido essencialmente entre gordura e
proteína. É verdadeiramente espantoso que três substâncias tão mundanas possam
unir-se de uma forma que nos permite pensamento e memória, visão e apreciação
estética, e tudo o resto. Se retirasse o cérebro do crânio, ficaria certamente
surpreendido ao perceber como ele é macio. A consistência do cérebro já foi
comparada a tofu, manteiga ou um pudim ligeiramente cozido demais».
Memória – 80-83
Cabeças cortadas – 97
«Se tivesse um globo ocular humano na mão, talvez ficasse
surpreendido com o seu tamanho, já que vemos apenas cerca de um sexto dele
quando está encaixado na órbita. O olho parece um saco cheio de gel, o que não
admira, pois está mesmo cheio de um material semelhante a um gel, o [...] humor
vítreo (‘humor’, no sentido anatómico, significa qualquer fluido ou semifluido
do corpo e não, obviamente, a sua capacidade de fazer rir)» 107
«As lágrimas não só mantêm as pálpebras a deslizar bem, como
uniformizam imperfeições minúsculas na superfície do globo ocular,
possibilitando uma visão focada. Contêm também químicos antimicrobianos, que
conseguem manter à distância a maior parte dos agentes patogénicos. Há três
variedades de lágrimas: basais, reflexas e emocionais. As lágrimas basais são
as funcionais, que fornecem lubrificação. As lágrimas reflexas são aquelas que
surgem quando o olho é irritado por fumo, cebolas cortadas ou coisas do género.
E as emocionais são, obviamente, o que o nome indica, mas são também únicas.
Somos as únicas criaturas que choram por sentimento, tanto quanto sabemos.
Porque o fazemos é mais um mistério da vida» 108 «No total, uma pessoa produz
entre 150 e 300 mililitros de lágrimas por dia»
Todos os dias, só para sobreviver, o rato tem de ingerir
cerca de 50% do seu próprio peso em comida. Os humanos, em contraste, precisam
de consumir apenas cerca de 2% do seu peso para satisfazer as necessidades
energéticas. [...]
Podíamos reduzir consideravelmente as nossas necessidades
energéticas se tivéssemos sangue frio. Um mamífero típico consome cerca de
trinta vezes mais energia por dia do que um réptil; o que significa que temos
de comer num dia o que um crocodilo precisa de ingerir num mês. O que ganhamos
com isto é a capacidade de saltar da cama de manhã, em vez de termos de ficar
espojados numa rocha a aquecer ao sol, de conseguirmos mover-nos à noite ou com
tempo frio, e de sermos de um modo geral mais enérgicos e reativos do que os
nossos amigos répteis 232
Uma área em que todos os animais são uniformes –
curiosamente, de forma quase arrepiante – é em relação ao número de batimentos
cardíacos de que dispõem ao longo de uma vida. Apesar das grandes diferenças na
velocidade dos batimentos, quase todos os mamíferos têm cerca de 800 milhões de
batimentos cardíacos dentro deles, se viverem uma vida de duração média. A
exceção são os humanos. Nós passamos os 800 milhões de batimentos depois dos 25
anos e continuamos a viver mais 50 anos, o que equivale a uns 1,6 mil milhões
de batimentos cardíacos. É tentador atribuir esse vigor excecional a alguma
superioridade inata da nossa parte, mas na verdade foi apenas das últimas dez ou
doze gerações que nos desviámos do padrão médio dos mamíferos, graças ao
aumento da nossa esperança de vida. Durante a maior parte da nossa história,
800 milhões de batimentos cardíacos por vida foi também a média dos humanos.
