quarta-feira, 30 de março de 2011

CCCP - Cosmic Communist Constructions Photographed


Mais um belo álbum de arquitectura editado pela casa de Colónia. Com a mais-valia de tratar um tema até aqui esquecido: a originalidade das obras, por vezes colossais, que despontaram sobretudo nos territórios periféricos da URSS nos anos 1970-1991. O espírito desta pesquisa é semelhante ao que deu origem a Bunker Archeology, de Paul Virilio (sobre as ruínas do Muro Atlântico, uma gigantesca rede de fortificações começada a construir pelos alemães na costa ocidental francesa, para prevenir uma invasão dos Aliados). Aqui fica um excerto do brilhante ensaio que abre o livro: «Os objectos aqui apresentados emergiram longe da Califórnia, sob as diferentes latitudes da URSS. Manifestam a alucinação colectiva de uma época, o must da space age: a nave espacial. A rivalidade entre os dois blocos era tanta que, da América à Rússia, eram partilhados os mesmos fantasmas [...]. A partir de um horizonte comum, a aventura espacial, e do mesmo culto, o da ciência, desenvolve-se um desejo semelhante de absoluto. Astronauta ou cosmonauta, o homem novo libertava-se da gravidade. Gagarine gabava-se de não se ter cruzado com Deus no espaço. O progresso ia esclarecer os grandes mistérios. E, no entanto, a racionalidade triunfante não neutralizou o sonho. Muito pelo contrário. A ciência criou a sua própria mitologia, a ficção científica. Um género partilhado pelos dois blocos», pág. 29

O aspirador

Será que foi o papa-formigas que inspirou o aspirador? A única diferença é que enquanto um enche a barriga com partículas de pó, o outro se alimenta de pequenos invertebrados.

Mercearia

No sábado passado o Comilão foi à Mercearia (antiga Mercearia Covilhanense, talvez daí o sotaque nortenho da proprietária, que também serve à mesa), na Madragoa. É um restaurante simpático, com um ambiente autêntico e boas matérias-primas. A lista não prima pela imaginação, mas o bife da vazia com pimentinhas é sempre seguro. Óptimas batatas fritas, que alguém se queixou de estarem excessivamente salgadas. Também veio uma dose de pataniscas de bacalhau (boas, embora o Comilão as prefira mais finas e leves) com arroz de tomate (não tão bom). O Comilão provou ainda o bacalhau à brás (regular). Tudo pesado, o bife continua a ser a melhor opção. Houve sobremesa: um bolo de aniversário de ovos e amêndoa, daqueles tão bons quanto enjoativos. Vinho Quinta de Cabriz. Total: 18 euros (pessoa) 3 estrelas

terça-feira, 29 de março de 2011

Bartleby


O Comilão acaba de ler Bartleby, de Herman Melville, o autor de Moby Dick. É um livro estranho e kafkiano, uma terrível história de solidão no meio da grande metrópole. Encontra-se escrito com uma aparente ingenuidade que nos deixa desconcertados, tal como a atitude de Bartleby nos deixa desconcertados, inspirando ao mesmo tempo piedade e irritação: o que fazer com uma pessoa destas, que apesar de se encontrar numa situação de dependência se recusa teimosamente, e até com uma ponta de sobranceria, a fazer o que lhe pedem? Bartleby é também um 'livro de escritores': o ofício de escrivão coloca questões sobre a verdade, o rigor e a utilidade da escrita. Aqui fica um dos excertos favoritos do Comilão:


«Ah! A felicidade busca a luz, e por isso pensamos que o mundo é alegre; mas a infelicidade esconde-se na distância, e por isso pensamos que ela não existe» pág. 43


P.S. A edição da Assírio (colecção Gato Maltês), além de bonita, conta com uma tradução cuidada, daquelas em que se pode confiar

sexta-feira, 25 de março de 2011

Tarcísio Vazão de Campos e Trindade (1931-2011)

