sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Por que evito usar o guarda-chuva


Numa bela pintura de Gustave Caillebotte de 1877, um casal elegante passeia de braço dado por uma praça de Paris. Ambos vestem impecavelmente (sobretudo ele: cartola, casaca, laçarote, colete, camisa branca). O chão está brilhante da chuva, mas o casal mantém-se impassível. Não é minimamente perturbado pelos pingos que caem do céu, porque o protege um amplo guarda-chuva que o homem segura na mão esquerda. Ao longe vê-se um transeunte a atravessar a rua encurvado para não se molhar: não tem a mesma sorte.

Um guarda-chuva permite andarmos à chuva sem nos molharmos, o que é uma sensação magnífica.

Nos meus tempos de estudante não percebia isso. Nos dias chuvosos, a minha mãe obrigava-me a levar um guarda-chuva para a escola, só que às vezes era um modelo de mulher (a minha mãe negava-o, contra todas as evidências). Eu levava o guarda-chuva contrariado e acabava por perdê-lo ao fim de dois dias.

Até que, já na universidade, ela me arranjou um de que eu gostava; azul-escuro, debruado com um tecido que fazia lembrar as meias de losangos escocesas, e um bonito cabo de madeira envernizada. Andava sempre na bagageira do meu carro.



Só comecei a valorizar o guarda-chuva em Londres, numa casa perto do Fortnum&Mason (a mercearia de luxo) que só vendia artigos para a chuva. Na montra havia uns manequins com gabardinas e dezenas de umbrellas pretas perfeitamente alinhadas. Depois, em Nova Iorque, entrei um dia numa perfumaria para comprar um perfume para a minha sogra e vi lá uns magníficos guarda-chuvas, com cabos irregulares de madeira natural. Espreitei discretamente para as etiquetas: custavam entre 400 e 700 dólares.

Hoje já não sei o que é feito desse meu guarda-chuva favorito. É possível que tenha ficado esquecido na bagageira quando vendi o carro. De qualquer maneira estava muito velhinho. Por isso, quando chove, ando com um daqueles que se encolhem para caber numa mala de senhora. Comprámo-lo em Delfos, na Grécia. Nessa viagem esperávamos apanhar um tempo primaveril, com o céu azul e o sol a brilhar. Não íamos preparados para o mau tempo, pelo que tivemos de comprar um guarda-chuva que estava pendurado à porta de uma loja. A loja era estranhíssima: uma espécie de túnel mal iluminado, onde se vendia de tudo um pouco, de detergentes a bibelôs e brinquedos, tudo aparentemente de má qualidade (ao contrário do guarda-chuva, diga-se). Para pagar, dirigi-me a uma pequena cabina de alumínio ao fundo da loja, uma espécie de guichê das finanças. Uma velhinha surgiu da sombra. Não se percebia por que não havia de estar simplesmente atrás de um balcão e tinha de passar o dia enjaulada naquela marquise.

Numa loja bem diferente, em Bruges, vi um guarda-chuva magnífico, inventado no Japão (marca Senzº). Resiste a ventos de 80 km/h e tem um formato assimétrico. É mais extenso para um dos lados do cabo do que para o outro, para resistir melhor ao vento e de forma a cobrir a pessoa sem invadir demasiado o espaço alheio. Essa assimetria faz com que se parece ainda mais com o símbolo do Batman do que um chapéu de chuva vulgar.



Por que razão não o comprei, se era tão bem concebido e acessível? Porque, para dizer a verdade, sempre que posso evito usar o guarda-chuva - o que faz com que o de Delfos, embora não seja o mais bonito do mundo, chegue perfeitamente para as encomendas. Quando vou para o trabalho não me dá jeito nenhum andar com a pasta do trabalho numa mão e o cabo do guarda-chuva na outra. Com as duas mãos ocupadas, puxar da carteira, abrir uma porta, acenar a um conhecido, atender uma chamada ou tirar o cabelo da testa tornam-se exercícios de malabarismo só ao alcance de um virtuoso, que eu não sou. Já para não falar das passagens estreitas, em que o guarda-chuva fica preso, ou da preocupação para não vazar o olho de um transeunte incauto, até porque o guarda-chuva limita - e muito - o campo de visão (essa é sem dúvida uma das suas maiores desvantagens).

Isso faz-me lembrar uma cena a que assisti há tempos no Chiado: uma senhora dos seus 60 anos desce a Rua Garrett com o seu guarda-chuva aberto, embora estejam a cair apenas uns pinguinhos. Sem reparar, espeta com ele com toda a força na cabeça de um rapaz, que ainda tenta desviar-se, mas a mulher é impiedosa na sua perseguição/ distracção. «Cuidado! Não vês por onde andas?!», resmunga a senhora, enquanto o rapaz, incrédulo, leva a mão à cabeça para ver se está a sangrar. A senhora continua incomodada. Noutros tempos, não teria seguido caminho sem pregar uma valente bengalada ao rapaz pelo seu atrevimento. Com o cabo do chapéu de chuva, naturalmente.

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