232
Eletricidade no corpo, p. 237
Pessoas que sobrevivem a quedas enormes – 240-1 Nicholas
Alkemade
244-245 – experiências dos nazis (e dos japoneses) testando
os limites do ser humano - Por mais horripilantes que tenham sido as
experiências alemãs, elas foram superadas, pelo menos em escala se não em
crueldade, pelos japoneses. Sob a orientação de um médico chamado Shiro Ishii,
os japoneses construíram um enorme complexo com mais de 150 edifícios
espalhados por seis quilómetros quadrados em Harbin, na Manchúria, com o
objetivo declarado de determinar as limitações fisiológicas humanas por
quaisquer meios considerados necessários. Este complexo era conhecido como
Unidade 731. 245
Respiração - 263
«Ao longo da vida consumimos cerca de 60 toneladas de comida,
o equivalente, como diz Carl Zimmer em Microcosm, a ingerir sessenta carros
pequenos» 294
«Quase um quarto do ketchup Heinz é açúcar. Tem mais açúcar
por unidade de volume do que a Coca-Cola» [comentário meu: mas a pessoa bebe dois ou três copos
de coca-cola e apenas coloca um pouco de ketchup nas batatas]
«Tal como observou Daniel Lieberman, os frutos modernos
foram seletivamente criados para serem muito mais doces do que no passado. As
frutas que Shakespeare comia no seu tempo, em geral, não seriam mais doces do
que uma cenoura» 299
«O tempo de trânsito gastrointestinal [...] é algo muito
pessoal e tem grandes variações de indivíduo para indivíduo [...]. Para um
homem, o tempo de viagem médio da boca ao ânus é 55 horas. Numa mulher,
normalmente, aproxima-se mais das 72. [...]
Em termos gerais, cada refeição que comemos passa quatro a
seis horas no estômago, mais seis a oito horas no intestino delgado – onde tudo
o que é nutritivo (e tudo o que engorda) é retirado e despachado para o resto
do corpo para ser utilizado ou, infelizmente, armazenado – e até três dias no
cólon, onde biliões de bactérias recolhem o que o resto dos intestinos não
conseguiu aproveitar – fibra, maioritariamente» 307-8
«A maior fonte de doenças causadas por alimentos não são a
carne, os ovos ou a maionese, como se costuma pensar, mas vegetais de folha
verde . Estes são responsáveis por cada uma em cinco doenças de origem
alimentar»
Objetos estranhos engolidos ou inalados – 127
«Os adultos no Ocidente produzem cerca de 200 gramas de
fezes por dia – 73 quilos por ano, 6500 quilos ao longo da vida,
aproximadamente. Os excrementos são compostos em grande parte de bactérias
mortas, fibras não digeridas, células intestinais descartadas e resíduos de
glóbulos vermelhos mortos. Cada grama de fezes que produzimos contém 40 mil
milhões de baterias e 100 milhões de archaea.» 317
Pessoas mais velhas – 460-1
Bill Bryson
O Corpo - Um Guia para Ocupantes
Ed. Bertrand
536 páginas
€22,20
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
Kurt Cobain por Charles R. Cross
Excelente biografia do malogrado vocalista e mentor dos Nirvana, publicada em Portugal pela PIM! edições para assinalar a tripla efeméride que se celebrou em 2019: 30 anos do primeiro álbum da banda (Bleach), 25 anos da morte (por duplo suicídio, com dose fatal de heroína e tiro de caçadeira) de Kurt Cobain e 25 anos do lançamento póstumo do MTV Unplugged in New York.
