domingo, 26 de junho de 2022

A expansão portuguesa, Luís Filipe F. R. Thomaz

 «Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até agora não houve quem a andasse, por negligência dos portugueses que, sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos»

Frei Vicente do Salvador, primeiro cronista do Brasil, 1.ª metade do século XVII

in Luís Filipe F. R. Thomaz, A Expansão Portuguesa - Um prisma de muitas faces, p. 14



«Poder-se-ia dizer, em termos muito genéricos, que a expansão espanhola é de tipo romano, enquanto a portuguesa é de tipo grego ou cartaginês»

LFFRT, p. 16

terça-feira, 3 de maio de 2022

A dama do nariz grande

Era primavera, a natureza parecia em festa. Um cavalheiro cujo nome não foi retido pelas crónicas não se cansava de apreciar o belo espetáculo oferecido pelos arbustos floridos em Holland Park.

- Vejam bem estas camélias! Seria preciso a pena de um Dumas para lhe fazer justiça! Ou o pincel de um pintor de génio...

A dois passos de distância, uma jovem senhora acompanhava a digressão do homem sobre as virtudes das plantas. Porém sem entusiasmo. Tratava-se de Lady N., famosa pelo magnífico apêndice nasal com que a Providência a brindara. A sua postura era recatada, como sempre, mas nem todo o recato do mundo era o suficiente para disfarçar a indiscreta protuberância.

- O aroma deste jasmim - divino! - é de levar uma pessoa às lágrimas... - continuava o homem. - Por favor, veja por si.

E desviou-se para dar passagem à senhora.

- Infelizmente não tenho olfacto - respondeu ela.

O seu apurado sentido de cavalheirismo levou-o a tentar reparar o agravo de imediato.

- Ó minha senhora, não imagina como lamento tamanho desperdício.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Um poema de Ricardo Reis

«Sou um evadido,
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte.
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu, é não ser.
Eu vivo fugido
Mas vivo a valer.»

Ricardo Reis, 5-4-1931

in Fernando Pessoa, Sobre a Heteronímia, Assírio & Alvim


Uma página do diário de Susan Sontag (Reborn)