«O sol deslocara-se no céu e as imensas janelas do Ministério da Verdade, agora que a luz já não incidia sobre elas, pareciam lúgubres seteiras de uma fortaleza. O coração de Winston estremeceu ante a enorme forma piramidal. Era demasiado sólida, era impossível ser abalada. Nem mil mísseis poderiam derrubá-la. Interrogou-se de novo sobre para quem estaria a escrever o diário. E diante de si não havia morte, mas sim aniquilação. O diário ficaria reduzido cinzas e ele próprio a vapor. Só a Polícia do Pensamento leria o que ele escrevera antes de o varrer da existência e da memória. Como se poderia apelar ao futuro quando era impossível que qualquer vestígio nosso, mesmo uma palavra anónima escrevinhada num bocado de papel, pudesse sobreviver fisicamente?
[...]
Era um fantasma solitário que murmurava uma verdade que ninguém ouviria. Mas, enquanto ele a murmurasse, de algum modo obscuro a continuidade não seria quebrada. Não era por se fazer ouvir, mas sim por se manter mentalmente sã que uma pessoa prolongava a herança humana.»
George Orwell, 1984
