Toda a gente sabe que o Comilão é um grande apreciador de livros sobre a história das cidades. Por isso adquiriu o clássico de Mumford A Cidade na História; também de Mumford The Culture of Cities; livros sobre Veneza, Paris, Lisboa e Nova Iorque; La Ville en France au Moyen Âge; ou ainda o volumoso London - The Biography, de Peter Ackroyd.
Em tempos já havia lido do historiador Henri Pirenne um ensaio que me havia chamado a atenção, com o sugestivo título Maomé e Carlos Magno. A tese central é que sem as invasões muçulmanas não teria sido possível o fenómeno das dinastias merovíngia, carolíngia e capetiana, pois foram elas que empurraram o ocidente para norte e assim mudaram o centro de gravidade do Mediterrâneo para os territórios da Europa do Norte.
Esse livro tem um interessante prefácio assinado pelo filho do historiador, onde conta como, já final da vida via o pai ansioso por não conseguir que a velocidade da escrita acompanhasse a do pensamento. O aperitivo, pois, é bom e a ideia central também, pelo que me custa mais dizer que este livro foi uma decepção. Mas infelizmente essa é a verdade.
O mesmo aconteceu com As Cidades da Idade Média. O título parece apontar para uma narrativa concretizada com exemplos, o que só muito raramente acontece. Estranho é que num livrinho desta natureza (pertence à colecção Que Sais-je? das PUF) se discutam fontes, rebatam teses e, pior do que tudo, haja citações em latim não traduzidas!, quando o que se pretendia era uma súmula. Depois, há uma questão de desequilíbrio: quase metade do livro é dedicado ao fim do Império Romano e Baixa Idade Média, o período que o autor melhor domina.
O primeiro sublinhado meu só aparece na pág. 49:
«Sabe-se que os bandos de normandos varegues,quer dizer, de escandinavosoriginários da Suécia, estabeleceram, nodecurso do século IX, o seu domínio sobre os eslavos da bacia do Dnieper. Estes conquistadores,que os vencidos designaram sob o nome de Russos, construíram recintos fortificados,chamados gorodsem língua eslava, onde se instalaram àvolta dos seus prínciopes e das imagensdos seus deuses. As mais antigas cidades russas devem a sua origem a estes campos entrincheirados.
naspágs.75-76 háumareferênciainteressante a constantinopla, mas em geral as considerações são muito gerais e destituídas de pormenores. o que diferenciava uma cidade medieval italiana de uma cidade francesa ou flamenga? como eram os edifícios? de que materiais eram feitos? que atracções, que festas havia nas cidades? como eram os interiores das casas? o que comiam os seus habitantes? nada disso aparece respondido (Gente da Idade Média, que é objecto de outro post), preferindo o autor falar da aplicação das taxas ou elogiar a complexidade do direito,mas sem dar exemplos vivos. Às catedrais são dedicadas cinco linhas! isso diz tudo...
Henri Pirenne
As Cidades da Idade Média
Europa-América, Colecção Saber
(adquirido na papelaria Cordeiro e Ramos)
1,5 estrela (custa-me dar uma nota tão baixa, mas é o que penso)
quarta-feira, 20 de março de 2013
quinta-feira, 7 de março de 2013
Dylan Thomas na América. Um tesouro perdido... e encontrado?
Encontrei há dias na Fnac, e adquiri pela módica quantia de €5,04 (cinco euros e quatro cêntimos) esta biografia de Dylan Thomas. O Guia American Express de Nova Iorque menciona que Thomas morreu após ter bebido 18 uísques no White Horse Tavern, um bar na Village onde o Comilão já passou. Quanto ao exemplar recém-adquirido, pertence à colecção 'Prion Lost Treasures'. Será este Dylan Thomas in America um tesouro? A avaliar pelo texto de apresentação na contracapa, sim. (tradução minha):
«Quando o grande poeta galês chegou a Nova Iorque, em 1950, para um programa de leituras de poesia através do país, a América não sabia o que acabava de a atingir. Angelical, demoníaco, imoral, sedutor, incerto dos seus recursos interiores para produzir mais poesia e perseguido por uma ânsia para a autodestruição, dado a maratonas alcoólicas, não era o que o sóbrio mundo dos académicos americanos esperava. Os estudantes adoravam-no, embora nos primeiros dois ou três encontros com eles as raparigas tivessem de ser postas a salvo. E fez amizades instantâneas com inúmeros escritores americanos, jornalistas e frequentadores de bares. O patrono e guia de Thomas era o jovem poeta John Malcom Brinnin, que assistiu horrorizado, totalmente assombrado pelo charme e génio do poeta, à lenta descida de Thomas ao inferno. Brinnin também foi a Londres e ao País de Gales e viu-o no seu elemento - preso num casamento apaixonado mais difícil com Caitlin e perseguido por preocupações monetárias».