Deixo-vos com quatro/ cinco excertos:
«Um exemplo típico desse humor [retorcido e sarcástico] foi Kurt gritar, diante de uma fogueira: 'Como é possível estragar uma coisa tão bem feita como o fogo pondo-o a deitar fumo?'». pp. 62-3
«Todos os esforços do casal para envolvê-lo nas rotinas domésticas fracassavam. Começara a boicotar as noites de família e, tendo interiorizado um sentimento de abandono, optava por assumir uma postura de desvinculação. "Atribuíamos-lhe tarefas domésticas, coisas banais, mas ele não as fazia", recorda Don. "Começámos a tentar suborná-lo com uma mesada, e íamos descontando se não cumprisse determinadas tarefas. Mas ele recusava-se a fazer tudo. Acabava por nos ficar a dever dinheiro. Tornava-se violento, batia com as portas e saía disparado para a cave". Também aparentava ter menos amigos. "Reparei que alguns dos amigos dele começaram a desaparecer", recorda Jenny. "[...] Parecia mais introvertido. Andava mais calado e taciturno". Rod Marsh lembra-se de que, naquele ano, Kurt matou o gato de um vizinho. Com um sadismo adolescente e em tudo contrário à sua postura na vida adulta, fechou o animal ainda vivo na lareira da casa dos pais e riu-se quando ele morreu e o cheiro a queimado infestou a casa». p. 70
«Durante o dia, Kurt foi explorar a cidade [de Roma] com Pat Smear e visitou atrações turísticas, mas, acima de tudo, reuniu acessórios para aquilo que imaginou que ia ser um encontro romântico - ele e Courtney não se viam há 26 dias, ou seja, o maior período de afastamento na história da relação. "Foi ao Vaticano e gamou uns castiçais grandalhões", recorda Courtney. "Também arrancou um bocado de pedra do Coliseu, para me oferecer".» p. 429
«Enquanto os Nirvana ensaiavam, Courtney, Carrie e Wendy foram comprar roupa. Mais tarde, Kurt saiu para comprar droga, que em Nova Iorque era tão abundante como os vestidos em saldo. Em Alphabet City, Kurt ficou impressionado ao ver filas de clientes à espera do traficante, como na canção dos Velvet Underground. Por essa altura estava fascinado pelo ritual de consumo e pelo submundo sórdido para onde esse ritual o levava. A heróina branca chinesa de Nova Iorque (a da Costa Oeste era sempre preta como alcatrão) fazia-o sentir-se sofisticado, além de ser mais barata e eficaz. Kurt tomou-lhe o gosto.
Naquela sexta-feira, quando Wendy bateu à porta do quarto do filho, .ao meio-dia, ele foi abrir em cuecas, com um mau aspeto impressionante. Courtney ainda estava debaixo dos lençóis. Havia bandejas de restos de comida por toda a parte e, ao cabo de apenas dois dias na suíte, o chão estava pejado de lixo. "Kurt, porque não chamas uma empregada?", perguntou Wendy. "Não pode", respondeu Courtney. "Elas roubam-lhe as cuecas."» p 306
Deixo-vos com quatro/ cinco excertos:
«Um exemplo típico desse humor [retorcido e sarcástico] foi Kurt gritar, diante de uma fogueira: 'Como é possível estragar uma coisa tão bem feita como o fogo pondo-o a deitar fumo?'». pp. 62-3
«Todos os esforços do casal para envolvê-lo nas rotinas domésticas fracassavam. Começara a boicotar as noites de família e, tendo interiorizado um sentimento de abandono, optava por assumir uma postura de desvinculação. "Atribuíamos-lhe tarefas domésticas, coisas banais, mas ele não as fazia", recorda Don. "Começámos a tentar suborná-lo com uma mesada, e íamos descontando se não cumprisse determinadas tarefas. Mas ele recusava-se a fazer tudo. Acabava por nos ficar a dever dinheiro. Tornava-se violento, batia com as portas e saía disparado para a cave". Também aparentava ter menos amigos. "Reparei que alguns dos amigos dele começaram a desaparecer", recorda Jenny. "[...] Parecia mais introvertido. Andava mais calado e taciturno". Rod Marsh lembra-se de que, naquele ano, Kurt matou o gato de um vizinho. Com um sadismo adolescente e em tudo contrário à sua postura na vida adulta, fechou o animal ainda vivo na lareira da casa dos pais e riu-se quando ele morreu e o cheiro a queimado infestou a casa». p. 70
«Durante o dia, Kurt foi explorar a cidade [de Roma] com Pat Smear e visitou atrações turísticas, mas, acima de tudo, reuniu acessórios para aquilo que imaginou que ia ser um encontro romântico - ele e Courtney não se viam há 26 dias, ou seja, o maior período de afastamento na história da relação. "Foi ao Vaticano e gamou uns castiçais grandalhões", recorda Courtney. "Também arrancou um bocado de pedra do Coliseu, para me oferecer".» p. 429
«Enquanto os Nirvana ensaiavam, Courtney, Carrie e Wendy foram comprar roupa. Mais tarde, Kurt saiu para comprar droga, que em Nova Iorque era tão abundante como os vestidos em saldo. Em Alphabet City, Kurt ficou impressionado ao ver filas de clientes à espera do traficante, como na canção dos Velvet Underground. Por essa altura estava fascinado pelo ritual de consumo e pelo submundo sórdido para onde esse ritual o levava. A heróina branca chinesa de Nova Iorque (a da Costa Oeste era sempre preta como alcatrão) fazia-o sentir-se sofisticado, além de ser mais barata e eficaz. Kurt tomou-lhe o gosto.
