quinta-feira, 13 de junho de 2024


Um excerto de O Fantasma do Rei Leopoldo, de Adam Hochschild - quando H. M. Stanley é enviado para socorrer Emin Paxá, governador de uma província do Sudão ameaçada por fundamentalistas muçulmanos, em meados (ou finais) da década de 1880.

«Entretanto, Stanley avançava rijamente na floresta tropical à frente da coluna da vanguarda, condenando à forca um desertor e ordenando numerosos espancamentos, alguns dos quais aplicados por si próprio. Os roubos de mantimentos significavam que os soldados e carregadores estiveram, durante grande parte da viagem, perto de morrer à fome. Aos infelizes que viviam ao longo desse caminho, a expedição pareceu um exército invasor, pois tomava, por vezes, mulheres e crianças como reféns para que os chefes locais lhe dessem alimentos. Um dos oficiais de Stanley escreveu no seu diário: «Acabámos hoje a última banana... os nativos não fazem comércio, não se lhe prestam, de modo nenhum. Como último recurso, temos de apanhar mais algumas mulheres.» Outro recordava que, parecendo-lhe que poderiam ser atacados, «Stanley mandou queimar todas as aldeias em redor». Outro, ainda, descreveu a chacina com tanta indiferença como se falasse de uma caçada:

«Foi interessantíssimo estar oculto no mato a ver os nativos tranquilamente ocupados no seu trabalho quotidiano. Umas mulheres... faziam farinha de banana moendo bananas secas. Víamos homens a construir cabanas ou ocupados noutros trabalhos, rapazes e raparigas a correr a toda a volta e a cantar... Abri a festa atingindo um tipo no peito. Caiu como uma pedra... Imediatamente se despejou uma saraivada [de tiros] sobre a aldeia.»

Um dos membros da expedição, que cortara a cabeça a um africano, meteu-a numa caixa com sal e mandou-a para Londres a fim de ali ser embalsamada e montada pelo seu taxidermista de Picadilly.

Das 389 homens da coluna de vanguarda de Stanley, mais de metade morreram enquanto abriam caminho a machete através da floresta tropical de Ituri, avançando, por vezes, apenas quatrocentos metros num dia. Quando ficavam sem comida, assavam formigas. Trepavam sobre raízes de árvores gigantescas e tinham de montar acampamento em terrenos pantanosos no meio de chuvas tropicais, uma das quais durou setenta horas ininterruptas. Os homens desertavam, perdiam-se na selva, afogavam-
-se ou sucumbiam ao tétano, à disenteria e a úlceras gangrenadas. Outros eram mortos pelas frechas e pelas armadilhas de estacas envenenadas dos habitantes da floresta, cheios de terror ao ver aqueles estranhos armados e meio mortos de fome que irrompiam turbulentamente nos seus territórios.»

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