quarta-feira, 12 de junho de 2013

Bom gosto

Após décadas a frequentar restaurantes, o Comilão concluiu que o mais importante no ambiente de um restaurante não é estar decorado com bom gosto. O mais importante é:
1. o cliente sentir-se bem
2. higiene (para se confiar na comida)
3. conforto
E este conforto até é compatível com (se não acentuado por) um ou outro toque de piroseira inofensiva. O excesso de bom gosto na decoração, pelo contrário, pode tornar-se intimidatório.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Chatwin, O Vice-Rei de Ajudá

Bruce Chatwin era um especialista da Sotheby's em pintura impressionista (havia começado na leiloeira como porteiro) quando foi visitar a arquitecta Eileen Gray, de 92 anos, e viu um mapa da Patagónia na parede. Ao fazer um comentário sobre a região, a idosa contou-lhe que toda a vida havia querido visitá-la mas já não ia a tempo. «Vá lá por mim», pediu-lhe. Chatwin despediu-se do emprego e foi. Dessa viagem nasceu o seu célebre livro Na Patagónia.

O livro seguinte que Chatwin escreveu foi O Vice-Rei de Ajudá, que conta a história do traficante de escravos Francisco Félix de Sousa. «Chegou à Costa nos primeiros anos do século XIX e estabeleceu a sua base no forte português de Ajudá, que, nessa época, era a principal fonte de mão-de-obra das minas e plantações do Brasil». (Prefácio) «Na década de 1830 era o homem mais rico da África Ocidental e a besta-fera dos abolicionistas ingleses. Morreu na ruína». (idem)

Aqui ficam alguns sublinhados da leitura, notáveis pelas suas qualidades literárias, sem pretensão de resumir a história:
«As tempestades de poeira poliram-lhe a pele. A sua roupa tresandava a leite azedo e a cavalo» 60
«E gostava da sua casa simples com as cabaças e melões a crescer irregularmente por cima do alpendre e as suas paredes ocres que chupavam a luz do sol» 62
«Joaquim Coutinho tinha os olhos escuros magoados que se aguavam com o vento. Trazia a roupa coberta por uma película aveludada de pó» 67
«Traficantes de todas as províncias lançavam-se para a frente à cotovelada, com gritos roucos, ao identificarem os ferros dos consignatários. Calculavam o número de mortos; depois obrigavam os sobreviventes a correr, a bater com os pés no chão, a erguer pesos e a berrar para mostrarem a saúde dos pulmões.
Os que tinham defeito eram vendidos barato aos ciganos.
Francisco Manoel tornou-se amigo de um desses ciganos negociantes de escravos, que lhe ensinou alguns truques do negócio: como esconder uma desinteria sangrenta com um batoque de estopa, ou uma doença da pele besuntando-a com óleo de castor» 74
«quando as mulheres se debruçavam nas suas meias portas, pareciam estar a usá-las como um prolongamento dos seus vestidos» 126
«Ao fim de algum tempo, parecia estar a murchar com o calor. O cabelo pendia-lhe como caudas de rato e inchou-lhe a cara com erupções cutâneas» 127
«Era irmão de sangue do rei: era crime tocar num cabelo da sua cabeça, contudo até os próprios filhos falavam dele no passado» 137

Bruce Chatwin
O Vice-Rei de Ajudá
tradução de Carlos Leite
3-3,5 estrelas - (belas passagens, mas a história às vezes não está bem ligada, carecendo de fluidez)
Quetzal, 2.ª edição, 1994
(oferecido pela Tia Manela, como presente de aniversário, provavelmente no Natal de 94)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

2 À Esquina

Foi uma bela surpresa este 2 à Esquina, perto da Almirante Reis, onde a família do Comilão foi para o aniversário do seu amigo "Porco". O 2 à Esquina define-se como um lugar «dedicado aos petiscos e iguarias portugueses», com «pratos simples e honestos». Não era essa a ideia que o Comilão levava, ao ver entre as especialidades uma «morcela com ananás».
Nas entradas havia um bom pãozinho com pasta de grão (?). Mas o que brilhou mesmo foram os pratos principais: uns secretos de porco preto com coentros que estavam simplesmente deliciosos, e um polvo tipo à lagareiro que não tinha grande aspecto mas estava tenríssimo e muito saboroso. Houve quem pedisse o arroz de lingueirão e não ficasse muito satisfeito - isto embora o tempero, segundo se disse, estivesse bom. Das sobremesas, o Comilão experimentou a mousse de lima, muito bem feita, com bela consistência e sabor a condizer.
Serviço muito simpático, eficiente e apostado em agradar aos clientes, recebendo os sucessivos pedidos com um sorriso no rosto. Ambiente requintado, intimista e decoração com bom gosto. Bela e ampla mesa para jantares de aniversário e outras celebrações.

2 à Esquina
Rua Capitão Renato Baptista, 2
Preço por pessoa (jantar de aniversário com pratos partilhados): 25 euros
Serviço irrepreensível
Tel. 21 801 13 50
Veredicto do Comilão: recomendado. Os secretos são das coisas mais deliciosas que comi nos últimos tempos (a fome era negra e ajudou)
4 estrelas

Tavola Calda, Algés

Perto da bomba de gasolina da Cipol, em Algés, fica o restaurante Tavola Calda (em Itália a designação 'tavola calda', que significa 'mesa quente' aplica-se aos restaurantes mais modestos). Aberto há cerca de um ano, apresenta um ambiente alegre e moderno (que terá requerido algum investimento...), com luzes no chão, grandes espelhos, cores fortes, um tecto falso trabalhado com motivos contemporâneos. O Tavola Calda pertence ao mesmo proprietário do Lucca e do La Finestra e o pizzaiolo trabalhou no Casanova, de Santa Apolónia.

Vamos à comida. Como couvert, azeitonas pretas sem caroço, pão e grissinos, uma óptima manteiga de alho. Entre as saladas, chamou-me a atenção de uma com pêra e parmigiano. Também tem a clássica caprese (tomate, mozarella, basílico) a 9,5€.

As pizzas, já testadas por duas vezes, rondam os 10-12 euros (porção individual generosa) e são do melhor que se encontra em Lisboa. A Tavola Calda tem mozarella, rúcula, pancetta e bresaola da Valtellina (uma espécie de paio de vaca), a Modena fiambre de culatello e provola fumada e a Toscana grana, cebilnhas doces e balsâmico (uma boa combinação). As pizzas podem ser comidas no restaurante ou encomendadas e levadas para casa.

Nas sobremesas há cremolatte, ao que nos foi explicado uma espécie de granizado, de vários sabores. O bolo de chocolate com gelado é muito bom.

Tavola Calda
Praça 25 de Abril, n.º 7 (junto à bomba da Cipol), Algés
Tel.: 21 411 54 66
Veredicto: recomendado. Belas pizzas. O serviço depende do empregado que se apanha
Refeição para 2 pessoas e meia, com jarro de 1/4 de vinho da casa e sobremesa: 39 euros
3,5 estrelas