sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O quarto onde a minha avó dormia

Tudo naquela casa sussurrava viuvez:
o corrimão frio e liso das escadas,
a vizinha da frente sempre à espreita,
o telefone preto na entrada.

O cheiro das alcatifas e cortinados,
os naperons,
o quadro da Última Ceia,
os bifes de peru com arroz,
o som dos botões da televisão
quando se mudava de canal,
o pó debaixo do sofá,
onde passava o fio do candeeiro.

Quem diria que já houvera vida naquela casa,
que outrora fora habitada por crianças,
correrias e brincadeiras,
que nem sempre tinha sido uma casa condenada?

Mas o mais triste,
o mais desamparado
era o quarto mal iluminado
com um roupeiro alto onde eu não entrava.
A cama sem um vinco
demasiado vasta para uma pessoa só.

Numa das mesas-de-cabeceira,
um despertador metálico.
Na outra (para dormirem lado a lado)
a fotografia de um jovem fardado –
o retrato tirado em África
a preto e branco do meu avô.

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