Há perto de vinte anos que o Comilão tinha o desejo de ler este livro, desde que tomou dele conhecimento durante uma aula de História na escola secundária. Pois bem, há tempos encontrou-o na Almedina, no Saldanha e, embora não fosse o momento mais oportuno para tal, adquiriu-o pelo preço de €12,85.
Engels foi para Inglaterra em 1842, enviado pelo seu pai - «um tirno» - para aprender o negócio num moinho de que o progenitor era proprietário. Foi via Paris, onde se encontrou com Marx, com quem iniciaria uma amizade e uma colaboração para o resto da vida, e chegou a Londres, que o terá impressionado deveras pela sua dimensão, em Novembro de 1842. «Ao longo de 21 meses tive a oportunidade de privar com o proletariado inglês, as suas aspirações, as suas alegrias e arrependimentos, de vê-lo de perto, a partir da observação e contactos pessoais, e ao mesmo tempo pude complementar as minhas observações com o recurso às fontes autênticas. O que vi, ouvi e li foi trabalhado no presente livro». Livro escrito em finais de 1844 e início de 1845no seu regresso à Alemanhan (quando tinha apenas 24 anos), e publicado em Leipzig. Em Manchester, Engels explorou os bairros operários, verdadeiros labirintos miseráveis e insalubres, provavelmente com a orientação de um guia, talvez a irlandesa Mary Burns, que viria a tornar-se sua mulher. Nesta páginas, o autor descreve as condições duríssimas em que viviam os trabalhadores das manufacturas inglesas, as suas casas sem esgotos nem casas de banho (eram imundas instalações comuns), sem cama (apenas um monte de palha), húmidas e mal ventiladas. Nos pátios, onde o lixo e todo o tipo de detritos se acumulavam, o cheiro era particularmente intolerável. Uma família inteira - às vezes até mais - podia viver num quarto, que fazia também de sala de estar e de cozinha, não raro em caves ou sótãos saturados de humidade. Glasgow (págs. 76-77) era das cidades mais sujas e os irlandeses conseguiam tolerar as piores condições, baixando assim o nível de vida dos ingleses (saxões), graças à sua mão-de-obra barata. Estas famílias nada possuíam além dos trapos que traziam vestidos (e com os quais dormiam), a sua alimentação às vezes resumia-se a batatas. A promiscuidade sexual e o álcool eram os seus únicos escapes. Estas condições sub-humanas e a concentração de pessoas nas cidades faziam destas focos de doença. As taxas de mortalidade infantil (contemplando crianças até aos cinco anos) eram assustadoras, atingindo os 50% em Leeds! A exploração das crianças também é abordada, assim como as deformações provocadas por certas tarefas: «Um dos grandes industriais de Manchester, líder da oposição contra os trabalhadores [...] disse em certa ocasião que se as coisas continuassem com o rumo que levam hoje, osoperadores do Lancashire em breve se tornariam uma raça de pigmeus», pág. 178
Também há páginas arrepiantes sobre as casas onde eram recolhidos os mendigos (284-287).
«A falta de higiene, que não é tão nociva no campo, e que é a segunda natureza do irlandês, torna-se assustadora e seriamente perigosa através da sua concentração nas grandes cidades. O Milesiano (irlandês) deposita o lixo e sujeira à porta de sua casa, como estava habituado a fazer na sua terra, e assim acumula poças e montes de detritos que desfiguram os bairros dos operários e envenenam o ar. Constroi uma pocilga contra a parede de casa como fazia na sua terra e, caso o proíbam de fazer isso, deixa o porco dormir no quarto consigo. Este método novo e anti-natural de criar gado nas cidades é de origem irlandesa. O irlandês ama o seu porco como o árabe ama o seu cavalo, com a diferença de que o vende quando está gordo o suficiente para se matar. De outro modo, ele come e dorme com o porco, os seus filhos brincam com ele, cavalgam-no, rebolam-se na terra com ele, como qualquer um pode ver repetido um milhar de vezes em Inglaterra». pág. 123
Friedrich Engels
The Condition of the Working Class in England
Penguin Classics
294 págs.
3-3,5 estrelas
veredicto: um testemunho impressionante das consequências da revolução industrial na Inglaterra de meados do século XIX. partes um bocado chatas e revela por vezes uma visão algo limitada por preconceitos ideológicos sobretudo anti-burgueses.