Naquela sexta-feira, quando Wendy bateu à porta do quarto do filho, .ao meio-dia, ele foi abrir em cuecas, com um mau aspeto impressionante. Courtney ainda estava debaixo dos lençóis. Havia bandejas de restos de comida por toda a parte e, ao cabo de apenas dois dias na suíte, o chão estava pejado de lixo. "Kurt, porque não chamas uma empregada?", perguntou Wendy. "Não pode", respondeu Courtney. "Elas roubam-lhe as cuecas."» p 306
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
Brevíssima história da Guerra da Coreia
Capa da Time dedicada ao general Curtis LeMay
"Apenas cinco anos após a abissal destruição de Hiroxima e Nagasáqui, MacArthur sugeriu seriamente a ideia de largar uma bomba nuclear na Coreia do Norte.
A opção nuclear foi rapidamente posta de parte. Mas os Estados Unidos adotaram uma abordagem literal de terra queimada com bombas convencionais, largando 635 mil toneladas na metade norte da península, mais do que as 504 mil toneladas utilizadas em todo o teatro de operações do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Estas incluíram 200 mil bombas largadas em Pyongyang, uma por cada cidadão da capital.
Curtis LeMay, chefe do comando aéreo estratégico dos Estados Unidos [em quem se inspirou o Dr. Strangelove de Kubrick], afirmou que «arrasaram todas as cidades da Coreia do Norte». Quando já restavam poucos alvos urbanos, os bombardeiros norte-americanos destruíram barragens hidroelétricas e de irrigação, inundando terras de lavoura e destruindo colheitas. A força aérea queixou-se de que já não tinha alvos para bombardear. Depois da guerra, os soviéticos concluíram que 85% de todas as estruturas do Norte haviam sido destruídas
No fim da guerra [da Coreia], de acordo com os historiadores, quae três milhões de coreanos (10% da população da península) estavam mortos, feridos ou desaparecidos. LeMay calculou que cerca de dois milhões de fatalidades haviam ocorrido no Norte. Trinta e sete mil americanos, aproximadamente, morreram em combate.
Após toda esta devastação, e muito depois de se tornar qevidente que nem o Norte apoiado pelos chineses e pelos soviéticos, nem o Sul apoiado pelos americanos podia vencer em definitivo, os dois lados concordaram com um armistício. Em 27 de julho de 1953, o conflito chegou ao fim."
Anna Fifield, O Grande Sucessor (ed. Casa das Letras)
segunda-feira, 6 de janeiro de 2020
Ainda Veneza
«O bem-estar veneziano, comparado com a aspereza da vida nos outros sítios, preocupava o Papa Silvestre II. Que escreveu ao doge e ao patriarca de Grado exprimindo a sua apreensão acerca dos modos corrompidos de um clero local demasiado envolvido nos negócios humanos. Não era apenas uma questão de simonia [transação de bens espirituais] e nicolaismo [conúbio com mulheres]: sacerdotes e bispos, mergulhados no lucro profano "como banqueiros ou corretores da bolsa", estavam enredados nas maldades espalhadas por todo o lado das mulheres e no tráfico de bens espirituais que a Igreja combatia no seu trabalho de reforma»
Gherardo Ortalli e Giovanni Scarabello, A Short History of Venice, pp. 31-32
Gherardo Ortalli e Giovanni Scarabello, A Short History of Venice, pp. 31-32
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