quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Leon Goldensohn, Entrevistas de Nuremberga


A Tinta da China continua a fazer um bom trabalho, agora com a edição paperback de Entrevistas de Nuremberga (edição de capa dura em 2006). Era um livro que o Comilão queria adquirir há bastante tempo, mas demasiado caro (cerca de 30 euros). Estava à espera de uma oportunidade e ela surgiu nesta reedição que custa cerca de metade do preço da primeira, com a vantagem de ser mais bonita (a outra tinha uma capa amarela com foto de Goering, esta tem uma bela foto a preto e branco dos julgamentos).

A história deste livro remonta a 1946, altura em que Goldensohn foi destacado como psiquiatra dos arguidos. Tirou notas nas entrevistas realizadas nas celas dos prisioneiros mas nunca chegou a transformá-las em livro, pois morreu de forma inesperada em 1961. Em 1983 a viúva deu os papéis aos filhos, que por sua vez os passaram ao irmão mais novo de Leon, o neurologista Eli. A organização desses papéis ficou depois a cargo do historiador Robert Gellately, que também assina a excelente introdução. Explica as negociações que levaram a estes julgamentos, o enquadramento legal (mas de uma forma interessante) e a forma como o autor obteve estes depoimentos.

Em baixo, um link para um bom artigo sobre a história das Entrevistas:


Agora uma selecção de excertos feita especialmente para si pelo Comilão:

Karl Doenitz, o almirante que entregou a rendição:
«O leste está a começar a ameaçar o ocidente. A luta pelo poder está a ser travada entre duas culturas e dois tipos de seres humanos diferentes. Um dia ainda me vão agradecer por ter enviado a marinha para ocidente e por ter deslocado os nossos exércitos por forma a evitar uma rendição frente aos russos» (pp. 55/56)

Hans Frank, advogado pessoal de Hitler e administrador-geral da Polónia durante a guerra:
«Estão numa situação trágica, estas 21 pessoas que já dominaram uma parte do mundo. Já é possível observar os preparativos que podem vir a causar uma guerra mais cruel do que a última. […]  A bomba atómica. Mas espero que a humanidade tenha mais sanidade mental» (p. 65)
No Verão de 1923, surgiu a inflacção. Como se deverá lembrar, a França invadiu o Ruhr em Janeiro de 1923. Durante um terrível período houve fome. Um dólar americano valia 400 mil marcos. Mais tarde, em Novembro de 1923, um dólar passou a valer mil milhões de marcos. Foi nesta altura crucial que Hitler conquistou maior influência» (p. 68)

Walther Funk, ministro da Economia:
«Sempre tive o sentimento de que Ohlendorf era espiritualmente deprimido. Comentei por várias vezes com a minha mulher, quando Ohlendorf lá ia jantar a casa, que me parecia que aquele homem não conseguia mesmo ser feliz. Ohlendorf devia estar muito deprimido por causa dessa experiência. Não conseguia ter um riso solto. Um homem assim ou está deprimido, ou doente, ou é mau. Pensei que alguma coisa lhe perturbava a alma» (p. 133)

«Quase não convivíamos com pessoas do partido, e os nossos hóspedes eram maioritariamente artistas , como Richard Strauss, o maestro Wilhelm Furtwängler e outras pessoas do mundo artístico, inclusive autores, redactores e cientistas» (p. 148)

«A nossa cozinheira era maravilhosa e já tinha trabalhado para um irmão do imperador Francisco José. Fazia pão que era uma maravilha. Eu gostava de comer e de beber bem. Também apreciava bons charutos. A minha adega era famosa por ter lá vinhos raros das regiões do Reno e de Moselle, para além de alguns licores Chartreuse oriundos dos mosteiros onde eram produzidos originalmente»


«A minha casa em Wannsee foi saqueada pelos russos. Eu tinha uma biblioteca com catorze mil livros. Parte desses livros eram primeiras edições. Tinha uma grande colecção de biografias musicais e uma grande selecção sobre economia e filosofia. Ainda lhe sei dizer onde estava colocado cada livro. A minha casa em Bad Tölz também tinha uma boa biblioteca, mas era mais pequena. A casa foi decorada pela minha mulher. Mobilou-a com peças da Idade Média, incluindo um altar barroco de Würzburg. […] A biblioteca está em ordem e os móveis intactos» (p. 149)

Hermann Goering:
«Sou um capitalista e um cavalheiro culto»

«Quando me rio das provas sobre as atrocidades […] não se deve ao facto de achar isso engraçado mas porque é da minha personalidade rir-me em face da adversidade». Considerou a o extermínio dos judeus  um acto «bárbaro» e que seria condenado como «o maior acto criminoso da história».

Rudolph Hoess:
«Eu era penas o director do programa de extermínio em Auschwitz». Vivia com a sua família numerosa (mulher e cinco filhos) numa casa com jardim nas imediações do campo. O psiquiatra perguntou-lhe se costumava pensar nas execuções e cremação dos corpos. «Não tenho devaneios desses». Revela também que nunca teve pesadelos.

Joachim von Ribbentrop:
«Enquanto fui ministro dos Negócios Estrangeiros, ninguém criticou nada do que eu fazia ou dizia. Agora, de repente, todos estes arguidos acham que são mais inteligentes do que eu».

Marechal Willhelm Keitel:
«Hitler tinha charme, adorava crianças, encantava as mulheres. Em questões políticas, nada o fazia parar. Noutros aspectos, tinha emoções suaves e comoventes»

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