Vista da Livraria Campos Trindade, na Rua do Alecrim. Há grandes semelhanças entre esta foto tremida e outra tirada pelo Comilão, do primeiro piso da Rizzoli, em NY (post de Novembro de 2010) O 100.º post do Comilão é dedicado a Tarcísio Trindade, antigo presidente da Câmara de Alcobaça (último antes do 25 de Abril) e livreiro de Lisboa. Nasceu na ala Sul do Mosteiro de Alcobaça e cursou Direito. Oriundo de uma família de antiquários, foi como comerciante de livros raros que se destacou. Em 1965 descobriu em Espanha o mais antigo livro impresso português, o Tratado de Confissom, impresso em Chaves em 1489, seis anos antes do Vita Christi, que se pensava até então ser o mais antigo (Lisboa, 1495). Esse exemplar que venderia por 400 contos estava, segundo uma pessoa próxima, a servir de calço, juntamente com outros livros, alguns deles também raros e já irremediavelmente estragados pela humidade, numa lareira. Apesar de 400 contos já ser uma soma avultada para a época, segundo essa mesma fonte próxima o exemplar seria vendido posteriormente à Biblioteca Nacional por 20 mil contos. Pela livraria Campos Trindade têm passado outras preciosidades, como uma primeira edição do Dom Quixote completa e intacta (o filho, Bernardo, descobriria um dos dois volumes da primeira edição em Vila Real). Tarcísio vendeu a obra cervantina a um livreiro espanhol, que por sua vez a vendeu a um magnate árabe, que por sua vez a ofereceu ao Rei de Espanha. Embora praticasse sempre preços modestos (e assim continua), com o lucro da venda Tarcísio pôde pagar o casamento com a «lindíssima Mafalda Oriol Pena»*. A loja da Rua do Alecrim (dois irmãos, António e João, abriram antiquários na mesma rua) foi fundada em 1976, e ali a família viveu ainda um ano. Por lá passaram também gravuras de Albrecht Dürer. O Comilão ainda viu Tarcísio, já muito diminuído, mas nem por isso menos cordato, na Campos Trindade. Faleceu de Parkinson no passado dia 15 de Março. Paz à sua alma e longa vida à sua livraria. Escrito com base em impressões pessoais recolhidas no local e em dois artigos publicados no semanário Sol: «Páginas de História» (Emanuel Costa, Guia Essencial de 23 de Abril de 2010) e *necrológio «Em Paz» (Pedro d'Anunciação, 1.º caderno de 25 de Maço de 2011)

quinta-feira, 24 de março de 2011

Mais um cacho de livros para a wishlist

O Comilão não pode ver nada. Ontem, na Fnac do Chiado, deu logo de caras com livros que, se não fosse a contenção de despesas, teria adquirido sem hesitar. Vamos a eles: - The Unguarded Moment (Phaidon) - mais um magnífico álbum de fotografias de McCurry. Algumas chegam a ser comoventes de tão bonitas (gentilmente oferecido pela Sr.ª Comilão no dia 27 de maio de 2011)* - Kubrik - the Complete Filmography (Taschen) - um livro onde se fala de alguns do filmes favoritos do Comilão, ainda para mais a um preço irresistível, €9,99 (o Comilão conseguirá resistir muito mais tempo? Não. Adquirido a 1/4/2011)* - Elizabeth Peyton: Live Forever*/ Ghost*- álbum dos desenhos de Peyton, uma artista que conviveu com muita malta da música e da cultura pop e disso nos deixou belos testemunhos (o Comilão teve o prazer de ver uma exposição sua no MoMA em 2002) - A Casa de Papel*, de Carlos María Domínguez (belo livrinho sobre livros, oferecido pela sogrinha a 25 /12/2012) - Lowside of the Road: a life of Tom Waits, de Barney Hoskyns - Conversas com Woody Allen*, de Eric Lax (oferecido pela sogrinha a 25/12/2012) - Patty Smith, Just Kids* - Jack Kerouac, On the Road * (Manuscrito original adquirido na sequência do Natal de 2011) - Charles Bukowsky, Women* (comprado na Cordeiro&Ramos a 23/12/2012, por €1,90, uma edição antiga da D. Quixote)

Kellog e o grande mastigador (excerto de Em Defesa da Comida, de Michael Pollan)

