domingo, 13 de novembro de 2011

Barry Miles, The Beat Hotel

Foi um presente de aniversário. E o Comilão, em vez de o deixar a definhar na prateleira, em lista de espera durante meses ou mesmo anos, atirou-se logo à leitura. E não se arrependeu. The Beat Hotel é um retrato apaixonante de um hotel de segunda da Rive Gauche por onde passaram nomes maiores da literatura americana. Era dos poucos onde se podia cozinhar nos quartos. O pano de fundo é a vida intelectual e boémia na Rive Gauche no final da década de 50, início da de 60.

Barry Miles é um jornalista com gosto pelo detalhe: questões de dinheiro, como comiam, onde cozinhavam, como se vestiam, que drogas tomavam, com quem dormiam, que cafés frequentavam, que livros liam e, claro, o que escreviam, nada é omitido.

Depois, abundam as histórias, contadas sempre com mestria e domínio do ritmo. Como aquela em que Ginsberg e Corso conhecem Marcel Duchamp numa festa elegante em casa do pai de um amigo (Jean-Jacques Lebel) e se põem a beijar as mãos do artista e a rastejar atrás dele.

O resultado é uma espécie de biografia de um lugar, enriquecida por incursões laterais, contexto, e micro-biografias dos protagonistas. Por exemplo, aqui fica um excerto sobre a mãe de Allen Ginsberg.

«Naomi era uma naturista praticante e andava frequentemente nua pela casa. Não era bonita: tinha excesso de peso e a barriga com cicatrizes de operações. Allen defendia que tinha sido a visão da sua mãe que o tornara homossexual, e queixava-se de que eram geralmente mulheres parecidas com ela que se sentiam atraídas por ele».

Sobre Gregory Corso, conta-se que foi abandonado pela mãe e que aos 12 anos foi preso por roubar um rádio. Passou praticamente toda a juventude em prisões, até ter ido para uma onde leu um dicionário de A a Z e descobriu a literatura, que lhe abriu as portas da regeneração.

William Burroughs, por seu turno, vinha de uma família abastada, mas acabou por desenvolver um fascínio pelo submundo, mergulhando nele até ficar preso na teia. Na Cidade do México viveu um episódio que o marcou para sempre quando matou a mulher numa brincadeira com uma arma de fogo. Foi para Tânger. Recebia da família um estipêndio mensal considerável de 200 dólares.

Com a saída de Ginsberg de Paris, Burroughs aproxima-se de Brion, pintor e poeta, e juntos fazem experiências com drogas, magia e espelhos. Criam uma máquina que provoca visões e expande a percepção, a Dreamachine (para experimentar com os olhos fechados). Inventam a técnica dos recortes, que aplicam à escrita. Nessa altura, Ginsberg já está longe e o gangue do Beat Hotel dissolvido, mas tinham aberto o caminho a todas as revoluções da década de 60.

Barry Miles
The Beat Hotel
Grove Press
275 págs., preço desconhecido (deve rondar os 16-18 euros)
4,5 estrelas
altamente recomendado pelo Comilão

Sem comentários:

Enviar um comentário