sexta-feira, 9 de maio de 2014

Giuseppe Tomasi di Lampedusa por Edmund White (da NYRB)


"O sempre encantador e por conseguinte elegante Gioacchino Lanza Tomasi, que costumava liderar o Instituto Cultural Italiano na Universidade de Nova Iorque, convidou-me a ver a biblioteca de Lampedusa. Gioacchino conheceu Giuseppe Tomasi, o 11.º Príncipe de Lampedusa, quando era um adolescente, e o velho príncipe sem filhos acabou por adoptá-lo. O palácio ergue-se num terraço coberto de flores e à sombra de palmeiras, que dá para o porto de Palermo. No interior há vastos salões, iluminados por lustres venezianos; um deles contém a biblioteca astronómica do antepassado do século XIX que serviu de modelo a O Leopardo, o romance clássico de Lampedusa, publicado em 1958, sobre o declínio da aristocracia siciliana no final do século XIX. Noutra sala há livros em várias línguas (sobretudo italiano, francês e inglês) que Lampedusa lia vezes sem conta. «Ele não tinha muitos livros», diz Gioacchino. «Apenas uns seis mil, mas conhecia-os bem. Um pouco como Montaigne»

Lampedusa era casado com uma baronesa do Báltico, Licy, que tinha o seu próprio castelo, Stomersee, em Riga. Durante a década de 1930 o príncipe e a princesa raramente estavam juntos, por isso trocaram centenas de cartas, as quais Gioacchino está agora a preparar lentamente para publicação. Também elas estão escritas em italiano, francês e alemão e falam longamente sobre as suas doenças reais e sobretudo imaginárias e os seus adorados cães. As invasões alemã e depois russa da Letónia obrigaram-na a mudar-se para Roma e depois para a Sicília, onde exerceu psicanálise com a pequena nobreza local. Ela tinha horárias completamente diferentes dos do marido, que gostava de acordar cedo. Licy acordava por volta das onze e preparava-se para um longo dia de tratamentos aos pacientes.

À noite ela e o príncipe iam ao cinema, ou ouviam gravações de Wagner, ou comiam uma das estranhas refeições dela. A princesa sentia tanta falta dos seus arenques com natas que marinava os arenques secos locais em leite por vários dias até começarem a borbulhar, o que a mantinha num estado constante de diarreia. O príncipe refugiava-se nos seus cafés de eleição, onde podia comer uma refeição decente e encontrar os seus amigos jovens e cultos e trabalhar, durante os três últimos anos de vida, n'O Leopardo. Aos jovens ele dava palestras sobre literatura que mais tarde seriam publicadas; também publicou histórias e livros sobre Stendhal e a liteartura do francesa do renascimento. Finalmente tinha conseguido escapar à preguiça do Sul.

Infelizmente não viveu o suficiente para ver o seu livro publicado, o único fruto importante de uma vida inteira de leituras e conversas. O seu palácio está cheio de objectos que lembram o livro - o telescópio no terraço e as pinturas de antepassados por toda a parte, incluindo um grupo de santos da família! Sim, vários membros desta família eram santos, ou pelo menos beatos, incluindo uma piedosa senhora de aspecto doente chamada Maria Crocifissa. Outra recordação do livro é o próprio Gioacchino, que serviu de modelo para a aparência e désinvolture do jovem herói, o atrevido Tancredi."

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