«O resultado mais conhecido da alimentação pseudocientífica surgiu nos primeiros anos do século XX, quando John Harvey Kellog [vegetariano convicto que inventou, com o seu irmão, os corn flakes] e Horace Fletcher convenceram milhares de americanos a trocar todo o prazer de comer por regimes alimentares de um rigor e de uma perversidade de cortar a respiração. Os dois gurus da alimentação uniram-se no seu desprezo pela proteína animal, cujo consumo o dr. Kellog, um adventista do 7.º dia incrivelmente parecido com o coronel Sanders da KFC, acreditava piamente fomentar a masturbação e a proliferação de bactérias tóxicas no cólon. [...] Na casa de saúde de Battle Creek, dirigida por Kellog, os pacientes (entre os quais se contavam John D. Rockefeller e Theodore Roosevelt) pagavam uma pequena fortuna para se sujeitarem a certas práticas científicas, como por exemplo clisteres de iogurte de hora a hora [...]; estimulação eléctrica e vibração intensiva do abdómen; dietas constituídas exclusivamente por uvas (4 a 6 quilos por dia); e, a todas as refeições, recurso ao método Fletcherizing, que consistia em mastigar cada porção de comida aproximadamente 100 vezes (frequentemente ao som estridente de canções especiais para ajudar à mastigação.) [...]
Horace Fletcher (também conhecido como 'o grande mastigador') não possuía quaisquer credenciais científicas, mas o exemplo da sua extraordinária forma física - aos 50 anos, conseguia subir e descer os 898 degraus do Monumento a Washington sem parar para recuperar o fôlego -, apesar de viver com um regime diário de 45 gramas bem mastigados de proteínas, era prova suficiente para os seguidores*.

*Segundo Levenstein, os cientistas que procuravam descobrir o segredo da exemplar saúde de Fletcher monitorizavam escrupulosamente tanto as suas ingestões como as suas excrecências, notando, relativamente às últimas, como fizeram todos quantos procederam a esta pbservação, a extraordinária ausência de odor»

Michael Pollan, Em Defesa da Comida, págs. 73-74

terça-feira, 22 de março de 2011

Retirado de um bloco de notas

Era uma secretária tão cândida, mas tão cândida, que sempre que se lhe ditava 'dois pontos', tinha de se acrescentar 'um por cima do outro...', se não ela escrevia .. em vez de :

segunda-feira, 14 de março de 2011

Julie & Julia

Chegou a casa do Comilão por mero acaso, mas revelou-se um óptimo filme. E tem especial pertinência neste blogue. Nem de propósito: Julie & Julia é sobre uma blogger que escreve sobre comida (mais precisamente sobre as receitas de Julia Child, a 'sacerdotisa', como já lhe chamaram, da cozinha francesa nos EUA e pioneira dos programas culinários). O Comilão tinha lido há não muito tempo um belo artigo da New Yorker sobre Julia Child (in The Secret Ingredient, organizado por David Remnick) onde aparecem relatados alguns dos episódios do filme. Este tem a curiosidade de se passar em dois momentos diferentes, um actual, com a blogger como protagonista, o outro pretérito, onde se vão contando as peripécias da vida de Julia Child, o que confere uma dinâmica engraçada à narrativa. Óptimos papéis de Meryl Streep na figura extrovertida e desajeitada de Child e de Stanley Tucci como seu marido, o paciente Paul.
3,5 - 4 estrelas

sexta-feira, 11 de março de 2011

Whatever works

Talvez o problema seja esperarmos sempre demasiado de Woody Allen. Este seu penúltimo filme é pouco menos do que brilhante. Tem como protagonista um intelectual nova-iorquino frustrado, céptico e maledicente interpretado por Larry David, um dos criadores de Seinfeld. Faz-nos rir e sofrer com as personagens e tem alguns diálogos fabulosos. Muito bem conseguido na sua aparente simplicidade. 3,5-4 estrelas

quinta-feira, 10 de março de 2011

Steve McCurry



O Comilão acaba de adquirir In the Shadow of Mountains (Phaidon). É um livro sumptuoso com imagens captadas pela lente (ou deveria dizer pela película kodachrome?) de McCurry, sobretudo no Afeganistão ('sobretudo' porque a da capa, por exemplo, é de uma menina em Peshawar, por onde o Comilão já andou). Reprodução imaculada das imagens (belíssimos retratos, paisagens, cenas de interiores), cores vibrantes. McCurry afirma que não é um fotojornalista clássico: quando estava a cobrir a guerra no Afeganistão, chegava sempre atrasado aos acontecimentos. Pelo que adoptou outra estratégia, que foi a de descobrir como as pessoas criavam rituais que devolviam alguma normalidade à vida durante a guerra. É difícil não nos apaixonarmos pelo livro que resultou desse trabalho. Uma das fotos, de um vendedor de casacos com uma dúzia ou mais destas peças de roupa em camadas sobrepostas nos ombros, poderia com propriedade chamar-se 'Casaquistão'. Preço na Fnac: €48,35; preço no The Book Depository: €31,14