John Malcom Brinnin
Dylan Thomas in America
Prion
251 págs., €5,04
«Quando o grande poeta galês chegou a Nova Iorque, em 1950, para um programa de leituras de poesia através do país, a América não sabia o que acabava de a atingir. Angelical, demoníaco, imoral, sedutor, incerto dos seus recursos interiores para produzir mais poesia e perseguido por uma ânsia para a autodestruição, dado a maratonas alcoólicas, não era o que o sóbrio mundo dos académicos americanos esperava. Os estudantes adoravam-no, embora nos primeiros dois ou três encontros com eles as raparigas tivessem de ser postas a salvo. E fez amizades instantâneas com inúmeros escritores americanos, jornalistas e frequentadores de bares. O patrono e guia de Thomas era o jovem poeta John Malcom Brinnin, que assistiu horrorizado, totalmente assombrado pelo charme e génio do poeta, à lenta descida de Thomas ao inferno. Brinnin também foi a Londres e ao País de Gales e viu-o no seu elemento - preso num casamento apaixonado mais difícil com Caitlin e perseguido por preocupações monetárias».
John Malcom Brinnin
Dylan Thomas in America
Prion
251 págs., €5,04
quarta-feira, 6 de março de 2013
Bill Buford, A ferver
A Ferver foi um dos livros que o Comilão recebeu no último Natal. Conta a odisseia do autor não apenas na cozinha do Babbo, o mais prestigiado restaurante italiano de Nova Iorque, como na Toscana, para onde Buford foi em busca da essência da cozinha italiana. O livro tem que se lhe diga: está escrito com liberdade, humor e talento (por vezes quase virtuosismo) e proporciona um prazer genuíno e intenso, como uma boa refeição - mas mais duradouro. Buford era editor da revista New Yorker quando começou esta aventura, que teve na origem a redacção de um perfil do chef Mario Batali (isso aparece contado na pág. 186). Acabou por despedir-se do emprego para passar um ano a compreender o funcionamento da cozinha de um grande restaurante, trabalhando lá como voluntário. Depois disso foi para uma aldeia nos confins da Toscana para colaborar com Dario Cecchini, o mais célebre talhante vivo. A história de Marco Pierre White é um dos pontos altos. Começa na pág. 123.
«Quando alguém pediu batatas fritas ficou tão ofendido que foi ele mesmo prepará-las e cobrou 500 dólares. 'Eu costumava ficar doido de todo'. Atirava com coisas; partia coisas; insatisfeito com um prato de queijo, atirou-o contra a parede, onde ficou agarrado e foi escorregando à medida que a noite avançava, deixando um rasto de gordurento de Camembert. Quando o chef principal caiu e partiu uma perna, Marco atirou-se a ele: 'Como te atreves? Se fosses um cabrão de um cavalo eu dava-te um tiro'» pág. 128
ovos 135
como fritar batatas 136
«Para Mario, Harrison era o Homero, o Miguel Ângelo, o Lamborghini, o Willie Mays, o Secretariat, o Jimi Hendrix dos intelectuais da comida: 'um conhecedor, um caçador, um bom garfo, um farejador persistente, um filho da mãe falador e um copofónico que não tem medo de se entusiasmar com o tipo de noz que uma determinada perdiz deve ter comido de manhã para saber tão bem ao almoço'. Mais modestamente, Harrison descrevia Batali como uma alma gémea. [...]
A primeira magnum de vinho branco chegou e Mario relembrou Harrison de que tinham bebido 28 garrafas da última vez que se tinham encontrado» 178-179
«O talho dele [Dario] não era um simples talho mas um museu da cozinha toscana: carne crua e cozinhada, peças de carne das vacas de Chianti juntamente com vários tipos de ragù e molhos e porcos curados - uma universidade da zona» 278
«A cada passagem a carne chiava e o vapor envolvia o meu rosto. Estava cheio de calor: a rotina da camisa molhada, e o suor a escorrer-me pelo rosto, pescoço e braços. Veio-me ao espírito Marco Pierre White ('Todos os rapazes crescidinhos temperam a comida com o seu suor - consegue-se sentir o gosto') e a minha dúvida era se o suor seria realmente o tempero secreto da cozinha pois não havia dúvidas de que era para onde o meu caía, embora se convertesse logo em vapor, no impacto.»
«'De leve' dizia o Maestro, espreitando por cima do meu ombro. 'A faca tem de estar livre na tua mão, nunca agarrada com força, de forma a que ela consiga descobrir as linhas da carne.' Ele tinha-se tornado num mestre Zen das lâminas bem aguçadas. 'Com elegância' dizia. 'A faca deve estar solta. Ela é que faz o trabalho, não tu. A tua mão desapareceu dentro da faca.'
'Certo!' dizia eu e repetia a instrução: 'A minha mão desapareceu.' Depois pensava: isto não ajuda nada, a minha mãos não desapareceu para lado algum. Eu suava, porque suava sempre que o Maestro se punha assim tão perto, e além disso sofria com uma dor aguda que irradiava fortíssima do fundo das costas, pela tensão, embora estivesse determinado em ocultar à minha mão toda aquela sensação terrível, pois sabia que não a ajudaria em nada. 'Descontrai-te, ó mão' dizia eu , persuadindo-a com brandura. 'Lembra-te que hoje é o teu dia de folga. Não és tu que trabalhas. Essa coisa aguçada é que faz tudo.'» 346
Bill Buford
A ferver - aventuras e desventuras de um cozinheiro amador
Sextante
411 páginas - 4 estrelas
(embora seja uma leitura fascinante e muito divertida, tem dois capítulos mais chatos sobre a polenta e sobre quando o ovo foi introduzido na receita da pasta)
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