True Grit


Há poucos dias ouvi que True Grit era dizer superior a Este País Não É para Velhos. Talvez seja... Comparações à parte, este remake de um western de 1969 com John Wayne é um filme magnífico. Além de captar o ambiente do Oeste em pleno, está cheio de cenas memoráveis, como a de Rooster Cogburn entre os patos lacados do armazém de uma mercearia chinesa ou a do enforcamento dos criminosos (com óptimos discursos dos condenados à morte). Uma aventura onde não falta nada: história, humor, bons diálogos, emoção e personagens originalíssimos. O Comilão recomenda vivamente uma visita ao cinema. 4 estrelas

segunda-feira, 7 de março de 2011

Os livros que moldaram a minha maneira de olhar o mundo

Dale Carnegie, Como fazer amigos e influenciar pessoas
Jorge Luis Borges, Funes, el memorioso
Marguerite Yourcenar, Memórias de Hadriano
Ryszard Kapuscinsky, O imperador
The Essential Gombrich
Jung Chang, Mao, the unknown story
José Saramago, História do cerco de Lisboa
Hunter S. Thompson, Fear and loathing in Las Vegas
Fernando Pessoa, O livro do desassossego
Aldous Huxley, The doors of perception
Sigmund Freud, Textos essenciais sobre literatura, arte e psicanálise
Susan Sontag, On photography
Karen Blixen, Out of Africa
Raymond Carver, Catedral
Joseph Mitchell, O segredo de Joe Gould
Gabriel Garcia Márquez, Viver para contá-la
Mitch Albom, As terças com Morrie

A cor em arquitectura

Tudo começou com um capítulo de Experiencing Architecture, de Steen Eiler Rasmussen, onde se falava de uma obra de Corbusier em que tomavam parte o azul dos céus e o verde das árvores. Antes disso encontrava-me demasiado influenciado pelo Ornamento e Crime de Adolf Loos para dar importância à cor na arquitectura. Depois foi a viagem à Rússia, onde visitámos Tsarskoe Selo, um palácio azul-turquesa com ornamentos dourados. Em São Pertersburgo havia também uma cúpula pintada com um pigmento de um azul intenso. E por fim foi este livro que me fez tomar consciência de algo que já sabia há algum tempo. Chamava-se The Classic Italian Interior e, lá para o meio, mostrava uma elegante sala de estar cujas paredes se encontravam pintadas de um verde luxuoso. Como na altura estávamos a tornar a nossa futura casa habitável, levei a minha noiva à livraria Férin para ver o que eu tinha visto. Decidimos de comum acordo pintar um dos quartos mais ou menos daquela cor e fazer ali a nossa biblioteca. O primeiro resultado (usámos como modelo o tom de um livro grego da Loeb Classical Library) foi um choque. Mas à medida que íamos introduzindo as estantes de madeira, os livros, um tapete vermelho, pequenas gravuras de animais emolduradas, a cor parecia suavizar-se, até ir completamente ao lugar. Esse livro inspirador (e dispendioso: um exemplar custa 300 USD na Abebooks) ocupa hoje um lugar de honra numa estante de nossa casa.

p.s. A forma como a maioria dos arquitectos encara a cor está bem patente nas maquetas. O material preferido, o k-line, branco, 'clean' e liso, é adequado para a arquitectura modernista, mas dá uma ideia errada dos edifícios e das cidades, apagando as diferenças de cores e de texturas.

Sem Palavras

No passado fim-de-semana o Comilão e a sua família regressaram ao Sem Palavras, no Mercado de Alvalade, onde em tempos tanto gostavam de ir. A qualidade mantém-se e continua um bom sítio para o almoço de domingo. O problema é que como foi dos poucos restaurantes a optar por receber fumadores, se tornou um antro de vício. Da última vez o Comilão tinha comido frango frito à passarinho. Não estava particularmente bom (nem sequer era à passarinho, mas uma espécie de frango panado). Desta vez optou por ovas grelhadas e piano. Antes disso, salada de polvo e salgadinhos, ambos bons. As ovas mais pequenas estavam bastante boas, as maiores nem por isso (moles, húmidas por dentro, talvez cruas). O piano correspondeu às expectativas, estava bem grelhado e muito saboroso, acompanhando com legumes salteados e batata a murro. Para finalizar, leite creme queimado, também bom. Houve um problema: o tempo de espera, demasiado dilatado. A mulher do Comilão tem uma teoria: como o Luís anda sempre deprimido, tem de ser o Paulinho, com o seu cabelo escorrido à Michael Bolton da Boavista, a fazer tudo e a correr de um lado para o outro, o que atrasa o serviço.
Preço: 38 euros
Veredicto: boa comida (ainda que pudesse ser melhor), serviço demasiado demorado. Vai ser difícil regressar tão cedo.

Moma


O Moma é um restaurante recente na Rua de S. Nicolau, em plena Baixa lisboeta. Tem uma esplanada agradável no Verão. No interior, destaca-se pelo mosaico de cozinha em xadrez preto e branco. Da primeira vez que lá foi, o Comilão não apreciou a sua refeição por aí além (hambúrger no prato, faltava sal). Da segunda vez, porém, foi diferente. Para começar, um puré de grão com coentros. Muito bom. Depois uma salada caprese (tomate e rúcula). E em seguida um franguito no forno (uma espécie de frango à maricas, com limão e alho). Estava tudo bom, embora o franguito, de tão pequeno (tipo passarinho), tivesse pouco que comer. Foi pena já não haver os peixinhos da horta com arroz de feijão. Para sobremesa uma tarte de requeijão maravilhosa, com uma geleia de frutos silvestres por cima. Assim vale a pena voltar.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A lição do gato

'You will still be here tomorrow
but your dreams may not'

(Cat Stevens, Father and Son)

terça-feira, 1 de março de 2011

Adega Típica Quarta-feira

Há sítios onde nos fazem sentir à-vontade e há outros onde nos fazem sentir que, por muito boa intenção que tenhamos, não pertencemos ali. Parece que os restaurantes do Alto Alentejo são peritos nisso: há os clientes habituais, que são tratados com todas as mesuras; e os clientes pontuais, que só são servidos por obrigação, mas com má cara. A Adega Típica Quarta-feira, na Rua do Inverno, em Évora, também é típica nesse aspecto. Logo à entrada percebeu-se uma desconfiança muito alentejana: 'Quem são estes forasteiros e o que vêm cá fazer?'. A resposta não era muito difícil. Íamos jantar.
Num Guia dos Restaurantes falava-se na simpatia do proprietário. Não diria que o homem é uma besta, mas... enfim, gosta de mandar no restaurante como um homem às direitas manda na sua casa. O filho, que serve às mesas, esse é uma joia de pessoa (simpático, bem mandado, o oposto do pai). Segundo problema: o cliente não escolhe nada. Quando perguntámos se havia uma lista, o proprietário rosnou: 'Isto agora é assim'. Menu fixo, entenda-se. Se quiseres, queres, se não quiseres vai-te embora. Come & cala. Também só há um vinho (com nome de pessoa, que não fixei).
Entradas: paio - não provámos; queijinho derretido com orégãos (no forno?) - mediano, excessivamente salgado; cesto de pão - regular; cogumelos assados no forno - bons, mas o Comilão já comeu melhores, também em Évora.
Prato principal: cachaço de porco preto assado no forno com batata assada. O equivalente a duas costeletas juntas. Desfazia-se na boca, muito bom. Acompanha com arroz (de cenoura, penso), a dita batata e um esparregado delicioso, parecido com migas de espargos bravos. Bravo.
Sobremesa: na casa chamam-lhe 'uma mariquice'. Consiste de uma tigela de salada de frutas e um 'pijama' de doces tipo conventuais todos muito bons e muito doces, ou seja, algo enjoativos. No final, como cortesia, um pequeno cálice de licor de vinho Mouchão. A conta é feita a olho: '40'.
Veredicto: boa comida, mau proprietário.